sexta-feira, novembro 16, 2012

Eu sou um conservador


João Mellão Neto, Estado de SP
Embora conservadorismo, na cabeça das pessoas, lembre mofo e bolor, a verdade é que o conservadorismo está voltando a ser levado a sério por aqui. E quais são as principais teses defendidas pelos conservadores?
A principal delas afirma que é muita pretensão a nossa de querer virar o mundo do avesso, ignorando toda a experiência, os ajustes e o processo de tentativas e erros obtidos em milênios de civilização. Tal abandono do passado pode ser útil no que tange às ciências exatas, mas revela-se quase sempre desastroso quando aplicado às ciências humanas. Na História humana, os grandes avanços sempre se deram pela evolução, nunca pela revolução. As grandes revoluções, como a francesa ou a russa, sempre foram muito eficientes na derrubada das instituições que já existiam, mas nunca souberam como pôr outras melhores em seu lugar.
Outra tese, dentre as principais, se resume numa frase proclamada por sir Isaac Newton (1643-1727): àqueles que lhe indagavam como conseguira formular a Teoria da Física Mecânica, respondia que nada fizera de mais, apenas "se debruçara sobre os ombros de gigantes". Queria o cientista inglês dizer que nada daquilo seria possível se não tivesse contado com o conhecimento acumulado por todos os que o precederam. Os conservadores também pensam dessa forma. A realidade tal qual a conhecemos é o produto de milênios de tentativas, erros e acertos. Sendo assim, é muito pouco provável que nós, modernos, venhamos a fazer alguma grande descoberta em termos de moral ou de política.
Filósofos de araque existem em profusão. Todos pregam mudanças radicais na natureza humana. E foram justamente eles - que prometiam a perfeição do homem e da sociedade - que transformaram grande parte do século passado num verdadeiro inferno terrestre.
O ceticismo quanto à perfeição humana é outro aspecto importante do pensamento conservador. Nós conseguimos realizar mudanças na natureza exterior. Já a natureza humana se tem mostrado praticamente imutável. O conservador não acredita que exista algum homem tão acima da média, tão isento de paixões e preconceitos que se possa com tranquilidade entregar-lhe um poder sem limites. Assim sendo, a melhor forma de governo é mesmo a democracia. Esta dispõe dos freios e contrapesos (checks and balances) necessários para refrear logo no nascedouro qualquer tentação totalitária. A sociedade possui anticorpos. E eles são acionados sempre que há exorbitância de poder.
O grande autor moderno do conservadorismo é Russell Kirk (1918-1994) e no passado foi Edmond Burke (1729-1797). Este último, além de ter sido o grande precursor dos princípios conservadores, notabilizou-se por ter escrito um livro intitulado Reflexões sobre a Revolução em França, no qual, ainda no calor dos acontecimentos, defende ardorosamente o sistema político inglês - de reformas graduais, em contraposição ao extremismo e às exorbitâncias que ocorriam do outro lado do Canal da Mancha. Depois que Luiz XVI foi guilhotinado, em 1792, Burke voltaria ao tema, argumentando que os franceses teriam cometido um erro político gravíssimo: "Vocês ainda haverão de se arrepender amargamente deste ato. Ao invés de fazer como a Inglaterra, que em 1688 promoveu todas as reformas necessárias pacificamente e ainda com a chancela real, vocês, franceses, acabam de proclamar oficialmente a sua orfandade. E viverão eternamente carentes de um rei". Os fatos demonstraram que Burke tinha razão. Depois de Luiz XVI, os franceses viriam a proclamar diversos reis e imperadores, sendo o mais importante deles Napoleão Bonaparte.
Nos dias de hoje, quem passa por cima do viaduto d'Alma, em Paris, encontra uma espécie de santuário onde muitos acendem velas e pedem milagres. Nesse mesmo local, uns 20 metros abaixo, num acidente de automóvel, morreu Lady Di. Diana Frances Spencer não era uma santa (longe disso), mas foi uma princesa. Seria mais um indício de que Burke tinha razão?
Voltando às principais teses conservadoras, um conservador de verdade não tolera o relativismo moral. Ainda no século passado, terríveis consequências sofreram os povos onde ocorreu um colapso da ordem moral, onde os cidadãos transigiram quanto a isso. A moral há de ser uma só, seja ela fruto de revelação divina ou tenha sido forjada pela convenção humana. Ela é o resultado de um arranjo costumeiro, cuja origem data de tempos imemoriais. E é ela que nos preserva do abismo.
O pensamento conservador, nos dias atuais, vem ganhando relevo justamente porque os recursos naturais estão se tornando exíguos. Três décadas atrás ninguém demonstrava a menor preocupação com esse tema. Agora ele ocupa o proscênio das preocupações humanas. O polêmico aquecimento global e o esgotamento de matérias-primas importantes põem na ordem do dia a necessidade premente de preservar. E preservar é a principal bandeira do pensamento conservador - que não cuida somente de instituições sociais, mas abrange tudo o que diz respeito à humanidade.
Quem imaginava ser a ecologia uma bandeira de esquerda percebe agora que não é. Foi o comunismo, aliás, o regime político que mais sacrificou a natureza. Tudo em nome do progresso, conceito que vem sendo cada vez mais questionado pela opinião pública esclarecida. Os adeptos mais exaltados do pensamento conservador não acreditam na existência de progresso algum. Eles defendem, sim, mudanças graduais.
Os principais países desenvolvidos têm, todos eles, partidos conservadores que disputam e vencem eleições. Por que será que só aqui, no Brasil, os conservadores relutam em se admitir como tal?
Se o problema é a falta de alguém que puxe o cordão, tudo bem. Eu me declaro um conservador. E não tenho por que ter vergonha disso.

