JOÃO PEREIRA COUTINHO, Folha de SP
Pergunta lógica: se o indivíduo deixa de ser um agente autônomo, como julgá-lo autonomamente?
Todo mundo que é mundo já escreveu sobre o terrorista da Noruega. Não sou exceção. Mas, hoje, proponho um exercício imaginativo. Imagine: Anders Breivik encerrado numa cela, onde um batalhão de médicos estudam o monstro.
Subitamente, uma conclusão aterradora: Breivik não é um terrorista; é um doente grave, com uma patologia grave -e bem gráfica. Uma análise detalhada do seu cérebro revela um tumor que explica os morticínios. De que forma responderíamos a essa revelação?
Sim, o massacre continuaria a ser um massacre. Mas de que forma o sistema judicial deveria tratar Anders Breivik? Considerá-lo um agente livre, que perseguiu atos de terror e deve ser condenado? Ou vítima de enfermidade, que o privou da razão e o levou a cometer o inominável?
Eis a questão que o neurocientista David Eagleman formula em ensaio arrepiante. Intitula-se "The Brain on Trial" (o cérebro em julgamento), foi publicado na revista "The Atlantic" e, descansem, não se aplica ao terrorista da Noruega: o texto foi escrito antes de Breivik virar celebridade.
Mas existe uma história semelhante à do norueguês: em agosto de 1966, Charles Whitman subiu na torre da Universidade do Texas.
Disparou aleatoriamente sobre os terráqueos. Fez 13 mortos e 32 feridos. A polícia abateu-o no local e depois, quando investigou a privacidade de Whitman, encontrou mais dois cadáveres (a mulher e a mãe) e textos pungentes do assassino, em que o próprio pedia uma autópsia ao seu corpo. Algo não estava bem.
Acertou: um tumor no cérebro, a comprimir a amígdala, explicava o torpor homicida do desgraçado. Não foi caso único: Eagleman relata outros episódios em que alterações químicas ou morfológicas no cérebro levaram adultos "normais" a desenvolver personalidades transgressivas. A lista é variada: pedófilos, cleptomaníacos, meros exibicionistas de rua. Impressionante?
Sem dúvida. Como impressionante é a conclusão de Eagleman: os progressos das neurociências mostram de forma crescente que o comportamento humano é indissociável da biologia humana.
E, muitas vezes, atos que julgamos livres e que o sistema judicial aprecia como tal são, na verdade, determinados por patologias comprovadas e comprováveis. Pergunta lógica: se o indivíduo deixa de ser um agente autônomo, como julgá-lo autonomamente? A pergunta não é nova: quando olhamos para o século 20, encontramos versões de "determinismos" vários que inundaram as ciências sociais e, pior, a própria prática política totalitária.
O marxismo é apenas o exemplo supremo dessa mentalidade determinista que coloca o ser humano como mero joguete de forças históricas, impessoais e subterrâneas, que moldam o seu comportamento e conduzem a sua ação. Havia uma diferença porém: o determinismo histórico se assenta em premissas pseudocientíficas que são possíveis contestar e desmontar. O cenário que David Eagleman apresenta é distinto; e distinto porque justificado por métodos científicos e racionais. É essa vantagem que o autoriza a uma conclusão de peso: os tribunais devem incorporar nas sentenças, de uma forma ainda mais onipresente, avanços das neurociências sobre comportamentos desviantes. A cultura de punição deve dar lugar à cultura de tratamento. O raciocínio de Eagleman é teoricamente inatacável: se existe uma doença que tudo assoberba, não existe um sujeito autônomo responsável pelos seus atos. Mas é preciso temperar o otimismo científico de Eagleman com duas observações.
Em primeiro lugar, relembrando que é necessário distinguir doenças que aniquilam por completo a autonomia do sujeito daquelas que, apesar de nociva influência, continuam a conceder-lhe uma margem de livre-arbítrio -e, consequentemente, de responsabilização criminal.
Nem tudo o que somos desculpa o que fazemos. Pelo contrário: acredito que o número de casos em que a autonomia é engolida pela doença é residual e não constitui regra.
Em segundo lugar, mesmo que esse número fosse majoritário, isso não seria motivo para festejos.
Honestamente, quem desejaria viver num mundo onde o crime humano seria perfeitamente comparável ao fatalismo natural de um terremoto ou de um furacão?
