Idéias de um livre pensador sem medo da polêmica ou da patrulha dos "politicamente corretos".
quinta-feira, fevereiro 12, 2009
A Relíquia Bárbara
Rodrigo Constantino
O ouro sempre exerceu uma forte atração nos homens. “Quem possui ouro possui um tesouro capaz de elevar as almas ao paraíso”, teria dito Colombo ao chegar à América. Em inúmeras sociedades ao longo dos milênios, o ouro tem sido objeto de grande desejo. Sua beleza intrínseca, “reluzente como o sol”, explica em parte esse fascínio. Mas há também uma justificativa mais técnica para a demanda pelo metal dourado.
Algumas características tornam o ouro peculiar como escolha para meio de troca e reserva de valor. Sua oferta limitada, sua portabilidade, sua divisibilidade, sua homogeneidade e sua durabilidade. Tais qualidades sempre fizeram do ouro uma escolha natural do mercado, e também um inimigo implacável dos governos perdulários. Afinal, o governo que deseja gastar mais do que arrecada não gosta da idéia de uma moeda escassa e independente de seu poder. O sonho de todo governante populista é contar apenas com o toner das impressoras da Casa da Moeda como lastro para a emissão de dinheiro.
Alan Greenspan, quando ainda estava longe do poder sedutor do Federal Reserve, compreendia isso muito bem. Em 1967 ele escreveu o artigo Gold and Economic Freedom, concluindo que o “ouro e a liberdade econômica são inseparáveis”. Para ele, o padrão-ouro era incompatível com o déficit crônico nos gastos governamentais, que seria apenas uma forma disfarçada de confiscar dinheiro do povo. O déficit do governo fica limitado sob o padrão-ouro porque a lei de oferta e demanda não pode ser cunhada, e o governo não dispõe da inflação como mecanismo de imposto velado.
Por isso os defensores de mais gastos públicos sem lastro sempre condenaram o ouro. O caso mais extremo nos Estados Unidos ocorreu durante o governo Roosevelt. O país vivia sob o padrão-ouro, e isso limitava os poderes do governo. Roosevelt pediu então ao secretário do Tesouro para exigir que os americanos vendessem o que tivessem de ouro para o Tesouro, em troca de dólares. A posse do metal ou sua exportação passaram a ser ilegais. Essa medida representava a saída do padrão-ouro na prática. O presidente afirmou que tal medida seria “temporária”, mas poucas coisas duram mais do que medidas temporárias de governos. Em seguida, Roosevelt trabalhou para invalidar as cláusulas de ouro nos contratos privados, que funcionavam como forma de proteção dos credores. O ouro sofria um duro ataque do governo, ansioso por gastar além dos seus limites para tentar estimular a economia. Na prática, isso transferia riqueza dos poupadores para os devedores.
Governos autoritários costumam atacar o ouro de forma ainda mais direta. Foi o caso de Kublai Khan, neto de Gengis Khan. Marco Polo permaneceu a serviço do líder mongol por anos. Seus relatos são esclarecedores. Sempre que comerciantes entravam em seus domínios com pérolas, pedras preciosas, ouro ou prata, eram todos “instados” a ceder todo o seu tesouro para o Grande Khan, em troca de papel-moeda. O poder de persuasão do líder, para garantir a confiança em sua moeda, foi explicado pelo próprio Marco Polo, ao afirmar que “ninguém ousa recusá-lo sob pena de perder a vida”. E assim, o Khan tinha realmente dominado a arte da alquimia, ao menos dentro dos seus domínios.
O ouro funciona razoavelmente bem como reserva de valor durante governos irresponsáveis. Entre 1968 e 1980, o ouro se valorizou cerca de 30% ao ano nos Estados Unidos. Em O Poder do Ouro, Peter Bernstein afirma que o ouro “pode voltar a servir como o hedge por excelência em situações caóticas”. Ele considera que seu retorno ao papel tradicional de dinheiro universal é improvável, “a menos que chegue um momento em que o dólar, o euro e o iene deixem de ser um meio aceitável de pagamento nas transações internacionais”. Esse não parece ser o cenário atual ainda. Mas é inegável que o mundo está entrando numa fase de governos mais gastadores. Quando temos um concurso de feiúra, onde cada governo luta para ser o mais irresponsável nos gastos, o ouro normalmente se sai bem.
