terça-feira, julho 26, 2011

Um suíço no Brasil

Rodrigo Constantino, O GLOBO

“O que me preocupa não é o grito dos maus; é o silêncio dos bons.” (Martin Luther King Jr.)

Diz-se que um sapo jogado num recipiente fervendo pula e sobrevive, mas, se a temperatura da água subir gradualmente, ele permanece até se esturricar. Por pena do batráquio, nunca fiz o teste. Mas, aceitando sua veracidade, o brasileiro parece um sapo escaldado: acostumou-se a ser cozinhado lentamente sem reagir.
Se um suíço caísse de paraquedas por aqui e olhasse em volta, ficaria horrorizado. Imaginem uma conversa de bar entre um suíço que acaba de chegar ao país e um típico brasileiro:
– Seu país é muito belo. Mas que sufoco aquele aeroporto, não? Sem falar das estradas. O que acontece?
– É que falta dinheiro para o governo.
– Mesmo arrecadando quase 40% do PIB em impostos?
– O governo tem outras prioridades: o trem-bala, a construção de Belo Monte, os subsídios do BNDES para grandes empresas e estádios de futebol. Por isso que a Infraero, estatal que controla os aeroportos, não investe o suficiente.
– E o governo vai gastar bilhões com coisas supérfluas enquanto a infraestrutura do país encontra-se em frangalhos? Se a Infraero é incapaz de atender a demanda, por que ela não é privatizada?
– A presidente até sinalizou nesta direção. Mas é que este governo sempre condenou as privatizações. Os petistas acreditam num Estado-empresário, locomotiva do progresso.
– Em pleno século 21? Que coisa! Mudando de assunto, notei que a imprensa mostra diariamente inúmeros escândalos de corrupção. As cadeias devem estar repletas de políticos, certo?
– Que eu saiba, não há político algum preso.
– Nem aqueles “mensaleiros”? Mas eu vi que um poderoso ex-ministro foi acusado de “chefe de quadrilha”. Ele continua solto?
– Nem foi julgado ainda.
– Mas o “mensalão” não foi em 2005?
– Pois é.
– Que absurdo! Na Suíça ele estaria cumprindo pena há anos! Isso é a “banalização do mal”. Será que crime e impunidade são vistos como coisas normais por aqui?
– Todos fazem mesmo. Além disso, nós precisamos é de mais “justiça social”.
– Isso é muito perigoso! É o “ovo da serpente” quando a população fica complacente com o crime e não responsabiliza o indivíduo por seus atos. Mas vi que o povo ainda tem alguma capacidade de mobilização. Não tiveram marchas populares recentemente?
– Sim. Marcha das vadias, dos gays e pela legalização da maconha.
– Quer dizer então que a criminalidade ocorre à luz do dia, a impunidade é total, a infraestrutura está podre mesmo com impostos abusivos, e o povo vai às ruas pelas vadias, gays e maconha? Nada contra estas causas em si. Mas não te parece um despautério?
– Pode ser.
– Vocês não conseguem mais se indignar? Perderam as esperanças? Lembre-se: basta que as pessoas de bem nada façam para o mal triunfar. O preço da liberdade é a eterna vigilância. Uma sociedade de cordeiros desarmados terá sempre um governo de lobos. Vocês estão brincando com fogo!
– Mas nós temos o carnaval, o futebol e a praia.
– Desde os romanos sabemos dos riscos do “pão e circo”. Escravos miseráveis tinham o Coliseu para se manterem entretidos e, com isso, ignorar os abusos dos governantes. Mudando radicalmente de assunto: explica essas tomadas que vi pelo país todo, e que não tem em nenhum outro lugar do mundo.
– O governo decidiu um padrão novo de tomada e é obrigatório para todos, por questão de segurança.
– O governo escolhe até as tomadas? Segurança não há, porque notei que muitos usam adaptadores vagabundos. Aliás, é espantoso o grau de intervenção do governo central no Brasil. Nunca ouviram falar no federalismo?
– Vagamente.
– São aqueles cantões que decidem as coisas públicas de forma bem descentralizada e próxima do cidadão.
– Este modelo de vocês pode até funcionar melhor, mas não tem o “calor humano” brasileiro.
– Nós somos uma nação meio “fria” mesmo. Não temos o “jeitinho” e a malandragem dos brasileiros. Em compensação, temos uma renda per capita acima de 40 mil dólares, baixa criminalidade, corrupção quase inexistente, inflação praticamente nula, elevada expectativa de vida e ótimos indicadores sociais. Sem falar do respeito às liberdades individuais e à propriedade privada. Para quem busca fortes emoções, a Suíça não é o local mais adequado. Talvez o Iraque, a Venezuela ou o Brasil. Já para quem busca tranqüilidade, paz, liberdade e prosperidade...
– Mas quem precisa disso tudo quando se têm as Olimpíadas e a Copa do Mundo? Eu tenho orgulho de ser brasileiro!
Nisso, entrou um sujeito no bar e gritou:
– Mãos ao alto que isso é um assalto!
“Haja emoção”, pensou o suíço.