12 comentários:
E existe algo como livre arbítrio? Será que todos agem na pura razão e análise dos fatos? Isso é uma besteira. Somos poços hormonais, irracionais e emotivos. Querem acreditar numa racionalidade pura ao homem, isenta de paixoes e emoções, como se este fosse algo próximo de um anjo....
Opa, sofrer influência é uma coisa, ser DETERMINADO por forças exógenas é outra, completamente diferente.
Claro que não decidimos com base na "razão pura". Mas isso não quer dizer que não temos PODER DE ESCOLHA. Acreditar no contrário é tratar ser humano como animal autômato.
O primeiro comentário desse anônimo é bossal, com o perdão da hipérbole. Triste mas prefiro comentar o artigo. Gosto desse Coutinho e os seus artigos são muito interessantes, mas achei esse artigo perigoso. Ele levanta a bandeira que esse anônimo levantou, mesmo com diversas ressalvas. Não sei se eu simplifico muito as coisas, mas o argumento aqui me parece novamente bastante fácil:
Eu cometo um ato animalesco como esse norueguês. Vamos aos dois extremos:
Extremo 1: Cometi-o com o total livre-arbítrio e em total sã conciência.
Extremo 2: Meu cérebro estava com um tumor/doenca/que seja que o levou a ficar totalmente fora do controle, ou seja, eu não era eu.
A conclusão é simples: NÃO INTERESSA OS EXTREMOS, NEM MESMO ALGUM PONTO NO MEIO DISSO. Azar o meu, estando eu no extremo 1 ou 2 ou no meio. Vou ser excluído da sociedade do mesmo jeito e ponto final. Não se discute.
Essa discussão só seria passível se estivéssemos considerando a TORTURA. No extremo 1 o cara talvez mereca ser torturado, no extremo 2 talvez não. Mas como somos uma sociedade evoluída, isso não vem ao caso. Não interessa se o cara é menos culpado ou mais culpado. VAI PRESO !!!
Pouco me interessa saber se o norueguês é um doente psicopata ou um assassino frio. Tem que sumir do mapa de qualquer jeito, pelo bem da civilizacao e das pessoas de bem e sãs.
Sorry, se vc tem uma doenca que te faz matar as pessoas, não dá para ter pena de vc. Um abraco!
Sou o anônimo do primeiro post.
Não esperava que alguém fosse discordar do que disse. Acho axiomático o fato que não somos anjos. Em nenhum momento disse que o homem é incapaz de concluir um pensamento lógico! Acredito que qualquer pessoa instruida deve concordar que nenhum homem é 100% livre de influencias nos seus julgamentos. Não somos robos ou anjos!
Reconhecer isso é bossalidade?!
Essa idéia de total "livre" arbítrio que acho uma falácia. Não estou dizendo com isso que todos devem ser inocentados de tudo!
"os progressos das neurociências mostram de forma crescente que o comportamento humano é indissociável da biologia humana."
Sérgio, acho que a sua análise sim foi Bossal. Rapidamente vc concluiu que essas pessoas acometidas com esses problemas devem "sumir do mapa".
Vou usar o exemplo dado pelo artigo pra mostrar como essa questão não é tão simples assim.
Digamos que o louco citado no artigo (Charles Whitman), tivesse sido preso e posteriormente operado pra retirada do tumor que supostamente alterou radicalmente seu comportamento. O que fazer caso ele fique normal após a operação? Deve ser penalizado exatamente como um assassino comum? Devemos, como o sérgio falou, apenas "riscá-lo do mapa"?
> Rapidamente vc concluiu que essas pessoas acometidas com esses problemas devem "sumir do mapa".
Sim, qualquer pessoa com uma doênca que a leve a matar outras deve ser removido da sociedade. Ou você acha que por causa da uma enfermidade ele tem direito de viver e matar?
> Digamos que o louco citado no artigo (Charles Whitman), tivesse sido preso e posteriormente operado pra retirada do tumor que supostamente alterou radicalmente seu comportamento. O que fazer caso ele fique normal após a operação? Deve ser penalizado exatamente como um assassino comum? Devemos, como o sérgio falou, apenas "riscá-lo do mapa"?
