quarta-feira, fevereiro 09, 2011

A sátira da vida

Rodrigo Constantino

Karl Kraus foi um importante aforista austríaco do século XX, tendo usado sua pena afiada para atacar diversas bandeiras politicamente corretas de seu tempo. Seu caráter inflexível e sua metralhadora giratória de críticas fizeram com que Kraus acumulasse grande número de inimigos ao longo de sua vida. As páginas de sua revista Die Fackel (“A Tocha”) denunciavam com extrema virulência inúmeros hábitos da época, culpando muitas vezes a imprensa por isso.

Sua sátira beira muitas vezes à misantropia, traçando uma linha tênue entre ela e o combate à hipocrisia do mundo. Como a ditadura do politicamente correto nunca esteve tão forte como hoje, creio que seja saudável um antídoto como Kraus para despertar reflexões interessantes. A seguir, pode-se ter idéia de algumas de suas ótimas tiradas, que selecionei em seu livro Aforismos:

“É considerado normal santificar a virgindade em geral e ansiar pela sua destruição em particular.”

“Em relação às mulheres, a ordem social nos deixa apenas a alternativa de sermos mendigos ou ladrões.”

“Primeiro se proteger das crianças, depois protegê-las!”

“O cristianismo enriqueceu o banquete erótico com o antepasto da curiosidade e o arruinou com a sobremesa do arrependimento.”

“Nada é mais tacanho do que o chauvinismo ou o ódio racial. Para mim, todos os seres humanos são iguais; há idiotas em toda parte e tenho o mesmo desprezo por todos. Nada de preconceitos mesquinhos!”

“Muitos têm o desejo de me matar. Muitos, o desejo de ter dois dedos de prosa comigo. Daqueles a lei me protege.”

“A força mais enérgica não chega perto da energia com que alguns defendem suas fraquezas.”

“O mundo é uma prisão em que é preferível a solitária.”

“O segredo do agitador consiste em parecer tão idiota quanto seus ouvintes, de modo que eles acreditem ser tão inteligentes quanto ele.”

“O psiquiatra sempre reconhece os loucos pelo fato de exibirem um comportamento agitado após a internação.”

“Que a palavra escrita seja a corporificação naturalmente necessária de um pensamento, e não o invólucro socialmente aceitável de uma opinião.”

“Há escritores que já conseguem dizer em vinte páginas aquilo para o que às vezes preciso de até duas linhas.”

“Um agitador toma a palavra. O artista é tomado por ela.”

“Por que muitos escrevem? Porque não têm caráter suficiente para não escrever.”

“Que são todas as orgias de Baco comparadas à embriaguez daquele que se entrega sem freio à abstinência?”

“Pai, perdoa-lhes, porque sabem o que fazem!”

“Eu e meu público nos entendemos muito bem: ele não ouve o que digo e eu não digo o que ele gostaria de ouvir.”

“Refreia as tuas paixões, mas toma cuidado para não dar rédeas soltas à tua razão.”

“A seriedade da vida é a brincadeira do adulto. Só que ela não se deixa comparar com as coisas razoáveis que enchem um quarto de criança.”

“O nacionalismo é um turbilhão em que qualquer outro pensamento desaparece.”

“O Diabo é um otimista se acredita que pode tornar os seres humanos piores.”

“Uma aparência de profundidade surge com freqüência pelo fato de uma cabeça rasa ser ao mesmo tempo uma cabeça confusa.”

“Uma das doenças mais disseminadas é a diagnose.”

“O tormento não me deixa escolha? Bem, eu escolho o tormento.”

“Muitos talentos conservam sua precocidade até idade avançada.”

“O desenvolvimento técnico deixará apenas um problema: a caducidade da natureza humana.”

“Os doentes são a maioria. Mas só poucos sabem que podem se gabar disso. Esses são os psicanalistas.”

“O mal nunca prospera melhor do que quando há um ideal à sua frente.”

“A diplomacia é um jogo de xadrez em que os povos são colocados em xeque.”

“Preciso estar outra vez entre seres humanos. Pois nesse verão, em meio às abelhas e aos dentes-de-leão, minha misantropia degenerou gravemente.”

Um comentário:

Phillip Grillo disse...

Eu realmente não tenho qualquer problema com o políticamente correto. Minha concentração real é no moralmente correto, geralmente.