12 comentários:

rodolfo disse...

O artigo- bem escrito - indiretamente fornece alguns motivos pelos quais o conservadorismo tem sido constantemente surrado.

Com o avanço das ciências, várias questões defendidas com afinco pelo conservadorismo - no campo social, econômico e outras - vem sendo paulatinamente estrangulados com novos dados e fatos, o que acaba reduzindo os slogans dos conservadores a uma mera nota de rodapé.

Não é por coincidência que a ala conservadora geralmente posiciona-se como inimiga da ciência em muitas ocasiões.

O progressismo não oferece uma visão de mundo melhor que o conservadorismo e o conservadorismo não oferece uma visão de mundo melhor que o progressismo.

É necessário a atuação conjunta entre as duas ideologias.

É por isso que faço meu contraponto ao texto de joão mellão, o que considero polarizador, contribuindo para um distanciamento ainda mais agudo entre as pessoas.




Rodrigo Constantino disse...

Um dos mais graves erros dos progressistas da modernidade foi misturar avanços das ciências naturais com arrogância fatal nas ciências humanas. Hayek meteu o pau neste erro. Os "engenheiros sociais" são um câncer para a sociedade!

carlos disse...

Pois eu já acho que os progressistas esperam sempre migalhas do governo e são uns tremendos vagabundos que não gostam de trabalhar!
Eles são progressistas com dinheiro dos outros...com o dinheiro dele o progressista passa a ser um tremendo de um conservador!

Anônimo disse...

"O pensamento conservador, nos dias atuais, vem ganhando relevo justamente porque os recursos naturais estão se tornando exíguos. Três décadas atrás ninguém demonstrava a menor preocupação com esse tema. Agora ele ocupa o proscênio das preocupações humanas. O polêmico aquecimento global e o esgotamento de matérias-primas importantes põem na ordem do dia a necessidade premente de preservar. E preservar é a principal bandeira do pensamento conservador - que não cuida somente de instituições sociais, mas abrange tudo o que diz respeito à humanidade.
Quem imaginava ser a ecologia uma bandeira de esquerda percebe agora que não é."

Rodrigo, mudaste de opinião com relação aos melancias? Essa fruta não é mais vermelha por dentro?

Rodrigo Constantino disse...

Os melancias são socialistas que usam o ecoterrorismo para vender mais estado e atacar o capitalismo. Mas claro que nem todos que se preocupam com o meio-ambiente e até com o aquecimento global (existe?) são melancias. Não confundir as coisas.

Dito isso, acho que Mellão escorregou no final do texto sim, ao confiar pouco no avanço tecnológico capitalista. Talvez quis fazer uma média com os verdes, ou capturar alguns para o lado de cá. A seita ficou forte demais para ser ignorada na política.

Míriam Martinho disse...

Constantino, afinal você é liberal ou conservador? Parece que li postagem sua, aqui nesse blog, estabelecendo as diferenças entre ambas as correntes.
Entretanto, pela constância com que publica textos de conservadores, e simpatiza com suas ideias, começo a achar que de libertário você se encaminha para constar do "CONS"...rss Ou virar aquela criatura tipo unicórnio que só existe na ficção: o liberal-conservador. Na prática liberal-conservador é como socialista libertário: o conservador anula o liberal e o socialista mata o libertário.
A propósito, se o conservadorismo fosse esse idealizado pelo João Mello, até que seria deglutível. Mas não é não. Sob o pretexto de preservar sabedorias passadas (na verdade preservar sobretudo seus privilégios), os "cons" foram e continuam sendo o freio do carro da História. Embora falem da preservação do que é natural, na verdade são contra-natura porque contrários à lei universal da perpétua mudança. Se dependesse da mentalidade conservadora, a humanidade ainda estaria nas cavernas, sem descobrir o fogo, porque dá de tentar alguma coisa nova e se queimar, né mesmo?

