terça-feira, novembro 06, 2012

Pequenos Assassinatos


Carta da MP Advisors

"Falar mal do governo é tão bom que não deveria ser privilégio só da oposição"
Milton Campos, governador de Minas Gerais entre 1946 e 1950.

O governador mineiro, se vivo fosse, estaria frustrado em ver que sua frase não faz muito sentido nos dias atuais. Afinal, mal existe uma oposição, e aqueles que se intitulam “oposição”, pelo visto, não gostam de falar mal do governo. Já que a oposição não faz o que tem que fazer, os bolsistas do andar de baixo (bolsa família) também não e tão pouco os bolsitas do andar de cima (bolsa BNDES). Sobra para nós, os “sem bolsa”, essa deliciosa tarefa.  Vamos a ela.

O objetivo desta carta é sair um pouco da análise de curto prazo da política econômica e dos mercados e olhar um pouco mais atentamente para outros direcionamentos do governo, que, no momento, não impactam o seu bolso, mas no futuro irão afetar a sua vida e a de seus filhos também.

Vamos começar pelo conceito de meritocracia, algo bem simples como: conquista-se coisas na vida de acordo com seu esforço e mérito.  Aquele que usa os finais de semana para estudar tende a conseguir as melhores vagas nas universidades (e depois no mercado de trabalho) do que aquele que fica fiscalizando a natureza na praia, certo? Não mais.  Desde a criação de um programa eleitoreiro de compra de votos, o bolsa família (sem a famosa porta de saída), passando pelo sistema de cotas e terminando no balcão dos amigos do BNDES, o que vemos é um sistema perverso que não estimula mais o esforço próprio e a busca pela superação.

O atual sistema de incentivos estimula o "coitadismo", a troca de votos por migalhas e, no caso do empresariado, de que mais valem bons contatos em Brasília do que a equação de cérebro afiado mais trabalho duro. Tudo aponta para uma sociedade onde a tônica é a "servidão voluntária" ao estado babá.  De onde se pode esperar crescimento de longo prazo advindo de uma sociedade de zumbis? De onde virá a inovação?

Analisando o sistema de cotas, sancionado pela presidente Dilma Rousseff, que reserva 50% das vagas nas universidades públicas para alunos que cursaram todo o ensino médio em escolas públicas. Desse total, a metade será voltada para estudantes com renda familiar de até um salário e meio por pessoa. A outra metade para alunos negros, pardos e índios de acordo com a proporção dessas populações em cada estado, segundo o IBGE.

Há aí uma meia verdade que se transforma numa falácia.  Que os alunos vindos das escolas públicas são precariamente formados, isto é um fato; porém não é correto correlacionar este fato à baixa renda.  Afinal, pelo ensino público ser tão fraco academicamente é que as famílias de renda um pouco melhor buscam as escolas particulares.  Basta o governo prover um serviço educacional digno, que haverá alunos de todas as classes sociais nas escolas públicas. O atual governo, em vez de endereçar o problema, ataca de forma populista as suas consequências.  O resultado é que os cotistas se formarão em bem mais tempo do que os outros alunos, se é que se formarão.        
            

O input do sistema educacional está dado, mas alguém já parou para pensar no output deste monstrengo?  Deve haver um aumento na evasão de alunos, um menor número de formandos e uma qualidade deteriorada dos novos profissionais.  Se juntarmos essa previsão com a informação de uma taxa de desemprego bem perto do que chamamos de pleno emprego, podemos projetar uma economia de baixa produtividade e custo alto.  Em resumo, uma economia com competitividade ainda pior do que temos hoje.

Outro conceito a ser abordado é a estabilidade de regras.  Começando pela mais tenra idade, sabemos que a criança criada com regras estáveis dentro de casa crescerá de maneira mais saudável do que a criança em cuja casa os pais mudam a regra do jogo toda hora.  A criança do lar instável tenderá a ficar mais insegura e, no futuro, repetirá o comportamento de seus pais.  O mesmo se aplica a economia. 

Vamos ver o exemplo da fabricante coreana Kia Motors, que se instalou no Brasil trazendo uma proposta de alta qualidade com preço acessível.  Rapidamente, chegou a 80 mil unidades vendidas, com uma boa rede de concessionárias e já caminhava para 100 mil carros vendidos por ano quando o governo, atendendo ao pleito dos simbióticos sindicalistas e montadoras, instalou um imposto de 30% sobre o automóvel importado.  Da noite para o dia, o que acontece com o investimento de centenas de empresários e com a vida de milhares de funcionários que saíram de suas atividades anteriores para seguirem o Projeto Kia?  Esse é o exemplo dos coreanos, mas poderia ter sido outro qualquer.  Com o atual governo, quem é o louco de alocar tempo e dinheiro no Brasil?  Somente se for muito bem conectado com Brasília, tiver uma ligação direta com o BNDES (quem sabe um apreço pela letra "X").  Mesmo com tudo isso, não há garantia de lucratividade.

A estabilidade de regras é crucial quando entendemos que governo não gera crescimento (a despeito do que até alguns vencedores de prêmio Nobel acreditam), ele apenas redireciona os recursos de A para B. No Brasil, além disso, entre A e B há o pit stop em C. Quem gera o crescimento são as entidades privadas.  Se elas não tem regras estáveis de onde virá o estímulo ao crescimento?

