quarta-feira, setembro 19, 2012

Analfabetismo histórico

Hélio Schwartsman, Folha de SP


O movimento negro, bem como outros grupos que tentam reduzir os níveis de intolerância na sociedade, tem toda a minha simpatia. Isso dito, é ridículo o que estão tentando fazer com Monteiro Lobato. Se a iniciativa legal, que já chegou ao Supremo, prosperar, o autor poderá ter parte de sua obra banida das bibliotecas escolares.
Não há a menor dúvida de que Lobato se utiliza de expressões que hoje soam rematadamente racistas, como o termo "macaca de carvão", para referir-se à Tia Nastácia. A questão é que estamos falando de escritos dos anos 30, época em que quase todo mundo era racista. E, se há um pecado mortal na crítica literária e na análise histórica, é o de interpretar o passado com os olhos de hoje.
"Não sou nem nunca fui favorável a promover a igualdade social e política das raças branca e negra... há uma diferença física entre as raças que, acredito, sempre as impedirá de viver juntas como iguais em termos sociais e políticos. E eu, como qualquer outro homem, sou a favor de que os brancos mantenham a posição de superioridade."
Odioso, certo? Também acho. Mas, antes de condenar o autor da frase ao inferno da intolerância, convém registrar que ela foi proferida por Abraham Lincoln, o presidente dos EUA que travou uma guerra civil para libertar os negros da escravidão.
E Lincoln não é um caso isolado. Encontramos pérolas racistas em ditos de Gandhi e Che Guevara. Shakespeare traz passagens escancaradamente antissemitas, Eurípides era um misógino e Aristóteles defendia com empenho a escravidão. Vamos banir toda essa gente das bibliotecas escolares?
A verdade é que todos somos prisioneiros da mentalidade de nossa época. Há sempre um horizonte de possibilidades morais além do qual não conseguimos enxergar. Aplicar critérios contemporâneos para julgar o passado é uma manifestação de analfabetismo histórico.

9 comentários:

Gustavo Sauer disse...

o problema é que liberdade de expressão é uma ideia que passa longe da cabeça das pessoas.

Anônimo disse...

O ponto aqui não é liberdade de expressão. Racismo não é válido, se vc quer expressar rascismo tem de ir prá cadeia mesmo.

O ponto é que o texto aborda uma obra literária de época passada. Não há que se falar em racismo nesse caso.

Se fala porque no Brasil as coisas continuam como sempre: a santa ignorância em ação, especialidade da casa.

Gustavo Sauer disse...

Anonimo, o ponto é TODO sobre liberdade de expressão. Ninguém tem o direito de censurar as palavras faladas ou escritas de alguém, por mais idiotas que sejam, essa pessoa tem o direito de expressar suas opiniões de qualquer forma.

Anônimo disse...

Sim, vamos banir todos esses livros. Vamos banir todos os livros que já foram escritos e reformar todos os dicionários. Vamos primeiro tirar os livros das escolas, depois proibir a venda, depois queimá-los em praça pública. Vamos reescrever todos os contos e todos os discursos e todos os livros e toda a história. Os que sobrarem terão de ser lidos em segredo, por poucos privilegiados e subversivos.
Liberdade pra quê?

Anônimo disse...

Posso não concordar com uma palavra do que dizes, mas morrerei defendendo o seu direito de dizê-las

Thiago disse...

Absolutamente precisas as considerações do Helio. Seus artigos na Folha merecem mais espaço.

Anônimo disse...

Rolha de poço, quatro olhos, filé de grilo, macaca de carvão, branquela azeda, orelha de abano, nareba, zarolho, playboyzinho.

Qual o mais ofencivo? Pra mim não faz diferença.

Anônimo disse...

Pra mim o mais ofensivo é o "ofencivo". E o pior é que é a cara do Brasil.

Anônimo disse...

Até agora não vi em nenhum comentário o fato de Monteiro lobato descrever a agilidade da subida na árvore que, evidentemente, só pode ser comparada com a agilidade de um macaco (ou macaca). Se fosse a Dona Benta que subisse na árvore e se Monteiro Lobato descrevesse com a agilidade de uma macaca cor de leite não teria problema algum.