E de fato, ele tem sido uma excelente proteção para os investidores. Abaixo dos US$ 300 no começo da década, a onça de ouro está valendo quase US$ 1.000 agora, em seu máximo patamar histórico. Até quando o seu bull market irá durar ninguém sabe. Depende da magnitude da inflação produzida pelos principais governos do mundo. Até lá, espera-se apenas que nenhum governo resolva decretar guerra ao metal, que por tantos séculos tem ajudado a preservar as poupanças em tempos de crise econômica.
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3 comentários:
Prezado Rodrigo,
Li esse artigo que segue abaixo no site Deposito de ideias sobre reservas fracionarias,nao sou economista mas pelo que li dos austriacos contrarios a essa pratica como fraudulenta concordo com eles.Voce poderia comentar sobre o assunto.
"Quarta-feira, 11 de Fevereiro de 2009
Sobre reserva fracionada
[1] Alguns liberais questionam a legitimidade e a funcionalidade de um sistema monetário baseado em reservas fracionadas. Com a atual crise, essa “reprovação” ganhou força. Muitos apontaram a reserva fracionada como uma das principais culpada pela crise, por ter possibilitado “alavancagens excessivas”, por ter criado “dinheiro do nada”, inflacionado o mercado de ativos etc.. Eu considero tudo isso um erro e vou procurar explicar brevemente neste texto o por quê.
Reserva Fracionada e 100% de Reserva: como funciona?
[2] Primeiro, o que vem a ser um sistema de reserva fracionada vis à vis o sistema defendido por alguns liberais chamado de “100% de reserva”? Reserva fracionada, como o próprio nome diz, significa que um banco irá manter guardado, “quietinho” lá no cofre, apenas uma fração do total de depósitos à vista que ele possuí. Depósitos à vista, para nossos fins, significam aqueles depósitos tradicionais que fazemos no banco e temos acesso direto ao seu saldo através de cartão, cheques, podendo sacar quantias razoáveis a qualquer instante que desejarmos. Economicamente, esses saldos são moeda. Moeda em economia é basicamente tudo aquilo que é generalizadamente aceito como meio de troca. Os saldos desses depósitos cumprem tal característica. Podemos pagar uma infinidade de coisas em uma infinidade de lugares com eles; qualquer loja os aceita (através de cheques ou cartões de débito).
[3] Usando um exemplo simples, um sistema de reserva fracionada funciona da seguinte maneira: João faz um depósito de R$1000 em papel-moeda em uma conta corrente. O Banco lhe dá um cartão de débito ou cheques para que ele acesse a qualquer momento o saldo de R$1000 depositado. Em um sistema 100% de reserva a história acabaria aqui. O Banco deixaria guardadinho lá os R$1000,00 e João ficaria com o cartão e o cheque na carteira como “substituto de moeda”. Uma hora ou outra ele gostaria de realizar um saque e trocar saldos em depósito à vista por dinheiro vivo (é sempre bom ter um pouco de dinheiro vivo na carteira). Os R$1000 em dinheiro dele estão lá guardados no cofre do banco, que então lhe daria a quantidade desejada. Em um sistema de reserva fracionada a história não acontece assim. O banco não vai deixar os R$1000 guardados no cofre. João não fica sacando R$1000 a todo momento, a toda hora. Ele fica com R$20,00 em dinheiro vivo na carteira e usa os cartões de débito e cheque que o banco lhe deu. O Banco então pega, digamos, R$900,00 e empresta para outro cliente, José. Ele, banco, só fica com R$100 do João em dinheiro vivo, R$100,00 que dado o comportamento de saques desse cliente, são suficientes para que nunca ele apareça no banco e não tenha dinheiro vivo para sacar.
[4] Vamos supor que José pegue os R$900,00 e deposite em outro banco, banco B, em uma conta corrente. O Banco B fará o mesmo que o banco do João. Dará um cartão de débito, cheques e guardará apenas uma fração desse dinheiro vivo depositado por José. A outra parte ele emprestará para um terceiro, que por sua vez muito provavelmente depositará em um banco que fará novamente o mesmo processo... O nome que é dado ao “dinheiro vivo”, ao papel moeda em si que fica depositado, parado (ou rendendo bem pouquinho no BC) é reservas. Por isso o nome “reserva fracionada”. As reservas dos bancos são apenas uma fração dos deus depósitos à vista. No exemplo dado, o Banco do João tem apenas 10% de reserva, já que o depósito é de R$1000,00 e ele só deixou guardado, “reservado”, R$100,00.