13 comentários:

Ponta das Canas disse...

Como afirmou um grande pensador:

"A democracia encontra grandes dificuldades para se aclimatar em países arredios, por tradição e cultura, a aceitar a pobre realidade, o caminho medíocre do gradualismo, do possível, da troca e do compromisso, da coexistência na diversidade. Isso dá certo certo para os suíços, frios, tão pragmáticos e realistas, não para nós, sonhadores absolutistas, intransigentes revolucionários, amantes da irrealidade e dos terremotos sociais."

Fonte(s) Sabres e Utopias

Slayer Whek disse...

Rodrigo, pretende fazer um vídeo sobre Anders Behring Breivik?

samuel disse...

"...Isso dá certo certo para os suíços, frios, tão pragmáticos e realistas,..." DIGAMOS, APENAS MADUROS, que atingiram a idade da racionalidade.
"...não para nós, sonhadores absolutistas, intransigentes revolucionários, amantes da irrealidade e dos terremotos sociais ..." DIGAMOS, APENAS INFANTIS. Essa a diferença: SECULOS DE SOFRIMENTO E APRENDIZADO E ... DE CIVILIZAÇÃO

Andrade disse...

Ótimo o seu comentário hj no Globo...o povo como sempre está anestesiado diante de um Estado corrupto que mais parece o estamento português dos seculos passados que ao atuar como empresário ocupa o lugar da iniciativa privada. Enquanto isso o povo quer saber de mais concursos públicos e auxílos do governo.

Anônimo disse...

Essa conversa de que o europeu é 'frio' como se isso fosse um defeito parece mais uma forma de tentar dar um tom positivo pra irresponsabilidade, vagabundagem e a tosquice do povo brasileiro

Marcus Borelli disse...

Parabéns Rodrigo pelo ótimo texto mas como alguém que estuda a Astrologia desde 1988 posso te dizer que este governo não passa de agosto. Isto é só uma tendência, não uma certeza. Abraço.

Paride disse...

Parabéns Rodrigo!

Eu publiquei o seu artigo traduzido em italiano no meu blog:
www.paridevallarelli.com

Brasil e Itália têm muitas semelhanças sobre a corrupção e ineficiência do estado.

André N. disse...

Adoro seus texto Rodrigo, mas você esqueceu de mencionar que a Suiça é um dos principais centros internacionais de lavagem de dinheiro oriunda do Crime e da corrupção..
Se não existisse país corrupto e criminosos como o Brasil. O que seria desse "glorioso e perfeito país"?
Acho que deu aminésia no "perplexo Suíço"....

Phillip Grillo disse...

Seria a hora de organizarmos um clamor público por privatizações?

Gustavo disse...

Por curiosidade, a historia do sapo na agua quente eh lenda, ele vai sair da agua de qualquer maneira.

PS: Eu nao fiz a experiencia, mas tem em diversos sites de mythbusters.

Anônimo disse...

Rodrigo,

É hora de comprar dólar, muito dólar??

Leonardo Rocha disse...

Rodrigo, você está cada vez mais criativo. Parabéns!

Anônimo disse...

Eu também conheço uma hstória de "um suíço no Brasil", na verdade é uma poderosa multinacional de alimentos cuja sede é na Suíça, a famigerada Nestlé, e seus crimes em São Lourenço-MG, os quais a grande mídia omite. Digite no Google "Os crimes da Nestlé em São Lourenço".