quinta-feira, agosto 25, 2011

Amy Winehouse, Tio Patinhas e o senhor Mercado

Rodrigo Constantino, VALOR ECONÔMICO

Prezado leitor, não pense que perdi o juízo por conta da volatilidade dos mercados. Peço um pouco de paciência para tentar explicar a conexão entre os personagens do título.

À primeira vista, pode parecer confuso misturar uma cantora recentemente falecida, um pato de desenho animado e uma abstração dos principais agentes que atuam no mercado financeiro. Mas juro que há uma lógica na comparação.

Comecemos por Winehouse. Como o nome ironicamente já diz, ela curtia elevadas doses de álcool e outras drogas mais. No começo, seus vexames eram compensados pelo excelente desempenho nos palcos. Com o passar do tempo, o vício foi aumentando até o ponto de impedi-la de cantar. Confrontada com essa realidade, Amy não só rejeitou um tratamento mais intensivo, como chegou a escrever uma música enaltecendo sua decisão. Reabilitação? Não, não e não! Ela quis o vício. Acabou morta.

Passemos agora ao pato avarento da Disney. Todos conhecem a ambição desmedida do Tio Patinhas pelo acúmulo de moedas de ouro. O que nem todos sabem é que ela expressa certa desconfiança em relação à moeda fiduciária. Em um dos episódios, os sobrinhos de Tio Patinhas descobrem uma máquina que faz replicar qualquer coisa. Claro que os três pestinhas logo pensam em multiplicar o dinheiro.

Tio Patinhas só descobre a façanha quando os sobrinhos já gastaram uma fortuna. Ele dá então uma verdadeira aula de economia básica. Explica que não é certo aumentar dinheiro dessa forma, sem lastro, pois o único efeito será mais inflação. Os outros, sem acesso a essa máquina maravilhosa, terão que arcar com os custos do enriquecimento artificial deles. Em suma, aquilo era pura fraude!

E aqui chegamos ao Sr. Mercado. Como já sabia Benjamin Graham, o Sr. Mercado não passa de um bipolar com foco totalmente voltado ao curto prazo. A palavra "estímulo" é capaz de fazer o Sr. Mercado entrar numa fase de euforia totalmente irracional. Já o risco de uma recessão, ainda que temporária para limpar excessos do organismo, joga o Sr. Mercado em profunda depressão. Parece que o mundo vai acabar.

Chegamos ao ponto de encontro dos três personagens: Jackson Hole. Há um ano, foi neste aguardado evento, repleto de figurões do mercado financeiro e autoridades políticas, que a nova fase de euforia do Sr. Mercado teve início. Bernanke sinalizava sua segunda rodada de estímulos, o QE2. As bolsas dispararam, assim como as commodities. O salvador dos mercados entrava em jogo uma vez mais, com nova rodada de liquidez.

A analogia com o álcool não é nova. Benjamin Strong costumava dizer que daria mais uma dose de uísque para animar o mercado. E como ele gosta do malte! Para um bêbado, nada melhor no curto prazo do que mais uma rodada grátis. O problema é depois, quando a ressaca aumenta. A dose necessária para manter a euforia artificial é cada vez maior. Até o dia em que o organismo não aguenta mais.

Os investidores estão divididos quanto ao comunicado de Bernanke amanhã. Muitos acham que não há mais espaço para um QE3. A inflação não é mais tão baixa quanto era ano passado, e os estímulos também são reféns da lei dos retornos decrescentes. Um QE3 do mesmo montante do QE2 sem dúvida produziria efeito menor, lembrando que a alta do S&P 500 no período foi quase toda eliminada e a economia ameaça entrar em recessão novamente.

Os estímulos fizeram apenas com que centenas de bilhões de dólares ficassem empossados no próprio Fed, sem gerar resultado positivo no crescimento econômico. Tanta injeção de liquidez pariu novas bolhas, desta vez nos títulos do Tesouro americano e no ouro. Tio Patinhas, afinal, estava certo. A "relíquia bárbara", como Keynes gostava de chamar o metal, chegou a quase US$ 1.900, uma alta expressiva no ano.

Enquanto o Fed vai brincando de usar a máquina mágica de multiplicar dinheiro, os investidores de longo prazo ficam com medo e correm para o ouro, cuja oferta não pode ser manipulada. Por isso, acredito que seria absurdamente irresponsável o anúncio de um QE3 na sexta. Claro que, de Bernanke, podemos esperar qualquer coisa. Mas penso que algum lapso de bom senso ele terá desta vez. Provavelmente, ele irá apenas deixar a porta aberta, alegando que ainda tem munição se for preciso.

Fora isso, o Fed já declarou que as taxas de juros ficarão inalteradas até meados de 2013. Não acho que existem muitos outros coelhos na cartola. Se o Sr. Mercado está animado apenas com base na possibilidade de nova rodada de uísque, é melhor se preparar para um pequeno choque de abstinência. Melhor assim. Lembremos de Amy Winehouse.

Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital

8 comentários:

rafernandes disse...

Rodrigo,

Irretocável!

Sergio Oliveira Jr. disse...

Mandou bem! É realmente assustador constatar que tanto estímulo não serviu para nada. O problema é que vai ter sempre gente falando que se não fosse por esses estímulos a situacão estaria ainda pior. Poderíamos afirmar que o governo deve então tentar amortecer a queda mas sem qualquer pretencao de estimular a economia?

Francisco disse...

A economia às vezes necessita daquele tipo de tratamento "casca grossa" muito bem ilustrado em "O Homem do Braço de Ouro", com Frank Sinatra. Fecha o viciado num quarto e deixa ele "pirar". Quando sai, sai curado.

samuel disse...

O mercado financeiro, o financialismo, não está mais sintonizado com o mundo real, o mundo da produção. É uma festa em separado ...

Anônimo disse...

Olhe o video do keynes vs Mises round two no Youtube:

Fight of the Century: Keynes vs. Hayek Round Two Legendado Portugues

http://www.youtube.com/watch?v=vumOro6Ygi0&feature=related

alexandre disse...

Sem confiança não adianta estímulo monetário. Será mais dinheiro para as commodities, para o ouro e outras moedas de países emergentes. Ou seja, novas bolhas. O problema é que o mercado está esperando esse estímulo. A manchete do G1 diz tudo : "bovespa a espera de jackson hole". E se não tiver estímulo ?

Anônimo disse...

Que revista é essa em que o Tio Patinhas fala isso?
E por falar em Tio Patinhas, qual era mesmo aquele livro infantil que ensinava as crianças algumas idéias da escola austríaca?
Obrigado

Rodrigo Constantino disse...

Segue um trecho do episódio, editado pelo Mises Institute:

http://www.youtube.com/watch?v=t_LWQQrpSc4