[5] O processo descrito acima, economicamente, é uma criação de moeda, mais precisamente é a maneira que os bancos produzem moeda. Limitando ao que ocorreu só com a primeira rodada de empréstimos, João depositou R$1000,00 em dinheiro vivo no banco. Ele trocou moeda por saldos em depósitos a vista. A qualquer momento, com o cartão de débito ou cheque, em qualquer lugar, ele compra os mesmos R$1000,00 em bens que ele compraria com os R$1000 em dinheiro vivo. E José? José não tinha moeda alguma. O Banco lhe emprestou R$900,00 (parte do dinheiro vivo depositado por João). Obviamente com R$900,00 em dinheiro vivo, José consegue comprar R$900,00 em bens. Veja que com os R$1000,00 iniciais de João, o sistema de reserva fracionada na primeira rodada de empréstimos gerou R$1900,00 em moeda (os R$1000,00 de João, que continua com os cartões e cheques podendo gastar isso e os R$900,00 de José). Se José depositar os R$900,00 e o banco repetir o processo, mais R$ 810 serão gerados. No limite se o mesmo comportamento de depósitos e manutenção de 10% de reserva for repetido, de R$1000,00 iniciais em moeda teremos R$10000.
[6] Em um sistema 100% de reserva nada disso ocorre. Bancos não produzem moedas dessa maneira. Os R$1000,00 iniciais não são “multiplicados”. Não existe o que os economistas chamam de “multiplicador monetário”. Os R$1000 depositados ficam guardados, ficam como reservas nos cofres do banco.
Inflação, controle de moeda sob um sistema de reserva fracionada.
[7] Uma das proposições mais velhas da economia diz que dada uma curva de demanda tradicional por um bem, um aumento da oferta fará o preço desse bem cair. Essa proposição se estende perfeitamente para moeda. Se a oferta de moeda aumenta, dada a demanda, teremos inflação que nada mais é do que o nome dado a queda do seu poder de compra, do seu preço. Depósitos a vista são economicamente moeda. São um “bem” generalizadamente aceito como meio de troca. Em termos de agregados estatísticos eles fazem parte do chamado “M1”, uma clássica medida da oferta de moeda. Aumentos de depósitos a vista, como vimos no exemplo acima, são aumentos da oferta de moeda, logo podem gerar inflação se a demanda por moeda ficar estável. No entanto, tudo isso não serve para dizer se um sistema de reserva fracionada é mais ou menos inflacionista (na definição corriqueira de inflação), do que um sistema 100% de reserva.
[8] Os bancos não podem expandir a oferta de moeda infinitamente a partir de um depósito inicial de dinheiro vivo. O quão alta ou baixa necessitam ser as reservas dependerá da confiança dos clientes em relação a esse banco. No meu exemplo acima usei 10% de reservas, mas na verdade esse número será determinado pelo mercado. Um banco, olhando só para a relação reservas e depósitos a vista, sempre pode ganhar um pouquinho mais diminuindo a porcentagem de reservas. Mas isso tem um custo, existe um risco. Quanto mais baixo for o nível de reservas maior as chances de a coordenação entre montante de reservas e saques desejados pelos clientes falhar. Isso gera uma grande perda de confiança e pode gerar corridas contra o banco causando uma crise de liquidez. A confiança perdida custará milhões (ou até bilhões dependendo do tamanho do banco). Os consumidores serão mais reticentes ao depositar naquele banco. Exigirão juros maiores (remuneração sobre depósitos), tarifas menores para compensar o risco etc.. Isso apenas restringindo o efeito no quesito “depósitos à vista”. Outros setores do banco podem ser afetados também via desconfiança (se ele arrisca tanto com as reservas, porque não com outras fontes de captações?). O resultado final de toda história é que o banco acaba encarecendo seu custo de captação.
