quinta-feira, fevereiro 05, 2009

A Origem do Fed



Rodrigo Constantino

“I believe that banking institutions are more dangerous to our liberties than standing armies. If the American people ever allow private banks to control the issue of their currency, first by inflation, then by deflation, the banks and corporations that will grow up around the banks will deprive the people of all property until their children wake-up homeless on the continent their fathers conquered.” (Thomas Jefferson, 1802)

A maioria das pessoas assume como certa a necessidade de existência de um banco central na economia. Poucos questionam sobre as origens dos bancos centrais, ou como era antes de sua existência. O economista Murray Rothbard foi uma rara exceção, e seus estudos sobre o tema levaram ao livro The Case Against the Fed, no qual ele conclui que o banco central americano deveria ser simplesmente extinto. Em sua opinião, a própria criação do Federal Reserve foi o resultado de um poderoso cartel de bancos tentando se proteger de saques e objetivando manter a capacidade de expandir “indefinidamente” o crédito. Da simbiose entre governo e grandes banqueiros nasceria o poderoso instrumento de gerar inflação e redistribuir renda.

A própria definição correta de inflação não é aumento no nível de preços, mas sim na quantidade de moeda. O aumento nos preços dos bens é uma conseqüência da inflação, pois a maior oferta de moeda, ceteris paribus, leva a uma queda relativa no seu valor. O público não tem o poder de criar mais moeda. Somente o governo, através do banco central, tem este poder. Qualquer um que imprimir papel-moeda em casa é acusado do crime grave de falsificação. Todos entendem que isto, se feito em grande escala, faria com que os demais sofressem perda no valor de suas rendas. Além disso, não é difícil perceber que o falsificador transfere riqueza dos outros para ele mesmo, pois quando os efeitos da maior oferta de dinheiro forem sentidos, ele já se apropriou dos bens comprados.

A mesma lógica se aplica quando é o governo que cria mais moeda do nada. O resultado final é a transferência de riqueza para os primeiros beneficiados com os gastos financiados com o novo papel. Foi com isso em mente que Alan Greenspan escreveu em 1967, quando ainda não havia sido seduzido pelo poder, que o déficit do governo era simplesmente um esquema para o confisco escondido de riqueza. Logo, se a inflação crônica é causada pela contínua criação de mais moeda, e se apenas o banco central tem o poder para emitir moeda, quem é o responsável pela inflação? No entanto, todos aceitam sem muita reflexão que o banco central é o grande inimigo da inflação, o vigia que vai proteger a poupança de todos contra seus males. Para Rothbard, isso é análogo ao ladrão que começa a gritar “Pega, ladrão!” e corre apontando o dedo para os outros.

A origem da moeda não foi um contrato social ou um decreto arbitrário decidindo de cima para baixo qual seria a moeda aceita. Foi sempre uma escolha livre dos agentes de mercado, para facilitar as trocas. Várias commodities já foram escolhidas como moeda, mas o ouro sempre acabou prevalecendo onde era possível. Algumas características tornam o ouro peculiar, como seu valor intrínseco pela sua beleza, sua oferta limitada, sua portabilidade, sua divisibilidade, sua homogeneidade e sua elevada durabilidade. Tais qualidades sempre fizeram do ouro uma escolha natural do mercado, e também um inimigo implacável dos governos perdulários. Justamente por isso vários governos dificultaram o acesso ao ouro, impuseram um papel sem lastro como meio obrigatório de pagamentos e, em alguns casos, chegaram a transformar a posse do ouro em ato ilegal, como nos Estados Unidos em 1933. O déficit do governo fica bastante limitado sob o padrão-ouro, e por este motivo os defensores de mais governo sempre atacaram o metal. No fundo, eles lutam pelo direito do governo de gerar inflação, ainda que o discurso seja dissimulado.

A propaganda do governo foi tão eficaz que atualmente as pessoas consideram inconcebível uma fase prolongada que queda nos preços dos produtos. O governo incutiu com sucesso um verdadeiro pânico da palavra “deflação”, entendida pelos leigos como redução dos preços finais. Entretanto, desde o início da Revolução Industrial até o começo do século XX, os preços gerais apresentaram trajetória de queda, com a exceção de períodos de guerra, quando os governos inflaram a oferta de moeda. Mesmo hoje em dia é possível ver a redução constante nos preços de inúmeros produtos com avançada tecnologia, como computadores ou televisores, sem que isso represente uma depressão para o setor. Pelo contrário, o aumento da produtividade permite lucros maiores apesar da redução nos preços finais.

Na verdade, o governo não é o único agente capaz de criar inflação. Os bancos podem obter o mesmo resultado através do crédito intangível. Rothbard resgata da história duas funções distintas dos bancos em suas origens. A primeira delas era servir como um cofre para os depósitos de ouro e outros bens. Em outras palavras, um depósito de dinheiro, que emitia um recibo em troca, garantindo a entrega do bem quando demandado. Para este serviço de armazenagem era cobrada uma taxa. Esse era o caso do Banco de Amsterdam, por exemplo. A outra função era interligar poupadores e investidores, também cobrando uma taxa por isso. A mistura de ambas as funções, segundo Rothbard, não passou de uma fraude.