Claro que não. Se um médico responsável diz que ele está curado, então ele pode voltar ao convívio da sociedade. Sugiro que vc dê uma olhada no YouTube nos documentários sobre esse caso do Charles Whitman. Não tenho dúvidas que sua enfermidade colaborou para seus crimes, mas em que proporcão??? 100%, 50% ? No documentário também é discutido outras possíveis influências não-relacionadas a doenca.
Somos CORPO (biologia) e MENTE (razão). Temos que responder pelo nosso CORPO e pela nossa MENTE. Um crime do CORPO tem as mesmas consequencias de um crime da MENTE, pelo menos para a vítima.
> Somos poços hormonais, irracionais e emotivos.
Achei o seu comentário ruim porque você joga o homem para o lado animal, instintivo, irracional, hormonal. É claro que temos um pouco disso, e ninguém vai conseguir ser um racional puro. Mas entre o animal autômato e o ser humano racional, temos que exaltar esse último. É isso que nos diferencia dos animais e nos permitiu criar a MORALIDADE, a ÉTICA e as sociedades civilizadas. São dois polos opostos. Você está exaltando um polo enquanto eu estou exaltando outro. Sem extremismos, estamos declarando direcionamentos opostos.
Talvez eu tenha exagerado no adjetivo ao seu comentário. Por isso lhe peco desculpas.
Srs.:
Em primeiro lugar, é "boçal" e não "bossal". Em segundo, as respostas às questões levantadas, para fatos ocorridos no Brasil, já estão no Código Penal. Se ao tempo do crime quem o comete era incapaz de entender o caráter ilícito do fato praticado ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (por loucura permanente ou temporária ou por embriaguês causada por álcool ou outra substância entorpecente, desde que involuntariamente), não será apenável mas (no caso de loucura), sofrerá medida de segurança sendo internado por tempo indeterminado, até que venha a cessar sua periculosidade (aferida em exames periódicos).
No caso de embriagûes alcoólica ou toxicológica voluntária, a pena poderá ser agravada. A emoção ou a paixão, por si sós, não afasta a imputabilidade ou a culpabilidade, mas pode ser circunstância atenuante conforme o caso. No caso do homicídio, a forte emoção provocada por injusta provocação da vítima reduz a pena, assim como quando o crime é praticado sem premeditação por relevante valor moral ou social (vingar o estupro de uma filha, por exemplo).
Na hipótese da conversa de vocês, se o crime foi praticado por influxo de um tumor cerebral e este, ao ser removido, tornou o seu autor uma pessoa normal e não perigosa, não há porque privá-lo do convívio social. Neste caso não lhe pode ser atribuída a culpabilidade.
Agora, se o indivíduo conscientemente comete um crime, ou sob efeito de embriaguês provocada por ele próprio, o resto não importa: será ele responsabilizado, até porque se presume, no caso da embriaguês, que ele se embriagou para ganhar coragem.
é óbvio que o indivíduo não é somente razão e consciência. Mas, em se tratando de conduta social, pouco importa sua predisposição genética à agressividade ou não, as suas origens, os seus padecimentos econômicos e existenciais, sua educação, etc.
Espero ter contribuído para o debate.
Para ficar mais explicado:
Embriaguês involuntária é aquela que acontece quando alguém é forçado por outrem a beber ou a tomar psicotrópico, ou quando outro alguêm põe uma substância entorpecente em seu copo sem o seu conhecimento e ele pratique o crime "doidão".
Outra coisa:
Já vi muito marginal idiota alegar que cometeu um crime por estar no momento drogado. Em vez de estar se escusando da responsabilidade, assim ele a está agravando (rs), a não ser que o entorpecimento tenha sido involuntário.
À lei penal não importa se o indivíduo bebeu muito ou pouco, se se drogou muito ou pouco, se achava que não perderia a consciência moral ao se embriagar ou não. Se a embriaguês ocorreu porque ele quis beber ou se drogar, já era!! (rs).