E, nós, brasileiros, estamos bem mal fornidos, hem? De um lado, gente com a cabeça parada no século XIX, as viúvas do muro de Berlim, de outro gente pré-iluminista tentando fazer, na base da retórica, que mofo cheire a perfume.

Rodrigo Constantino disse...

Míriam, sua pergunta é importante e talvez mereça um artigo.

Sou um liberal clássico, com simpatia por várias bandeiras libertárias, e respeito pelos conservadores de boa estirpe. Precisamos de um grupo conservador legítimo na política. Isso faz falta, mesmo que eu tenha críticas aos conservadores.

Mas não gosto do lado mais utópico e revolucionário de alguns libertários. O que mais aprecio no conservadorismo é a visão cética com utopias e revoluções.

Dito isso, confesso que de uns anos para cá tenho me tornando um pouco mais conservador, um pouco menos libertário. Rótulos são limitados demais! Se tiver que escolher um, continuo com o liberal clássico.

Alexandre disse...

Rodrigo, corrija-me se estiver errado: não há contradição nenhuma em ser liberal clássico na economia e mais conservador na política e nos costumes. Muito pelo contrário, esses lados se complementam. O próprio ceticismo que temos em relação a economia, ou seja, de acreditar que o Estado não reúne informações suficientes para qualquer intervenção no mercado, também vale para os costumes, não? Acreditar que milênios de evolução nos costumes, moral e ética não possam ser alterados de cima para baixo, por intervenção do Estado. Eu também não pactuo com algumas ideias de Conservadores "hardcore", especialmente os mais religiosos, mas não vejo o porque liberais e conservadores não possam se unir em um único partido político, aos moldes do Partido Republicano americano, com diversas vertentes. Só seremos fortes se nos unirmos, mesmo com ideias um pouco diferentes em alguns temas. Seremos sempre minoria quando tentam nos separar por opiniões contrárias, porém não temos que ter pensamento único, como as esquerdas.

Rodrigo Constantino disse...

Na Dicta&Contradicta de dezembro vai sair um ensaio meu justamente sobre isso, tentando fazer uma ponte entre liberais e conservadores.

Edinailton Silva Rodrigues disse...

"(...)tentando fazer uma ponte entre liberais e conservadores.3:46 PM"
No meu dicionário conservador quer dizer conservar, manter as coisas como elas estão. Pelo que leio no seu blog, vejo que você quer mesmo é mudar quase tudo (para melhor). Você quer desmantelar isso tudo e, portanto, deve ser um autêntico liberal. Eu não faço ideia do que seja um liberal conservador. No sense.

carlos disse...

Margaret Thatcher
Ronald Reagan
Winston Churchill
Franklin Delano Roosevelt

Todos aí acima são conservadores!E convenhamos é um grupo seleto. Não é qq progressista que iguale...Somente Rooselvelt era Democrata, porém democrata nos idos da 2ª guerra nos EUA era tb um conservador! Não entendi o "CONS" rsrs, aqui há descriminação? O artigo foi ótimo... "Na História humana, os grandes avanços sempre se deram pela evolução, nunca pela revolução". Portanto a história humana é feita com base na evolução, assim como toda a natureza. A evolução é lenta para ansiedade humana, mas para o tempo natural não há nada de lento! Existe sim o possibilidade de conservar, por exemplo: sua Casa ou o Estado e ao mesmo tendo ações liberais como por exemplo na sua empresa (se alguém aqui tiver um CNPJ saberá o que falo) ou na sua profissão. Sendo conservador (resguardando) no Estado e liberal nas ações do Estado, como por exemplo privatizando toda a ação mercadológica de um Estado. Mal intencionado e mal gerido como é o nosso é a ultrapassada esquerda ou atualmente falando progressista. Os progressistas são os que querem que o Estado faça tudo, não se importando com as consequência, lógico a conta nunca vai para sua casa! Já qdo se é conservador e aplica uma ação liberal acontece (a meu ver) o que aconteceu com a Inglaterra de Thatcher! Que como o excelente texto escreveu terá como pano de fundo a conservação da coroa. Mesmo quando o partido dos trabalhadores habita o parlamento britânico tem ares de conservadores. Agora dá uma passadinha em Marselhe parece o norte da África...LIBERDADE, FRATERNIDADE e IGUALDADE a propaganda política mais mentirosa já dita!!! Desculpem os erros de gramática e português, escrever dentro desta caixinha é horrível!

Nigro disse...

Rodrigo,
há anos sou Liberal Clássico, mas, como vc, estou mais conservador. "Ser liberal" ou "ser conservador" é tornar-se uma caricatura e não uma pessoa real. A influência de nossos VALORES pessoais em nosso pensamento liberal não nos faz Liberais conservadores? Esta influência fará com q não nos tornemos pessoas dicotomizadas, dúbias e contraditórias entre aquilo q dizemos com o q fazemos. O q vc acha? (Estes valores podem ser cristãos sem serem religiosos, certo?)