quarta-feira, agosto 17, 2011

Celebre a vida!

Rodrigo Constantino

Intenso e profundamente angustiante. Assim é o novo filme do polêmico Lars Von Trier, ˜Melancholia”. Impossível ficar indiferente diante das cenas do filme, de suas mensagens carregadas de sentido filosófico.

Como em toda boa obra, existem várias interpretações possíveis para o que o autor quis realmente dizer. Melancholia é um planeta que vai colidir com a Terra e destruí-la. Justine é uma mulher melancólica, incapaz de ser feliz, que sorri com extrema dificuldade em seu próprio casamento. Ela não suporta a hipocrisia dos ritos sociais, a “obrigação” de parecer feliz (e quem pode negar que vivemos na era da “tirania da felicidade”, onde Prozac parece solução para qualquer angústia?).

Já Claire, sua irmã, adaptou-se bem a todos os roteiros esperados pela sociedade. Casada com um homem rico e bonito, mãe dedicada, anfitriã perfeita. Enfim, fiel a todo script padrão (ainda que de poucos sorrisos espontâneos e sinceros). Tratam-se de duas visões de mundo bastante distintas, dois estados de espírito opostos.

Na primeira parte do filme, com foco em Justine, temos a visão negativa da melancolia, com Claire visivelmente por cima. Mas na segunda parte, com a aproximação do planeta, vemos o crescente desespero de Claire, que tem seus pilares frágeis destroçados pela inevitável realidade. Ela busca conforto na ciência, mas esta parece incapaz de alterar os fatos. Seu marido, o otimista que tenta alimentar a esperança evitando qualquer pensamento negativo, é o primeiro a fugir da vida quando a Melancholia se aproxima. Quão rápido a coragem se transforma em covardia!

Aqui faço uma breve pausa para falar do pai delas. Sempre irônico, brincalhão e risonho, ele chama todas as mulheres de Betty. Inclusive Justine, no curto bilhete que deixa justificando sua ausência, após o pedido insistente dela para que ele ficasse até o dia seguinte (um grito de socorro ao Pai, talvez?). O pai foi incapaz de oferecer consolo à filha. Ela era indiferente a seus olhos. Apenas mais uma Betty.

Volto ao ponto central. Faz sentido alimentar falsas esperanças, uma vez que a destruição é inevitável? Ou será que a postura melancólica de Justine é a única racional? Gostei bastante da análise que Francisco Bosco fez do filme em sua coluna do Globo. "Mais vale ser o mais simplório e vital dos homens do que o mais erudito e melancólico", resumiu ele de forma perfeita.

Entre o Nada e o Nada, o que importa para mim é o caminho, a trajetória, ainda que sem muito sentido. Podemos estar condenados como Sísifo, mas se entregar não é boa opção. Quando Claire implora que Justine vá para a varanda com ela, aguardar o inevitável choque de Melancholia, há quase uma vingança desta, ao ridicularizar sua fuga. Ela pergunta de forma sádica (nada mais apropriado) se Claire deseja escutar a Nona Sinfonia de Beethoven enquanto chega o fim. Eis o ponto do filme em que minha escolha ficou evidente.

A vida pode não ter tanto sentido, mas conto com o auxílio de Baco, Beethoven e outras belas fugas, ainda que fugas, para a travessia. A Ode à Felicidade pode derrotar a melancolia (agora, se você escuta a sinfonia com indiferença, lamento, mas já está quase morto). Entregar-se é destrutivo demais. Alguns sem dúvida não têm esta opção. Eles são tragados para lá. O próprio autor do filme, para tê-lo feito, não só flertou como provavelmente esteve em Melancholia. Mas creio que devemos sempre buscar o que Bosco chamou, invocando Nietzsche, de "afirmar a vida".

As fugas mais tolas, como seitas fechadas, crenças místicas, drogas, hedonismo, uma vida acéfala de prazeres bobocas, podem e devem ser evitadas enquanto estilo de vida, o que não quer dizer que não possamos fazer uso delas esporadicamente. Confesso achar insuportável aquela "happy people" que vive achando graça de tudo, com a profundidade de um pires convexo. Mas o que colocaremos no lugar destas fugas tolas ainda serão fugas. Talvez mais requintadas, realistas, sabendo-se lá no fundo que são isso, fugas necessárias. A literatura é fuga. As amizades são fuga. Até o amor é fuga!

A vida pode ser um baile de máscaras e hipocrisias quando analisada pela ótica niilista. Nada faz muito sentido se vamos todos virar comida de vermes. Tudo é frívolo. Qual o sentido de dar tanta importância ao carro novo, à vitória do time, ao livro comovente, se o Nada é o destino inevitável? Talvez, justamente por termos consciência disso, possamos valorizar as coisas importantes na vida. Benjamin Franklin pensava que a felicidade consiste nos pequenos prazeres do dia a dia, e não em grandes ocasiões que raramente ocorrem na vida. Eu concordo. E abro um parêntese para um relato pessoal.

Quando minha filha nasceu, eu era vidrado em relógios. Tinha uma coleção respeitável. Certo dia, indo para o trabalho pela manhã, um bandido bem vestido apontou uma arma prateada à minha cabeça, pedindo o relógio. Era um belo Cartier que, para piorar, tinha valor sentimental, pois fora presente de casamento. Entretanto, mantive a calma e fiz o que o assaltante mandou. Ao chegar no trabalho, sorri. Claro que fiquei chateado pelo relógio. Mas meu paradigma tinha mudado. Saber que minha filha, então com um ano de idade, estaria em casa me esperando, com um sorriso para falar “papai”, fazia aquela perda material parecer banal demais para estragar meu dia.

Alguma dose de entorpecente para suportar a vida sem sentido teremos que tomar. Que sejam drogas mais nobres e elaboradas, tais como as amizades, a família, as artes, a música e a filosofia, que nos enriquecem espiritualmente nesta passagem curta chamada existência. Diga não à melancolia. Abra um bom vinho com alguém que você gosta, de preferência escutando Beethoven. Celebre a vida!

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