sábado, dezembro 09, 2006

A Fábrica da Inveja

Rodrigo Constantino

A lei moral de que o justo é tirar de cada um de acordo com sua habilidade e dar para cada um de acordo com sua necessidade corrompeu milhões de corações ao longo dos anos, e ainda o faz. No entanto, nada poderia ser mais imoral, injusto e ineficaz que este conceito. A novelista Ayn Rand fez um dos melhores retratos das conseqüências dessa máxima colocada em prática, no seu livro Atlas Shrugged, assim como expôs com perfeição os reais motivadores de seus defensores.

Na ficção, infelizmente nada distante da realidade de muitos, uma fábrica de motores decidiu votar um plano onde todos os funcionários iriam trabalhar de acordo com suas habilidades, mas o pagamento seria de acordo com as necessidades. Falaram que o plano objetivava um nobre ideal de justiça. Era chegada a hora de acabar com a ganância individual, com a busca pelo lucro, com a competição selvagem. Todos os trabalhadores seriam uma grande família, e o bem coletivo seria colocado à frente dos interesses particulares.

Um ex-operário relata como o plano funcionou. Tente colocar água num tanque onde há um duto no fundo drenando o líquido mais rápido do que você é capaz de enchê-lo, e quanto mais você joga água dentro, maior fica o duto. Quanto mais você trabalha, mais é demandado de você, até que suas horas trabalhadas multiplicam-se para que seu vizinho tenha sua refeição diária, a esposa dele tenha a operação necessária, sua mãe tenha a cadeira de rodas, o tio dele tenha a camiseta, o sobrinho a escola etc. Até pelo bebê que ainda não veio, por todos à sua volta, mais e mais é demandado de você, sempre em nome da “família”. A cada um pela necessidade, de cada um pela habilidade.

Foi necessário apenas uma reunião para perceberem que todos haviam se transformado em vagabundos pedindo esmolas, pois ninguém poderia reclamar um pagamento justo, não havia direitos e salários, seu trabalho não lhe pertencia, mas sim à “família”, e nada era devido em troca, sendo o único direito sobre ela a “necessidade”. Cada um tinha que demandar tudo, alegar misérias, pois suas misérias, não seu trabalho, tinham tornado-se a moeda de troca. Ninguém podia mais nada. Afinal, ninguém era pago pelo trabalho, pelo valor gerado, mas apenas de acordo com a “necessidade”. Em pouco tempo, sendo a necessidade algo subjetivo, todos passam a necessitar de tudo, e a “família” experimenta enorme crescimento de ressentimento mútuo, trapaças, mentiras. A cirurgia da mãe do vizinho passa a ser vista com desconfiança, pois seu trabalho que paga a conta. Cada nova demanda através do apelo de “necessidade” gera mais intrigas e brigas.

Bebês foram o único item de produção em alta, pois ninguém tinha que se preocupar com os custos dos cuidados de um filho, já que a conta recaía sobre a “família”. Além disso, não havia muito o que fazer, pois a diversão era vista como algo totalmente supérfluo, um dos primeiros itens a ser cortado em nome da “necessidade” de todos. A diversão passa a ser vista quase como um pecado. Um dos meios mais fáceis de se conseguir um aumento no pagamento era justamente pedir uma permissão para ter filhos ou alegar alguma doença grave.

Não há meio mais seguro de destruir um homem que forçá-lo a um mecanismo de incentivo onde seu objetivo passa a ser não fazer o seu melhor, onde sua luta é por fazer um trabalho ruim, dia após dia. Isso irá acabar com ele mais rápido que qualquer bebida ou o ócio. A acusação mais temida era a de ser mais habilidoso que o demonstrado, pois sua habilidade era como uma hipoteca que os outros tinham sobre você. Mas para que alguém iria querer ser mais habilidoso, se seus ganhos estavam limitados pela “necessidade”, e suas habilidades significariam apenas mais trabalho pesado para que outros ficassem com os benefícios?