[9] Dito tudo isso, qual seria o nível ótimo de reservas então? Seria aquele em que o custo marginal crescente da captação (devido ao aumento de risco) se iguala ao retorno marginal por diminuir um pouquinho o nível de reservas e emprestar mais. Será assim que um livre mercado determinará um nível economicamente eficiente de reservas. Dada a reserva ótima, para fins de política monetária, o controle da oferta de moeda é idêntico ao “total controle” do 100% de reservas. Com a diferença de que o governo ao emitir mais “moeda de alta potência” ou base monetária (basicamente o papel-moeda, o dinheiro vivo) terá que levar em conta que dada a reserva ótima, a quantidade será multiplicada por X. A essência da coisa consiste em descobrir a reserva ótima e verificar o quão estável (previsível) ela é.
[10] A instabilidade das reservas ótimas, em geral, é derivada da própria instabilidade das políticas monetárias dos governos. Dado que manter reservas significa um custo de oportunidade para os bancos (perde-se os juros, ou parte deles, que poderiam ser conseguidos através de um empréstimo), políticas monetárias discricionárias, que não controlam corretamente a inflação e necessitam de “choques” constantes de juros para serem ajustadas, afetam bruscamente a escolha das reservas (obviamente acima da compulsória) gerando instabilidade no multiplicador monetário e na oferta de moeda. Quando as reservas compulsórias são muito altas, o problema se torna outro; surge a questão do spread excessivamente alto (reservas compulsórias acima do ótimo são como impostos sobre um bem com oferta e demanda elásticas, logo geram peso morto). Mas isso é assunto para outro texto.
[11] Voltando a questão do controle da oferta de moeda e conseqüentemente da inflação, assim como em um sistema 100% de reserva, o controle básico é feito primordialmente pelo emissor do dinheiro vivo (base monetária). Um banco privado em um sistema de reserva fracionada só pode baixar o nível de reserva abaixo do ótimo para um dado nível de base monetária se o emissor da moeda original garantir emissões adicionais, pois a diminuição da reserva gerará crise de liquidez para o banco e perda de confiança (elevando custo das captações acima do retorno marginal da queda). O que o emissor original faz ao garantir a base monetária é arcar com esse custo (no caso do emissor original ser o governo, ele repassa a quase totalidade desse custo aos consumidores via inflação).
[12] Imagine que um banco tente diminuir o nível de reservas sem a “chancela” do emissor original e sem um aumento de demandantes pela sua moeda (seus substitutos de moeda) – se há um aumento da demanda não teremos problemas de inflação. Ele, banco, fará novos empréstimos, baixando as reservas. Mas esses novos clientes não são novos demandantes de seus produtos como “moeda”, eles não querem carregar cheques e cartões daquele banco especifico em seus saldos de caixa, seus saldos monetários. Eles repassarão os saldos adiante (em uma compra qualquer). O lojista que recebeu o cheque, por exemplo, também não deseja ficar com esse cheque e nem com maiores saldos em depósitos a vista nesse banco, enfim, ele não aumentou sua demanda por esses serviços. Todo o empréstimo adicional voltará em forma de saques aumentando a demanda pelas reservas daquele banco que expandiu o crédito, tornando a quantidade insuficiente para suprir as necessidades dos demandantes e gerando um problema de liquidez (e conseqüentemente destruição de confiança). Em um mercado livre, sem o desejo do emissor da moeda original desejar mais inflação, o multiplicador monetário por si só não gerará inflação. Se um banco tentar “aumentar” seu multiplicador baixando as reservas abaixo do ótimo (ele não fará isso, pois terá prejuízo), arcará com os custos. Talvez até deixando de ser considerado um emissor de “moeda”, o que significa uma elevação brutal do custo de captação, dado que depósitos à vista ou não remuneram o cliente ou remuneram bem abaixo das demais modalidades de operações. Além disso, quanto menos resgates os clientes costumarem fazer por confiança no banco, menos reservas (que são custosas), o banco precisa manter (mais confiança, baixa o nível ótimo de reserva).
Eficiência de um sistema de reserva fracionada
[13] Sob um padrão ouro, a maior eficiência econômica da reserva fracionada, em relação ao sistema 100% reserva, é de fácil percepção. Ouro pode ser usado para produzir uma infinidade de coisas. 100% de reserva implica em uma quantidade de ouro maior sendo guardada para fins monetários quando se poderia obter exatamente o mesmo serviço com uma quantidade bem menor, permitindo assim que mais bens fossem produzidos com o excedente. No padrão ouro, os depósitos eram feitos em ouro e o banco emitia certificados (é idêntico ao exemplo dado no começo do texto – só que o dinheiro vivo do exemplo é ouro e os cheques e cartões de débito são notas ou certificados de um determinado banco). Na reserva fracionada, só uma porcentagem do ouro ficaria guardada para gerar o mesmo serviço monetário (seria como produzir um determinado bem a um custo menor).