Qualquer armazém honesto que guarda um bem em troca de um recibo garante a segurança do bem. Se alguém depositar uma jóia valiosa no cofre, com certeza espera que ela esteja protegida e disponível para resgate a qualquer momento. Seria impensável imaginar que o dono do cofre emprestou a jóia para terceiros, cobrando juros. O objetivo era apenas proteger o bem. No entanto, a moeda sendo homogênea e sem carimbo pode ser facilmente utilizada pelo banco para novos empréstimos, pois nada garante que a sua moeda está guardada nas reservas bancárias. No caso de um banco com 100% de reservas sobre depósitos, de fato seu dinheiro está guardado no cofre. Mas quando se trata de reservas fracionárias, o banco está se alavancando em cima do seu dinheiro, e é falsa a afirmação de que seu depósito está disponível para saque a qualquer momento. Isso só funciona quando algumas poucas pessoas resolvem resgatar, pois quando muitos decidem sacar seus depósitos ao mesmo tempo, o banco não tem lastro para honrar sua dívida com os depositantes. Uma corrida bancária expõe automaticamente um fato ocultado pelos bancos: sua total falta de liquidez.

Os bancos desfrutam, portanto, do poder de multiplicação monetária através do crédito sem lastro. Nem sempre foi assim, como mostra Rothbard. O esquema de reservas fracionárias não passa de uma fraude, segundo o economista. Os bancos assumem o compromisso de pagar seus depósitos imediatamente, mas não são capazes de honrar este compromisso com todos os depositantes. Estariam insolventes. Isso seria ilegal com todos os outros bens, menos com o dinheiro. E quanto mais os bancos emprestam em cima de seus depósitos, maior o risco de uma repentina perda de confiança e uma corrida bancária. Por isso há o interesse em formar um cartel de bancos, firmando um acordo para cada um aceitar os recibos dos outros sem demandar os resgates possíveis. Se os bancos começam a demandar resgates desses recibos recebidos como forma de pagamento dos seus clientes, o sistema se mostra insolvente como um todo. O castelo de cartas desaba.

Juntando a fome do governo por recursos, com a vontade de comer dos bancos, a criação de um banco central é o próximo passo natural. Para o governo, o banco central representa uma boa solução para financiar seus gastos e déficits através do “imposto inflacionário”, e para os bancos ele serve para remover os limites da expansão de crédito. Atuando como o emprestador de última instância, o banco central pode ajudar a manter a confiança nos bancos insolventes. A história mostra que a origem dos principais bancos centrais realmente esteve ligada a estes interesses. O Bank of England, por exemplo, foi criado para ajudar a financiar o grande déficit do governo com as guerras. Nos Estados Unidos, os defensores de um banco central sempre foram os herdeiros intelectuais de Hamilton, membros dos partidos Whig e Republicano. Eram os mesmos que defendiam tarifas protecionistas e subsídios do governo para indústrias nacionais. Tinha que haver uma forma de financiar isso tudo.

O pânico de 1907 finalmente forneceu o pretexto conveniente para os defensores de um banco central. A propaganda por um banco central já vinha atuando desde 1896, mas encontrava sempre forte resistência. A crise gerou o momento adequado para convencer os demais. O que Rothbard mostra é que os grandes banqueiros, como Morgan e Rockfeller, estavam por trás desta demanda pela criação de um banco central. A crença de que os próprios banqueiros desejavam um regulador para limitar sua liberdade por puro altruísmo parece bastante ingênua. Seres humanos em geral não são chegados a um sacrifício pelo bem-geral, muito menos os banqueiros poderosos. Logo, podemos assumir que havia um total interesse por parte dos grandes bancos na existência de um banco central. Rothbard entende que a razão por trás disso era o desejo de preservar a capacidade de inflar moeda dos bancos.

Em 1913, os banqueiros e intervencionistas venceram a disputa e o Federal Reserve System foi criado, com o monopólio da emissão de moeda e a função de emprestador de última instância. O resultado: desde então, os Estados Unidos experimentaram períodos mais intensos de inflação, e depressões mais profundas do que antes. A crise atual nada mais é do que uma conseqüência desse modelo. Alan Greenspan, que fora um ferrenho defensor do padrão-ouro e que compreendia os enormes riscos inflacionários do Fed, acabou se tornando um dos principais responsáveis pela inundação de liquidez que permitiu o surgimento da bolha que agora estourou. E atualmente, Ben Bernanke assumiu o controle do poderoso “templo”, disposto a esticar ainda mais os limites do Fed para salvar os bancos insolventes. Ele conta com o entusiasmado apoio de intervencionistas como Paul Krugman, e claro, dos próprios banqueiros. Que poupador pode se sentir protegido com um vigia desses?

5 comentários:

Yashá Gallazzi disse...

Ótimo texto Rodrigo. Para não variar, você vai direto ao ponto de maneira clara e didática.
Sabe o que é mais curioso? Ainda tem gente que aponta o dedo para Greenspan e Bernake dizendo: "neoliberais"!
Já imaginou?

P.S.: Deixo abaixo o link para um texto meu, publicado no O Globo. Seria muito bom se você o lesse.

Abraços,

Yashá Gallazzi

http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2009/02/05/a-violencia-em-paraisopolis-a-protecao-intelectual-ao-terror-754273932.asp

Djalma Rocha disse...

Excelente artigo, Constantino !

Rodrigo Constantino disse...

Yashá, já tinha lido seu artigo e votado (nota 5). É isso mesmo!

Jeová disse...

Rodrigo, você é a favor do padrão-ouro ou o quê?

Thomás disse...

Há um mês fiz uma visita ao Banco Central Europeu. O que disse o relações públicas que me recebeu: "enquanto os clientes dos bancos comerciais são as pessoas comuns, os clientes do banco central são os bancos comerciais".

É dessa idéia idiota que surgem todos os problemas. Como se sabe, todo comerciante quer agradar seu cliente, e garantir os depósitos dos bancos comerciais é a melhor coisa que os BCs podem fazer para satisfazer seus "consumidores". Claro, o que é bom para os bancos comerciais, nesse caso, é péssimo para as pessoas comuns.