A explicação dos motivos que levaram tal plano a ser aprovado está na passagem em que o ex-operário diz que não havia um único homem votando que não pensasse que sob tais regras poderia avançar sobre os lucros de outros homens mais habilidosos que ele. Não havia alguém rico ou esperto o suficiente que não achasse que alguém seria mais rico ou mais esperto, e que tal plano daria a ele uma parcela de sua maior fortuna ou cérebro. O trabalhador que gostava da idéia de que sua “necessidade” lhe daria o direito a ter o carro que seu chefe tinha, esquecia que todos os vagabundos do mundo poderiam demandar aquilo que ele tinha conquistado pelo seu trabalho. Este era o verdadeiro motivo para a aprovação deste plano igualitário, mas ninguém gostava de refletir sobre o assunto, e quanto menos gostavam da idéia, mais alto gritavam sobre o amor pelo bem geral.

A fábrica continuou perdendo os melhores homens, pois os habilidosos “egoístas” fugiam como podiam para lugares onde pudessem trabalhar pelos seus próprios interesses, sem terem o fardo de sustentar os parasitas. Em pouco tempo, não havia mais nada além dos homens “necessitados”, pois não tinha um único homem de habilidade. E a fábrica teve que começar a apelar para as suas necessidades tentando não perder todos os seus clientes, pois seus produtos não mais eram competitivos ou eficientes. Mas qual o bem que faz aos passageiros de um avião um motor que falha em pleno vôo? Se o produto for comprado não pelo seu mérito, mas por causa da necessidade dos empregados da fábrica ineficiente, seria isso correto, bom ou a coisa moral a ser feita pelo dono da empresa aérea? Se um cirurgião compra um equipamento não pela sua qualidade, mas pela necessidade dos funcionários do produtor, seria isso correto com seu paciente?

No entanto, é esta a lei moral pregada por vários líderes, intelectuais e filósofos do mundo. A cada um pela necessidade, de cada um pela capacidade. A fábrica da inveja, na brilhante novela de Ayn Rand, faliu, virou uma fábrica de miséria, assim como os países socialistas que tentaram adotar a mesma máxima de vida.

5 comentários:

Anônimo disse...