[14] O argumento é o mesmo ao pularmos de um padrão ouro com reserva fracionada para um sistema de papel-moeda sem lastro também com reserva fracionada. Em tese, seria possível produzir o mesmo bem (serviços monetários), por um custo menor ainda, sem nenhuma grama de ouro, que seria todo liberado para a produção de outros bens. A discussão sobre se ouro ou papel-moeda seria o melhor sistema, de certa maneira tem bastante a ver com a proposta nesse texto entre reserva fracionada e 100% de reserva. Os defensores do segundo sistema costumam aceitar o argumento teórico exposto acima, mas alegam que com reserva fracionada, no mundo real, não obteríamos o “mesmo serviço monetário”. Com reservas fracionadas seria mais fácil a expansão da oferta de moeda e conseqüentemente teríamos uma moeda “mais fraca”, que sofreria mais com a inflação. Embora seja um argumento válido, em um livre mercado, ou em um mercado com um BC que não funcione como emprestador de última instância, dificilmente um banco conseguiria expandir a oferta de moeda além da demanda do público. Como explicado anteriormente, isso, além de levar as reservas a um nível perigosamente baixo, não traria lucros esperados adicionais (supondo que o banco esteja no nível ótimo de reserva).
[15] De qualquer forma, alguns agentes bastante “conservadores” poderiam preferir moedas emitidas por bancos que sigam 100% de reserva. Em um sistema de reserva fracionada nada impediria que bancos que quisessem emitir apenas certificados de moeda o fizessem. Isso apenas mostra a vantagem econômica das reservas fracionadas. Enquanto bancos emissores de certificados podem garantir uma moeda sem “nenhuma possibilidade” de inflação (muito pelo contrário, talvez a moeda tivesse deflação), apenas emitindo certificados lastreados pelo que o público deposita em seus cofres, bancos com reserva fracionada podem oferecer moedas com baixo grau de possibilidade de inflação, mas com alguma possibilidade e em troca desse risco adicional oferecer remuneração sobre depósitos, ou serviços adicionais sem tarifas ou com tarifas mais baixas. Um livre mercado de bancos e moedas acabaria por selecionar a alternativa mais eficiente considerando que o “serviço monetário” dos dois sistemas não são perfeitamente iguais (os riscos envolvidos em um e em outro são diferentes). O meu palpite é que com bancos que administrem corretamente sua moeda, para seu próprio bem, o que levaria a conquista da confiança do público, o sistema 100% de reserva desapareceria completamente (na verdade, eu duvido que voltaria a existir se o mercado bancário e de moedas fosse desregulamentado).
[16] Muitos liberais defendem que entre a moeda estar nas mãos do governo e nas “mãos da natureza” com um padrão ouro (e um sistema 100% de reserva lastreado em ouro), a segunda opção é melhor. Eles estão certos porque, em geral, os políticos têm incentivos errados em relação ao controle da oferta de moeda na economia. Mas não é verdade quando temos incentivos corretos. É muito melhor um banqueiro cujo interesse próprio o faz controlar a quantidade de moeda adequadamente, do que a “natureza cega”. É claro que mesmo em um padrão ouro com reserva 100%, não é tanto a natureza que controla a “política monetária”. Se a deflação do ouro se torna intensa, há incentivos para produção de ouro (através de novas minas, investimentos em novas descobertas e até deslocamento entre setores do ouro existente). E o inverso vale para a inflação. Mas todo esse ajuste consciente do mercado pode ser feito de forma mais suave em um sistema de reserva fracionada, já que a quantidade de ouro (adicional ou não, dependendo se temos inflação ou deflação) necessária para estabilizar os preços é menor. A reserva fracionada, em um mercado livre, possibilita uma estabilidade do nível de preços muito melhor (e conseqüentemente uma melhor previsibilidade) do que um sistema 100% de reserva.
