terça-feira, novembro 06, 2012

Dos Estados Unidos à Europa


João Pereira Coutinho, Folha de SP

1. Os americanos vão hoje às urnas. Não sou vidente. Não vou cansar o leitor com análises detalhadas sobre os "swing states", os votos colegiais, as últimas pesquisas. Tudo é possível.
Mas, dentro do possível, confesso que gostaria muito que Mitt Romney ganhasse. Eu sei, heresia: lemos a imprensa "liberal" (no sentido americano da palavra, ou seja, esquerdista) e Romney é apresentado como um fanático que acredita em extraterrestres. Pior: um fanático que pretende entregar os Estados Unidos à plutocracia doméstica, de que ele faz parte.
Barack Obama, pelo contrário, é a personificação da bondade e do realismo. Mesmo Guantánamo, que continua a funcionar, tem outro sabor com Obama: no tempo de Bush, a prisão era o inferno terreno e a prova da malignidade republicana. Com Obama, Guantánamo é um jardim de infância.
Sejamos sérios: o julgamento sobre Obama, quatro anos depois, não pode ser brando ou entusiasmante. Fato: em 2008, Obama recebeu de herança uma nação quebrada. Novo fato: em 2008, Obama dispunha de condições incomparáveis --aprovação popular em níveis estratosféricos, Congresso favorável etc.-- para fazer mais e melhor.
Não fez. Um crescimento econômico que se arrasta penosamente nos 2% é tímido, para usar um eufemismo. O desemprego perto dos 8% seria o suficiente para que ele perdesse a reeleição. E a República, agravando o desvario iniciado por George W. Bush, continua dramaticamente endividada --e a endividar-se.
Como escreveu certeiramente Tim Stanley, no "Daily Telegraph", o problema de Obama não é ser o anti-Bush. É, ironia das ironias, repetir os erros de Bush ao permitir um Estado sem controle na despesa e disposto a infiltrar-se na vida comum do cidadão comum.
É por isso que a eleição de hoje não é apenas mais uma eleição na história da América. É, como afirma Romney e sobretudo o seu candidato a vice, Paul Ryan, uma espécie de plebiscito sobre o tipo de sociedade que a América pretende ser no século 21.
Para Obama, o ideal seria que a América se aproximasse da Europa e do modelo de bem-estar social.
Infelizmente, alguém deveria explicar ao presidente Obama que a crise corrente que ameaça destroçar a União Europeia está diretamente relacionada com a insustentabilidade desse modelo social.
Cuidado, América: para Europa, já basta a que temos.
2. E por falar em Europa: leio no "Times Literary Supplement" uma passagem notável das memórias de Madame de Staël.
Conto rápido: já depois da Revolução de 1789, o ministro de guerra Louis de Narbonne-Lara discursava na Assembleia Legislativa.
A páginas tantas, o infeliz ministro introduziu no discurso a expressão "apelo aos mais distintos membros desta Assembleia". Foi a revolta geral, com os jacobinos a relembrarem ao ministro que, naquela Assembleia, todos os membros eram igualmente distintos.
A história é interessante para conhecermos a cabeça do fanatismo igualitário em ação. Mas mais interessante é a observação de Madame de Staël: "para os jacobinos", escreve ela, "a aristocracia de talento era tão repugnante como a aristocracia de berço".
Relembro esta história, hoje, ao saber que na mesma França da Bastilha o presidente François Hollande pretende banir do sistema educativo os deveres de casa.
Corrijo: Hollande não quer banir os deveres. Pretende apenas que eles sejam integralmente realizados na escola, não em casa. Isso permitirá que as diferenças socioeconômicas das famílias não tenham qualquer interferência no respectivo mérito escolar dos filhos. Todos iguais, todos na escola.
Claro que, para sermos perversos, poderíamos perguntar ao senhor presidente o que tenciona ele fazer se alguns alunos, em manifesto desrespeito igualitário, violarem a medida. Como?
Estudando na escola e, depois, estudando um pouco mais em casa, ou nos cafés, ou nas bibliotecas. Será permitida essa busca da excelência extracurricular?
Ou o Estado francês, em nome da igualdade, também pretende instalar um policial em cada casa, café ou biblioteca, disposto a vigiar e punir o mais leve sintoma de curiosidade intelectual?
Esperemos pelas cenas dos próximos capítulos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Quanto a Romney, sem comentários. Quanto ao Obama ("que recebeu seu país quebrado"), é de espantar a ingenuidade do autor, que lastima o crescimento pífio dos EUA apesar das medidas de estímulo adotadas. Talvez ele ache que sem tais medidas, ou melhor, com medidas de austeridade, (como na Grécia, que entra hoje em greve geral), o crescimento estaria bombando e o emprego estaria pleno (5%).
As medidas austeras podem ser o caminho certo, no longo prazo, mas Obama não teria popularidade nehuma com elas. O 'filhote de bush' Romney estaria bem mais feliz, metendo o pau com força nas "medidas austeras".