O mais dramático de tudo, é que nossa infraestrutura está bem apertada e sucateada frente ao tamanho que chegamos.  O governo demorou a reconhecer que o estado não pode e nem consegue construir o que necessitamos, mesmo assim ele quer ditar o quanto podem ganhar os operadores. Diga-se de passagem, bem pouco frente aos riscos.  O resultado disso é que teremos investidores de segunda classe interessados. A concessão das estradas em 2007, e seu resultado pífio, demonstram bem isso. A dos aeroportos vai pelo mesmo caminho e o trem bala tem tudo para ser a "transamazônica" dos petistas.

É claro que ainda estamos em situação bem melhor do que estivemos na década de 80, porém nos preocupa ver que os pequenos assassinatos institucionais vão aos poucos erodindo as conquistas e reformas dos anos 90 e nos levando de volta para o passado. Tudo isso em nome de um esquerdismo anacrônico, autoritário e de resultados pífios pelo mundo.  Afinal o que é a economia senão a psicologia aplicada à sistemas de incentivos corretos?  Para nossa tristeza, os sistemas de incentivo corretos estão sendo destruídos diuturnamente.

6 comentários:

Anônimo disse...

"O resultado é que os cotistas se formarão em bem mais tempo do que os outros alunos, se é que se formarão. "

muito pior do que isso: os cotistas atrasarão toda a turma, o ritmo das aulas será freado, pois a metade da turma não vai acompanhar a outra metade. Resultado: nivelamento por baixo

"ainda estamos em situação bem melhor do que estivemos na década de 80"

nada que o PT não possa reverter!

Anônimo disse...

Seu artigo 'capitalismo sem doping' foi retirado do globo? Tá dando 'página não encontrada' Olha só http://oglobo.globo.com/opiniao/capitalismo-sem-doping-6575580

MadGuitarMan disse...

excelente artigo Constantino, parabéns !

Thiago disse...

Vou me ater aqui exclusivamente à questão das cotas, 'repisando' observações para me contrapor às suas observações (que também são 'repisadas' no debate geral):
1 - seu argumento ignora a evidente desigualdade de oportunidades entre os jovens estudantes, evocando uma igualdade de direito que não é de fato; não é só por méritos que alguém passa num vestibular de uma universidade pública, mas também (e primordialmente) por ter recebido educação que o deixa em vantagem suficiente quanto a outros candidatos.
2 - quanto a estudos/estatísticas para suportar argumento contra ou a favor, cabe observar as experiências favoráveis, por exemplo, nos EUA (e não adianta mencionar o Sowell como se fosse o único estudioso da questão) e dados, em experiências no Brasil, demonstrando que o desempenho dos cotistas, em geral, não fica a dever em relação aos não-cotistas (sendo que há também medidas para apoiá-los, como bolsas para que consigam pagar a passagem e necessidades afins- pelo menos na UERJ, aqui no Rio).
3 - o argumento de que o ideal é melhorar a qualidade do ensino básico público (evidentemente! Quem se diz contra?) se opõe às próprias cotas é criar uma falsa dualidade: 'ou o ensino passa a ser bom ou cria-se cotas'; uma coisa não exclui a outra.
4 - especialmente quanto às cotas 'raciais', ressalto à sua defesa pelo viés político mesmo, simbólico, de educação da sociedade em ver o negro/pardo/caboclo onde comodamente nos habituamos a ver apenas brancos/orientais. Não 'paga' escravidão ou genocídio de indígenas; lembra à sociedade que o espaço da faculdade também é para eles, combate a visão segregadora já internalizada na famosa 'cor padrão' das abordagens policiais. E isto se aplica, respeitadas as diferenças, a cotas para minorias em geral, como por exemplo até a cota para mulheres candidatas nos partidos.

Cotista disse...

Quando será que vão parar de achar que é fácil conseguir vaga por cota? Sou cotista na Ufscar no curso de economia e tive que ralar muito para conseguir entrar. Na verdade, é mais difícil conseguir vaga por cota do que em faculdades particulares para o mesmo curso, mesmo se for nas melhores como PUC e Mackenzie. Então se o cotista não está preparado, o que dizer dos universitários da PUC e Mack?

IvanFR disse...

"De todas as ficções com as quais o sistema capitalista se legitima, a mais hipócrita delas é a da igualdade de oportunidades. A meritocracia é uma ficção que só se realizaria se não houvesse heranças. No mundo real, ninguém começa a vida do zero; somos herdeiros não só do patrimônio, mas da cultura e da rede de relacionamentos de nossos pais. Alguns já nascem na pole position, com os melhores carros; outros se digladiam na última fila de largada em calhambeques não muito competitivos.

Quem é o melhor? O piloto que vence a corrida largando na pole position e com o melhor carro ou aquele que largou em último e chega com seu calhambeque em segundo lugar? Quem tem mais mérito?"
texto extraído de:http://tuliovianna.org/2011/01/18/cotas-da-igualdade/

Concorda com isso, Rodrigo? Qual seria a posição do liberalismo em face da questão da "herança"? (uns já nascem milionários, com infinitas oportunidades de se tornarem ainda mais ricos, e outros dependem de um esforço sobre-humano para subir um pouco na vida)