[17] É importante lembrar que, embora seja a previsibilidade do nível de preços a chave da questão de um bom sistema monetário, chave essa reconhecida por uma ampla gama de economista, o nível absoluto da inflação ou da deflação também é relevante. Empiricamente quanto mais altas (em módulo) as deflações e inflações, maior a probabilidade de alterações drásticas e imprevisíveis em preços relativos e isso é extremamente prejudicial para a produtividade da economia. Além disso, taxas mais altas, em nível, também tornam-se mais instáveis, tornando a função da moeda prejudicada; as pessoas passam a não conseguir planejar seus níveis de encaixes ótimos porque não sabem o poder de compra futuro da moeda, elevando o custo das trocas e diminuindo eficiência. Embora, dificilmente um sistema 100% de reserva tenha problemas em relação a níveis absolutos muito altos de inflação ou deflação, certamente ele pode ter quanto à “previsibilidade” do nível de preços, pelo menos maiores problemas que um sistema de reserva fracionada.
Alavancagem
[18] O que talvez mais tenha me motivado a escrever este texto foi o festival de explicações sobre a crise, partidas de liberais, que condenavam o sistema de reserva fracionada, o culpavam pela atual crise e pela “alavancagem além da conta” dos grandes bancos (que, entraram como vilões da história). Se já não bastasse os socialistas atacando os bancos, até liberais que, supostamente teriam um conhecimento bem maior de economia, passaram a fazer criticas que se não eram tão estapafúrdias quanto as dos socialistas, chegaram perto.
[19] Primeiro, é perfeitamente natural que bancos operem “avalancados” – com recursos de terceiros para realização de investimentos. Bancos funcionam como intermediadores. Captam recursos em uma ponta e investem (“repassam”) na outra. Apenas uma pequena parte dos seus ativos é proveniente de capital próprio, justamente pela natureza de intermediação que eles exercem. Isso, ao contrário do que defensores do sistema de 100% de reserva chegaram a afirmar, não vai mudar com o fim da reserva fracionada (pelo menos não mudaria para a imensa maioria dos bancos). Imagine um banco em um sistema 100% de reserva. Ele obviamente não pode se alavancar com recursos provenientes de depósitos à vista (porque precisa mantê-los como reservas). Mas nada impede ele de se alavancar através de outras formas de captação. O banco pode, por exemplo, realizar uma captação com prazo de pagamento definido (ou seja, não é um depósito à vista), no valor de R$1000. Pegar esses R$1000 e comprar opções de compra, que podem virar pó e gerar um prejuízo de R$1000,00 ou um lucro fabuloso. Pode fazer pior, entrar em um swap que o obrigue a pagar determinado valor em várias datas se o dólar cair, mas por outro lado, ele recebe 10x a diferença da alta sobre um principal de R$1000,00. Para aceitar, o outro agente cobra um prêmio de R$1000,00 iniciais. O banco pode ganhar uma fabula (não tem limites de ganho), mas também pode perder outra fabula (incluindo os R$1000 do depositante).
[20] A única diferença no quesito alavancagem, entre um sistema e outro, é que no de 100% de reservas a alavancagem não pode ser feita com os recursos provenientes de depósitos à vista. Mas nem isso significa que em tal sistema a prática será menor. Como a parte de emissão de certificados de moeda muito provavelmente dará um lucro abaixo dos concorrentes de reserva fracionada (se der algum lucro), o banco pode ficar tentado a aumentar o grau de alavancagem com recursos provenientes de outros produtos.
A Questão da legitimidade
[21] Liberais famosos, como Rothbard e Hans-Hermann Hoppe, defenderam que um sistema de reserva fracionada seria fraudulento, pois envolveria o uso sem consentimento de uma propriedade que não é do banqueiro, através de uma mentira chamada “depósitos”. No fundo, o seu dinheiro não fica depositado, ele é usado “sem você saber”. Usando uma analogia simples, seria como você deixar o carro em um estacionamento enquanto vai ao cinema e durante a sessão o funcionário ou dono do estacionamento sai passear com seu carro. No final da sessão, o carro está lá, todo “certinho” para você, mas não foi esse o acordo.