Repeteco:
Sobre isso, entre outras coisas (é um trecho do capítulo, apenas), Hans Kelsen escreveu:
"Se a conduta humana, para ser um objeto possível da imputação, tivesse de ser considerada isenta da lei da causalidade, a causalidade e a liberdade seriam, de fato, incompatíveis. Daí o conflito aparentemente insuperável entre a escola do determinismo e a escola do indeterminismo. Contudo, tal conflito não existe se compreendemos o verdadeiro significado da afirmação de que o homem, como pessoa moral, religiosa ou jurídica, é livre. A alegada oposição entre a necessidade, dominante na natureza segundo o princípio da causalidade (dado A, será B), e a liberdade, dominante na sociedade segundo o princípio da imputação (dado A, deverá ser B), perde, é verdade, boa parte de sua agudeza se o significado de causalidade for reduzido de necessidade absoluta a mera probabilidade. Mas, mesmo que causalidade significasse necessidade absoluta e imputação significasse liberdade, uma não excluiria a outra. Não existe nenhuma contradição entre o assim chamado determinismo e o assim chamado indeterminismo. Não há nada que impeça a mente humana de sujeitar a conduta humana a dois esquemas de interpretação diferentes. Se interpretada segundo as leis da natureza - isto é, se interpretada como parte da natureza - a conduta humana deve ser concebida como um efeito determinado de causas precedentes. Do ponto de vista dessa interpretação, não existe algo como liberdade no sentido de isenção de causalidade, quer causalidade signifique necessidade absoluta, quer signifique mera probabilidade.
Podemos, porém, e realmente o fazemos, interpretar a conduta humana segundo normas sociais, isto é, leis morais, religiosas ou jurídicas, sem a suposição de que essa conduta é isenta de causalidade. Nenhum determinista exige seriamente que um criminoso não seja punido e que um herói não seja recompensado porque o cometimento de um crime e o desempeho de um feito heróico são causalmente determinados. ele concorda com a punição do criminoso e com a recompensa do herói, isto é, com a imputação da punição ao crime, da recompensa ao feito heróico, apesar do fato de o crime, assim como o feito heróico, ser determinado pela lei da causalidade. Dão-se punição e recompensa apenas porque se supõe que o temor da punição possa determinar causalmente que os homens abstenham-se de cometer um crime e que o desejo da recompensa possa determinar causalmente que os homens realizem feitos heróicos. a imputação de punição e recompensa pressupõe a assunção de uma possível determinação causal da conduta humana. Se o homem é livre por ser o ponto final da imputação, não apenas a causalidade não é incompatível com a imputação, que implica a liberdade -mas, na verdade, o princípio de causalidade é pressuposto pela regulação que constitui a imputação e, assim, a liberdade do homem.
Para reconciliar a idéia de liberdade, dominante na sociedade como ordem normativa, com a lei da natureza como ordem causal, não é necessário recorrer à visão metafísico-religiosa que está na base do indeterminismo. Tal reconciliação é possível no campo da ciência racional se reconhecemos a imputação como um princípio diferente da causalidade, mas análogo a ela, um realizando nas ciências sociais o que o outro consegue nas ciências naturais.Essa parece ser uma solução satisfatória para um antigo problema. Trata-se da dissolução do falso problema de uma antinomia alegadamente insolúvel entre a necessidade natural e a liberdade social."
Um pouco antes ele escreveu: "não existe algo como a responsabilidade na realidade natural. A responsabilidade é constituída por uma ordem normativa, como a moralidade ou o Direito." (O que é Justiça, ed. Martins Fontes).
Como bem já observara Vauvenargues, moralista francês do século XVIII, em sua obra Das Leis do Espírito - Florilégio Filosófico, "eram mesmo necessários dois nomes diversos para designar duas ações diferentes; pois, ainda que o princípio seja o mesmo, o sentimento não o é. Mas, no fundo, nenhum homem que tenha sabedoria jamais pôde estender o termo liberdade até a independência; isso choca a razão, a experiência e a piedade. O que faz, no entanto, a ilusão dos partidários do livre-arbítrio é o sentimento interior que encontram a esse respeito em sua consciência, pois esse sentimento não é falso. Quer seja nossa razão, quer nossas paixões que nos movam, nós é que nos determinamos; seria loucura distinguir de si seus próprios pensamentos ou seus próprios sentimentos. Posso submeter-me a um regime para restabelecer minha saúde, para mortificar meus sentidos, ou por qualquer outro motivo: sou sempre eu que estou agindo, só faço aquilo que quero; portanto, sou livre, sinto-o, e meu sentimento é fiel. Mas isso não impede que minhas vontades dependam das idéias que as precedem; sua cadeia e sua liberdade são igualmente sensíveis; pois sei, por experiência, que faço aquilo que quero; mas a mesma experiência me ensina que não quero senão aquilo que meus sentimentos ou meus pensamentos me ditaram. Nenhuma vontade há nos homens que não deva sua direção aos temperamentos, aos arrazoados e aos sentimentos atuais deles" (capítulo "tratado sobre o livre-arbítrio").
