sábado, agosto 27, 2011

Solidão coletiva


Rodrigo Constantino

"Um paciente chegou no consultório médico e disse: - Doutor, não levanto a cabeça, não falo com ninguém, quando falam comigo não presto atenção, pareço um idiota. O que eu tenho, doutor? Um Blackberry, respondeu o médico”. Toda piada tem um fundo de verdade, como dizem. Neste caso, ela é a mais pura verdade. As aceleradas mudanças tecnológicas estão produzindo grandes mudanças sociais também. Aonde isso vai parar, ninguém sabe ainda.

Preocupada com tendências desta natureza, a especialista do MIT, Sherry Turkle, reuniu no livro Alone Together décadas de experiência no estudo do impacto social da tecnologia. Como o subtítulo já diz, ela tenta responder porque esperamos mais da tecnologia e menos de cada um. Na primeira parte do livro, o foco é voltado para os robôs sociais, e como isso afeta os seres humanos. Na segunda parte, ela trata das redes sociais, da conectividade ininterrupta e de como estamos perdendo intimidade com isso. Em resumo, o mundo estaria cada vez mais habitado por pessoas interligadas sempre, mas mais solitárias ainda.

Antes de dar prosseguimento aos principais pontos da autora, gostaria de destacar que é típico dos homens desconfiar de avanços tecnológicos. Como já sabia o filósofo David Hume, "o hábito de culpar o presente e admirar o passado está profundamente arraigado na natureza humana". O desconhecido assusta. Dito isso, creio que existem mudanças que realmente despertam apreensão legítima, as quais compartilho com Turkle. Estarmos atentos a estes riscos é um passo importante para mitigar os problemas que inevitavelmente irão surgir com os novos hábitos.

Muitos encaram computadores e aparelhos tecnológicos como simples ferramentas, mas ignoram que os seres humanos muitas vezes são moldados por tais ferramentas. No mundo moderno, o medo da decepção nos relacionamentos com outros seres humanos, que sempre existiu, encontrou uma poderosa válvula de escape nos robôs e redes sociais. Esta fuga não se dá sem custos. Alguns já começam a tratar as máquinas como se tivessem qualidades humanas, e os humanos como se fossem objetos descartáveis. A vida virtual deixa de ser uma simples fuga temporária das agruras da vida real, para se transformar na própria vida principal do indivíduo. Ficamos menos humanos neste processo.

Nós somos seres vulneráveis, solitários e com medo da intimidade. As conexões digitais oferecem a ilusão de companhia, sem as demandas da amizade. As pessoas se tornam descartáveis. Todos “curtem” a “felicidade” alheia. A autenticidade é substituída por avatares, por perfis irreais que criamos para evitar nossas imperfeições reais. A tensão presente no encontro pessoal dá lugar à blindagem da tela do computador ou à garantia de que um robô jamais irá nos trair. Pessoas são arriscadas; robôs ou amigos virtuais são seguros. Mas esta é uma falsa segurança, que existe apenas com o preço de anular qualquer relação realmente humana.

Assim como Turkle, eu consigo enxergar o lado positivo das mudanças. Podemos encontrar e manter contato com velhos amigos, famílias separadas geograficamente podem ficar conectadas mais facilmente, a recreação comedida é saudável, temos mais acesso a informação, comércio, etc. Mas nem por isso devemos fechar os olhos para o lado negativo. Ele existe. Infelizmente, muitos descartam os alertas como mera nostalgia ou algum impulso retrógrado, como no caso dos ludistas na Revolução Industrial. Creio ser um engano agir assim. Alguns efeitos negativos não devem ser menosprezados de forma alguma, em minha opinião.

A primeira parte do livro, que lida com os robôs sociais, ainda parece distante da realidade brasileira. Alguns insights, todavia, são importantes. Afinal, é o que nos espera. No Japão, idosos já estão sendo cuidados por robôs, e crianças também desfrutam de babás robôs. Turkle realizou inúmeras experiências e relata várias delas no livro. Um dos riscos principais, segundo ela, é que o relacionamento com robôs não ensina estas crianças nada sobre a alteridade, sobre a habilidade de tentar ver o mundo pela ótica do outro. Sem isso, não é possível ter empatia genuína.