[22] Obviamente tal critica não faz o menor sentido. Em termos teóricos, basta um contrato que diga que o banco vai usar seu dinheiro como lhe melhor parecer (aliás, isso está escrito em alguns contratos que consultei). Se você assina e abre a conta, aceitou a condição. Não há fraude alguma. Mas o principal não está nem aí. Nem tudo que trocamos em um mercado livre necessita de um contrato explicito, por escrito, com assinatura etc..etc.. Quando você se dirige a um restaurante e pede uma “latinha de coca-cola”, está implícito que você quer uma latinha cheia de coca-cola, com coca-cola não vencida e nem adulterada. Não precisou assinar uma papelada especificando todos os detalhes da coca-cola (nem detalhes óbvios como os citados). Bancos funcionam através de reserva fracionada desde tempos imemoriáveis. “Sempre” foi assim. É como a convenção da latinha de coca-cola. Não precisa (ou não precisaria) estar escrito em um contrato de conta corrente que o banco vai movimentar seu dinheiro. Todo mundo sabe que vai. E mesmo que algum desavisado não saiba, a informação é dada prontamente quando perguntada (isso sem contar que pode ser encontrada em vários lugares). Bancos, nos últimos 150, 200 anos, são sinônimos de “reserva fracionada”.
[23] Mais absurda ainda é a critica de que, na verdade, o banco frauda a moeda. A moeda seria ouro e o banco emite um papel que supostamente seria lastreado em ouro, mas não é. Aqui também vale o argumento exposto acima sobre o que é o “conhecimento comum” relevante para o assunto: no presente tema, o que é reserva fracionada. Mas o ponto principal, nesse caso é outro: é uma incompreensão total (e de certa forma, impressionante vindo de certos autores) do que vem a ser moeda. Se eu imprimo um papelzinho e falo que troco aquele papelzinho por uma dada quantia de ouro (inclusive me comprometo legalmente a fazer), primeiro, se o papelzinho passa a ser generalizadamente aceito, ele é moeda como qualquer moeda em ouro. O que eu fiz não foi fraudar nada nem enganar ninguém. Eu só produzi, emiti uma nova moeda. O que gera valor a esses papeizinhos? O mesmo que gera valor ao ouro como moeda; todo mundo acredita que pode ir a qualquer lugar e obter uma determinada quantidade de bens em troca desse papel ou ouro. Não é absolutamente nada a mais que gera valor a uma moeda. É assim com o ouro, é assim com prata, foi assim com cigarro durante as guerras mundiais e é assim com aquelas notas pintadas pelos BCs do mundo. Além disso, eu prometo trocar papeizinhos por ouro, não manter 100% do valor de papaizinhos emitidos em reservas de ouro. Como eu vou conseguir trocar sempre que algum cliente desejar, papel por ouro, não interessa! O acordo não diz a forma que o banco conseguirá isso. O segredo como já foi dito, é que as pessoas confiam que a qualquer momento podem se dirigir ao banco e trocar papeizinhos por ouro, logo elas não vão correndo para o banco resgatar. Elas mantém esses papeizinhos em suas carteiras, usam eles nos seus encaixes, assim o banco dispõe do ouro depositado por um certo tempo p/ realizar investimentos e novos empréstimos. Além disso, os clientes não vão sacar todos ao mesmo tempo.
[24] Resumindo, não há nenhuma fraude por trás do sistema de reserva fracionada. O que há, por parte de socialistas e afins, é o velho preconceito contra o lucro, contra o mérito, contra indivíduos brilhantes que construíram verdadeiros impérios financeiros. Já por parte de alguns liberais, temos a velha mania de jogar a água suja da bacia com o bebê junto: o governo intervém muito no sistema monetário / financeiro e no lugar de criticar o governo, esses liberais preferem criticar os bancos (ai arrumam besteiras como essa da fraude das reservas fracionadas). Criticas como essas fazem tanto sentido quanto criticar o empresário pelo baixo salário do trabalhador, acusando-o de “malvado”, desalmado etc.. Tais criticas, totalmente desfocadas, só geram mais erros que apenas servem de munição aos inimigos do capitalismo e da liberdade."
O artigo é do Sidney Richards, da Rede Liberal, e lá estamos tendo bons debates sobre o tema.
Segue outro artigo com opinião contrária, sustentando que reservas fracionárias são fraude:
http://mises.org/journals/qjae/pdf/qjae1_1_2.pdf
Rodrigo
Tenho debatido isso no Mises Institute, ver o meu post na Causa Liberal
http://blog.causaliberal.net/2010/01/o-debate-intra-austriaco-padrao-ouro.html
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