Caro Rodrigo,
vou usar um pouco sua paciência, mas já que no post há a questão moral, vou postar esse comentário que foi ainda há pouco parte de uma resposta num debate num blog (Tambosi), e nem sei se muito boa (nem revisei) mas creio válida para tentar esclarecer minha idéia:
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- Rapidamente: Quando falo em liberdade igual para todos, parto do princípio de que todos devem ser igualmente livres, TODOS. Isso leva à idéia de que a liberdade de um limita a liberdade dos demais, pois que uns não devem interferir na liberdade alheia em privilégio da própria. Daí, eu percebo a idéia do direito. Ou seja, o direito é o tamanho da liberdade capaz de ser igual para todos. Assim, o direito de um a algo proíbe o mesmo direito de outros ao mesmo no mesmo tempo (dois corpos não ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo). Logo, a liberdade é uma idéia negativa, é ausência de opressão e coação: a liberdade de um nega a ação alheia sobre este um. E se todos devem ter a mesma liberdade, valemo-nos do direito para defini-la. O homem solitário é absolutamente livre, ou tem direito a tudo, pois só a natureza limitará a concretização de seus desejos. Mas se há outro com a mesma prerrogativa, poderá haver confronto de interesses (interseção nos conjuntos das ações possíveis, ou interseção dos direitos). Desta forma, há que se estabelecer o que é direito de cada um, para que jamais possa haver esta interferência do direito de um no direito do outro(s). Ou seja, estabelecer o que pode ser direito do indivíduo de modo a não haver sobreposição, é uma tarefa para a razão, e tarefa muitíssimo complexa. Pois sem isso haveria a possibilidade de “guerra de todos contra todos” de modo a que todos invocariam a própria liberdade ou o seu direito a tudo para justifica-la (a “guerra” ou confrontos). SEM ESTE ÁRDUO TRABALHO DA RAZÃO, O INDIVÍDUO FICA SEM RUMO, e as alternativas são combinar que todos se submeterão ao ARBÍTRIO de um líder ou “cacique” para resolver os conflitos de interesse, ou que todos concordem em se submeterem ao ARBÍTRIO de uma “AUTORIDADE SUPREMA”, DONA da VERDADE UNIVERSAL. Essa autoridade foi criada pelo homem como o Deus a que TODOS deveriam submeterem-se, por ser ele a fonte da verdade e da justiça. Porém, SEM RUMO na razão, facilmente percebemos que cada um é capaz de inventar o seu próprio Deus, na pretensão de impor a própria subjetividade como verdade universal. Com isso não mais a “guerra” de tosos os indivíduos contra todos os demais, mas sim a “guerra” de grupos anuentes com seu Deus, contra os demais grupos e indivíduos. A razão então pode conceber, para mitigar tal desgraça, a idéia de “relativismo cultural”, onde os grupos se separam e se respeitam para evitar confrontos danos mutuamente. Contudo, os indivíduos que ocupam os domínios do consenso grupal (a moral grupal) e com ele não anuem, passam a ser subjugados pela visão do rebanho mais poderoso; ou chega-se mesmo a confrontos internos no grupo, até que a paz seja possível apenas pela absoluta hegemonia (força dissuasiva) de uma visão, que se imporá a todos os indivíduos sob seu domínio.
É mais que visível minha discordância deste “utilitarismo” equivocado, imbecil mesmo. Fazendo com que eu defenda não apenas o respeito entre grupos (ou “culturas”), mas sim o respeito entre indivíduos, independente dos grupos a que possam pertencer – Abomino os “rebanhos” controlados por “pastores”, defendendo o indivíduo. Ora, se é possível conceber a idéia de respeito entre grupos (rebanhos) de modo a que um não interfira na liberdade dos demais, é também possível que indivíduos não interfiram na liberdade dos demais. Ou seja, não serão mais os grupos (países, religiões, “raças” e etc.) a terem sua liberdade limitada pelos demais, mas sim cada indivíduo. É uma complexa equação que pode ser perfeitamente resolvida por um trabalhoso raciocínio. ...e aí está um dos “Xs” da questão: raciocinar é cansativo, além das conclusões deste raciocínio divergir dos nossos interesses. O que muitos fazem então, é tentar enganar os demais para privilegiarem seus interesses. E aqueles não afeitos a razão (trabalhosa e até inconveniente), bem como os egocêntricos (mimados), tendem a nega-la como critério, preferindo defender o arbítrio de suas subjetividades, ou “achismos científicos” e “achismos sentimentais”, em beneficio próprio, bem como também, e mais ainda, há aqueles que preferem os achismos de seus deuses, também decorrentes de suas subjetividades, ao ponto de “interpretarem” um deus comum, cada um a sua maneira, da maneira mais conveniente. Ou seja, os achismos divinos ou não, acabam por parir novos achismos aparentados segundo a interpretação de cada um. Uma verdadeira “verdade surreal”: nada é o que é, mas aquilo que cada um acha ou deseja que seja.

Forte abraço
C. Mouro

Anônimo disse...

É engraçado como os comunistóides não são capazes de entender o que é mérito. Será que somos mais evoluídos? Pensando bem, não é o caso, já que, até mesmo entre insetos inferiores, acontece a seleção natural.

Em tempo: "nestepaiz", em que o crime compensa, mérito é algo desconhecido.

Anônimo disse...

Mais um belo posto contra a inveja estúpida e destrutiva que assola não só esse país, mas muitos outros.

É realmente uma pena que haja poucas pessoas interessadas em defender o mérito, a eficiência e o trabalho e que por aqui o bonito seja ser arruaceiro, preguiçoso e ineficiente.

Parabéns por ousar defender o que vale à pena e não compactuar com a mediocridade que parece imperar nesse país.

Abs,

Anônimo disse...

isso me lembra mt 1984

quando se escreve sobre uma realidade, os (muitos) pontos em comum fazem parecer q uma obra é plagio da outra, quando na verdade sao apenas defeitos da realidade descrita

Anônimo disse...

Caro Rodrigo,

Parabens pelo belo trabalho. Achei seu texto primoroso. O pessoal parece que ainda não entendeu que banqueiro não tem ideologia, ele só quer dinheiro. Os controladores de Londres são os que realmente mandam aqui,"nesse pais". E quando for preciso eles por certo irão ensinar que o Estado não gera riqueza. Penso que só farão isso quando aqui pelas terras descobertas por "Cabral" não haja mais nenhum recurso natural, ex.Niobio. Por enquanto, viveremos sob a égide de que os realmente "inteligentes" são os pregiçosos e arruaceiros.