O relacionamento com um robô é totalmente egocêntrico. Acostumada com esta relação “sem riscos”, sem as demandas da amizade verdadeira, a criança pode se tornar inapta para a vida em sociedade, optando pela reclusão em seu mundo fechado. O que elas pedem dos robôs é aquilo que elas sentem falta, como carinho e atenção. Mas eles jamais podem oferecer tais coisas de forma verdadeira. Uma máquina tratada como um amigo é algo que anula qualquer sentido tradicional do conceito de amizade. A máquina sempre será indiferente a nossos sentimentos, por mais que seu desempenho nos convença do contrário.

Na segunda parte do livro, os brasileiros já poderão se identificar com muito mais facilidade. Afinal, somos recordistas nas redes sociais. Turkle argumenta que nos apresentamos como pessoas diferentes daquelas que realmente somos, normalmente uma fantasia daquilo que gostaríamos de ser. Um tipo de relacionamento incerto surge, concomitantemente ao risco de tratarmos os outros como objetos descartáveis, que existem apenas para nossa diversão temporária ou conforto. Todos querem centenas de “amigos” em seu perfil, curtindo cada passo de suas “vidas”. Tudo absolutamente superficial.

Com a incessante conectividade, as pessoas acabam ficando sozinhas como precondição para estarem juntas, pois é mais fácil se comunicar estando focado, sem interrupção, quando o local de encontro é a tela do aparelho. Seja na praça pública, na estação de trem ou no metrô, cada um mantém suas conversas partindo da premissa de que as demais pessoas são não apenas anônimas, mas ausentes. As pessoas ficam ansiosas quando não estão conectadas ou quando aguardam um próximo email ou comentário no Twitter ou Facebook. Ninguém mais suporta a solidão e a espera.

A vida nas redes sociais deixa de ser uma fuga esporádica para se transformar na melhor coisa da vida. Todo o resto pode ser ignorado ou “pausado” para responder uma nova mensagem. Muitos deixam de viver aquele momento de forma genuína, pensando apenas em postar as fotos do evento na rede, ou fazer algum comentário no Twitter. Vive-se para os outros, pelas aparências, pela quantidade de gente que vai “curtir” sua experiência, e não mais pela própria experiência em si. Alguns acabam viciados na hiperatividade em rede, na adoção de diversas tarefas simultâneas, como se isto fosse sinônimo de produtividade. Na verdade, estão se enganando, fazendo tudo de forma incompleta, pois precisam da sensação de hiperatividade.

Outro problema que costuma emergir dos novos hábitos é a superficialidade das trocas de mensagens. Como cada um recebe centenas diariamente, e criou-se o hábito de responder a quase todas, as mensagens precisam ser extremamente simples. A comunicação deve ser instantânea, o que é incompatível com problemas complexos. Além disso, esta postura encoraja o desapego às pessoas. Como temos que responder a centenas de mensagens, naturalmente despersonalizamos cada uma delas.

De forma similar, quando temos centenas de “amigos” no Facebook, acabamos tratando indivíduos como uma unidade. Amigos se tornam fãs. Eles se transformam em algo próximo de objetos. Buscamos compaixão, mas na “intimidade” online encontramos com freqüência a crueldade de estranhos. Estamos todos juntos, mas sozinhos. Uma solidão coletiva.

13 comentários:

Guzz disse...

excelente post, muito bem analisado.

Me fez lembrar um filme/documentario que deve estreiar a pouco da Tiffany Shlain, Connected ( segue o trailer http://youtu.be/eQmoRIVJnzQ )

Aline disse...

Constantino, de qual referência você extraiu essa citação de Hume?

Cervantes disse...

É o mesmo que falar que as pessoas ficaram mais afastadas depois da popularização do correio.

Posso até viver num ambiente fora do padrão moderno. Não vejo as pessoas se tornando mais solitarias, muito pelo contrario.

Anônimo disse...

Uma experiência pessoal.

Há cerca de oito anos, estava separado e comecei a frequentar salas de bate-papo, quando me habituei a teclar em salas de sexo virtual. Desenvolvi uma técnica de conversação sexual que cativava as parceiras e era uma masturbação cerrada por parte delas e de minha parte. Passei a usar também o telefone, ora por minha conta, ora por conta delas (preferia me relacionar com mulheres do sudeste - sou do nordeste), e ficávamos horas falando sacanagem e nos masturbando. Algumas malucas quiseram vir ao meu Estado para me conhecerem fisicamente, mas eu tinha receio e não permitia.