Obs: Vauvenargues é pouquíssimo conhecido, sequer figura entre os filósofos do iluminismo, mas o tenho como o que melhor dominou essa questão do livre-arbítrio X determinismo à sua época.
Marquês de VauvenarguesOrigem: Wikipédia, a enciclopédia livre.Ir para: navegação, pesquisa
Vauvenargues, cujo nome era Luc de Clapiers (6 de agosto de 1715 – 28 de maio de 1747) foi um moralista, ensaista e escritor francês.
Nascido em aix-de-Provence, Vauvenargues escolheu uma carreira militar e serviu em um regimento real por dez anos (1733-43),até ser obrigado a se aposentar sem ter qualquer perspectiva futura em razão de um colapso físico durante uma campanha contra os austríacos,na Boêmia.Desfigurado e doente,imergindo em um estudo solitário nos horríveis aposentos que alugou em Paris, Vauvenargues leu,refletiu e densenvolveu uma sombria Filosofia de vida expressa em um estilo aforístico conciso em uma série de ensaios e fragmentos,todos escritos durante a década de 1737-47. Vauvenargues rejeitou de forma clara a “ cause oculte de M Newton”, mantendo que o movimento é inato á matéria e afirmando a “ordre immuable et nécessaire” de tudo o que acontece. Ele também rejeita a “liberdade da vontade “ e afirma a relatividade do “bem e do mal”. “On n’ a point de volonté”, pondera ele, “quin ne soit um effet de quelque passion ou de quelque réflexion”, Acrescentando “donc l’ homme ne peut agir que par lês loisde son Dieu”. Como em Espinosa, o “Deus” em Vauvenargues não é o criador do universo, a fonte do bem e do mal,o guardião e juiz do homem,ou o legislador divino que estabelece as regras de moralidade. Ele é simplesmente a totalidade da natureza e suas leis inalterárveis. Assim, para Vauvenargues a moral é construída pelo homem e “l’ humanité est La premiè des vertus” . As principais influências que deram forma à sua Filosofia foram Bayle e, em especial, Espinosa, a quem ele não pôde Evitar de descobrir ao ler Boulainvi,uma fonte virtualmente inevitável para uma figura como essa em Uma época como aquela. Mas o Espinosismo de Vauvenargues é uma Filosofia individual intensamente moralista, senão também uma instância política, a serviço do indivíduo liberado. Preocupado com as implicações do sistema de Espinosa para o estilo de vida e a moralidade, ele parece de todo alheio às polêmicas da crítica à Bíblia do tractatus e do sistema cuidadosamente criado na construção da Ética. Tipicamente vauvenargueniano na sua luta com o paradoxo contido no coração do sistema de Espinosa, que todas as ações e decisões humanas são determinadas necessariamente, e não há livre arbítrio, Mas que, no entanto, esse fatalismo “n’ exclut point la Liberte”, isto é, uma liberdade que inclui segurança de vida, escorada em condições políticas e sociais nas leis. A política de Vauvenargues reflete a característica secular e individualista do seu pensamento. Adotando o princípio hobbesiano-espinosista de que nem as leis naturais nem a moralidade natural existem, e de que “bem” e “mal” começam com a legislação e as regras morais estabelecidas por homens no contexto do estado, a justiça, para Vauvenargues, existe apenas sob um soberano. Mas como a justiça nada mais é do que o poder das instituições e do processo legal estabelecido e mantido pelos governantes e legisladores, sua qualidade irá variar enormemente de estado para estado e de época para época. Como os homens são naturalmente, e de modo inevitável, determinados à autopreservação e autoengrandecimento, a justiça absoluta é inatingível e o propósito real da máquina legal em qualquer Estado é minimizar a fricção e limitar os efeitos prejudiciais,sobre a sociedade e outros indivíduos,dos impulsos naturais de qualquer pessoa.
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