Com o passar do tempo conheci uma paulista casada e ficávamos juntos na rede e pelo tel. Apaixonei-me por ela e me mordia de ciúme quando percebia que ela estava se comunicando com outros caras (detalhe:não sentia ciúme do marido).

Pouco depois conheci outra paulista, solteira, e passei a me relacionar com as duas. Houve até briga virtual entre elas. Quando me separava de uma me consolava com a outra. Fiquei por mais de um ano nessa história de bigamia virtual. Uma curiosidade é que só tinha foto da casada e ela de mim. Da outra, não tinha nada a não ser os textos e a voz pelo tel (ela custou a me fornecer o tel).

A solteira me deixou e a casada, depois de alguns meses, me traiu com um ex-namorado virtual com quem se relacionou antes de me conhecer. Era um bobão romântico, enquanto que eu fazia a linha "sedutor" (detalhe: na relação física, nunca fui bom sedutor, apesar de me dar sempre bem na cama e namorar duradouramente, mas com poucas mulheres).

Fiquei arrasado com a traição e a solidão virtual, sentimento que me fez mal até no trabalho. Eu contava o ocorrido e as pessoas ficavam me achando meio louco, creio.

Algum tempo depois, por acaso reencontrei a solteira, que então se relacionava esporadicamente com um estrangeiro. Passamos a nos encontrar como amigos e, em pouco tempo, já estávamos novamente namorando. Ficamos assim por mais um ano, mais ou menos, e resolvemos nos conhecer fisicamente. Ela mandou fotos suas e eu enviei pela net fotos minhas. Fui a SP com a cara e a coragem conhecê-la e tudo deu certo também fisicamente. Ia na cidade dela sempre para vê-la. Até que decidimos ficar juntos no meu Estado. Agora moramos juntos no nordeste há mais de cinco anos e nos damos super bem.

Uma coisa que observei nessa experiência é que a chamada relação amorosa virtual não difere em nada da relação amorosa física em matéria de prazer erótico e sentimento de paixão e amor. Apenas a coisa se dá por outros órgãos dos sentidos. Eu ficava super-excitado com o texto da parceira, mesmo não sabendo como ela era fisicamente e sentia um baita ciúme quando a via se dirigindo a outros homens. Chegava a ficar fiscalizando os passos virtuais dela. Era uma loucura.

Por tudo isso, não gosto quando alguém se refere à relação virtual contrapondo-a à relação real. A relação virtual, embora não seja física, é tão real quanto esta última em termos de sensações e sentimentos. Eu posso garantir que é assim.

Anônimo disse...

Rodrigo, tu é um chorão.Reclama do governo, reclama do pt, reclama da internet, em vez de gastar teu tempo procurando por soluções.
As pessoas são como são, não como tu quer que elas sejam.

Tom Srobolls disse...

Li o texto e achei perfeito. Apesar de ele ressaltar os aspectos negativos da hiperconectividade atual, como fã de Star Wars, acho que esse é o "lado mau da força", rs. Após ler o texto tive que fazer uma reflexão do quanto a evolução tecnológica faz parte da minha vida hoje e até que ponto sou dependente dela. Sou um amante da tecnologia. Não que eu a utilize assiduamente, mas gosto do fato de estar tudo funcionando, conectado. Nessa breve reflexão que fiz uma pergunta veio à tona: Qual a essência das coisas e se ela está aliada ao avanço tecnológico. Bom, deixa eu explicar. Desde que o mundo é mundo, valores como integridade, honestidade, hombridade, caráter e outros mais são os mesmos. Um cara honesto hoje provavelmente tem as mesmas atitudes do que um cara honesto de cem anos atrás. O que eu vejo hoje é que o acesso à informação é tão facilitado e as coisas acontecem tão rápido, que a essência é cada vez mais superficial. Hoje você tem 500 amigos no Facebook mas não é capaz de manter um diálogo cara a cara por 5 min. Costumo brincar com amigos dizendo que o Facebook coloca a Disneylândia no chinelo. Meu amigo, se você não gosta da sua vida e está começando a ficar deprimido, NÃO ACESSE O FACEBOOK, porque lá você vai ver que no mundo só tem gente feliz, que sua vida está uma mer@#$% mesmo e você vai acabar pulando da ponte, hehe. E o quão ligado à essência das coisas está isso? Como o comentário do amigo quando descreveu o relacionamento via internet, acredito sim que possa ser verdade, pois apesar de virtual, os sentimentos dele eram reais, conectados a uma essência. A maioria das coisas que vejo hoje na internet são superficiais e acabam por mascarar uma realidade que ninguém quer encarar. Bom, um monte de idéias ferve na minha cabeça aqui agora, mas fico por aqui e espero que o comentário gere discussões produtivas, pois em minha opinião o assunto é sério!Abraço a todos!

Bruno Leão disse...

Interessante o relato do anônimo acima. Não imaginava que o relacionamento virtual poderia ser tão próximo assim da realidade...

Anônimo disse...

Ao Bruno Leão:

Sou o anônimo do relato pessoal acima.

O virtual, quando compartilhado por pessoas reais, é real. É como uma relação por correspondência em tempo real. Por isto digo que não há, neste caso, oposição entre o real e o virtual. Só não há o contato físico. Virtual em oposição ao real seria o relacionamento de alguém com um programa de computador, com um robô ou coisa do gênero.

Outra particularidade do relacionamento amoroso virtual, quando duradouro, é que as paessoas envolvidas, ao se conhecerem fisicamente, já sabem o que se passa na cabeça uma da outra, quais são as fantasias, etc. Inverte-se o processo do conhecimento inter-pessoal: primeiro se conhece por dentro e depois, por fora.

Rodrigo Constantino disse...

Não acho que o conhecimento dos "fantasmas" seja tão verdadeiro na net. Eis o ponto: as pessoas criam versões de si mesmas, muitas vezes idealizadas, que não correspodem à realidade. É muito mais fácil ser corajoso na net, ser sincero, ser desinibido, pedir desculpas, enfim, TUDO é muito mais fácil sem estar cara a cara, com linguagem corporal (que é muito importante, como um olhar que diz muito, uma voz).

Eu não acho que o mundo virtual seja parecido com o real. E quem pensa assim precisa acessar menos a rede e sair mais para ter contato com pessoas de carne e osso.

Maristela Simonin disse...

Excelente o seu artigo, Rodrigo. Vc me deixou tão interessada no livro que já encomendei um. Obrigada pela dica e um abraço. (Raramente faço comentários mas acompanho com interesse seus artigos, sempre muito inteligentes).

Anônimo disse...

Rodrigo,

Sou o do relato.


Discordo totalmente de você pela generalização. Realmente, há muita mentira na net sob o manto do anonimato, mas também há muita gente verdadeira a fim de outras formas de emoção. Quando as relações, sejam de amizade ou amorosas, se tornam mais duradouras, as pessoas se abrem mais e se tornam mais autênticas com as outras.

E não há mal algum no veículo desinibir as pessoas, principalmente para a paquera ou a troca de fantasias sexuais. Pelo contrário, é uma boa ferramenta para os mais tímidos se abrirem e desenvolverem poteciais que não conseguiriam desenvolver no cara-a-cara. Eu, por exemplo, me tornei menos tímido no cara-a-cara após a experiência da net, pois passei a conhecer melhor a cabeça feminina nas questões sexuais.

Como eu teclei numa época em que pouco se usava webcam, aprendi algumas dicas:

- Não querer conhecer logo fisicamente a pessoa com quem se começa a se relacionar. Primeiro, pelo risco à segurança que isso representa; em segundo lugar, para curtir mais a troca de conhecimentos e fantasias virtualmente.

- Não mentir sobre a aparência física, ou, melhor ainda, dizer-se mais feio do se é realmente, pra causar uma ótima impressão no encontro físico. Esta é boa, né? rs

Tem gente que mente se dizendo muito bonito e, quando parte para o conhecimento físico, acaba broxando o parceiro. Quem faz isso é burro, a menos que só queira no virtual mesmo.

Abraços.

Anônimo disse...

Nos contatos físicos as pessoas também mentem, enganam, contam vantagens irreais, atraem para armadilhas e por aí vai. A única coisa que não podem fazer é mentir sobre o visual. No mais, é tudo igual.

Tom Srobools disse...

Anônimo, seu ponto de vista é bom e válido. No entanto, vejo a internet como uma ferramenta de apoio, como um meio principal. Por exemplo, eu encorajaria uma pessoa primeiramente a ter um relacionamento cara a cara, e depois, ela faria sua escolha. Nunca a mandaria diretamente para um computador e lhe daria dicas de como paquerar. Como eu disse, acho válido, acredito que aconteça, mas como um segundo plano (que pode até virar primeiro, mas depois de a pessoa ter vivido experiências cara a cara).
Felicidades pra vc!