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Rodrigo Constantino
Que o Verissimo, eterno defensor do fracasso, só escreve besteira quando tenta falar de política e economia, todos já sabem – ou deveriam saber. Sei de muitos que simplesmente ignoram a coluna do escritor, que deveria focar nas comédias do cotidiano. Mas eu não. Talvez por masoquismo, não sei ao certo, dou-me ao trabalho de ler as porcarias que ele escreve. Preciso sempre de um Engov, é verdade. Mas na sua última coluna, Céu ou Inferno, onde o gaúcho faz um julgamento sobre o possível destino da “alma” de Milton Friedman, não teve remédio que segurou o forte enjôo. Fosse apenas muita ignorância, vai lá! Mas Verissimo não é do tipo ignorante. Logo, fica restando apenas uma alternativa: a perfídia. A ideologia faz canalhas, quando sua defesa passa a ser mais importante que a verdade dos fatos.
Verissimo questiona no artigo se a contribuição do Nobel de economia da Escola de Chicago fez um mundo melhor ou pior, reconhecendo que impacto teve. Ele começa a destilar seu veneno quando chama o comunismo soviético de “capitalismo de estado”, comparado ao “capitalismo de consumo” que teria vencido a Guerra Fria. Ora, vamos chamar boi de boi, não de jacaré. Os que repetem que o comunismo nunca existiu ignoram que ele jamais existirá, pois não passa de uma utopia idiota, impossível na prática – ainda bem, já que homens não são formigas. Mas é a tentativa de chegar lá, os meios usados para tal fim, que levam inexoravelmente ao terror, escravidão, miséria e genocídio. Por isso, inclusive, que socialistas detestam debater meios, tentando monopolizar os nobres fins. Tentar associar o comunismo soviético a algo perto de capitalismo é, portanto, falta de caráter ou de inteligência.
O artigo segue afirmando que Thatcher, com a frase “não há alternativa”, inaugurou “a fé fundamentalista da qual Friedman é o Deus, e a Universidade de Chicago é o templo maior, que ainda domina o pensamento econômico do mundo”. Será que Verissimo não sabe que o Liberalismo não guarda similaridade alguma com uma religião fundamentalista, pois está calcado na lógica econômica, no conhecimento da natureza humana, na vasta experiência empírica? Crentes fanáticos são justamente os socialistas, que fogem de um debate focado apenas em argumentos lógicos, apelando constantemente para a retórica, inúmeras falácias conhecidas, sensacionalismo barato e emoções instintivas. Mas isso não impede que Verissimo minta na maior cara-de-pau, afirmando que a crença nos dogmas liberais independe de verificação e sobrevive a todos os desmentidos. Qual verificação? Quais desmentidos? Os países mais prósperos do mundo são os que mais se aproximaram do ideal liberal, enquanto os mais miseráveis são justamente os socialistas. Isso sem falar da questão da liberdade individual, inexistente nos países socialistas.
Mas eis onde Verissimo “pensa” ter achado a prova para refutar o Liberalismo: “A América Latina, submetida há anos à ortodoxia monetarista do Consenso de Washington sem proveito, é um desmentido continental da infalibilidade de Friedman”. Nada como o uso do chavão mais patético de todos, a culpa no bode expiatório predileto da esquerda, o tal Consenso de Washington. Suas recomendações são bem óbvias, respaldadas pelo bom senso de qualquer um que saiba que gastar mais do que tem gera problemas. Mas socialistas querem desafiar até a lei da gravidade! Será que Verissimo arriscaria se jogar do alto de um prédio confiando na heterodoxa “lei” que faria ele subir, em vez de cair? Acho que não. Mas quando o assunto é a vida dos outros, suas economias, Verissimo prefere ignorar a lógica e pregar a magia. Na verdade, as idéias liberais de Friedman nunca foram adotadas pela região, com a exceção do Chile, não por acaso o país com maior estabilidade tanto política como econômica da vizinhança. Mas Verissimo jamais irá entrar nos detalhes do assunto. Isso não é interessante para ele.
Usar a América Latina como ícone do Liberalismo para desqualificá-lo beira a insanidade. O Liberalismo jamais deu o ar de sua graça por essas terras. No Brasil, por exemplo, a carga tributária está em 40% do PIB, o Estado intervém nos mínimos detalhes econômicos, a burocracia é asfixiante, falta império da lei, enfim, não há praticamente nada aqui que se assemelhe ao Liberalismo. Tanto que estamos na rabeira do ranking de liberdade econômica tanto do Heritage como do Fraser Institute. A região passou mais longe do Liberalismo pregado por Friedman que Plutão da Terra! Mas nada disso importa para Verissimo, que diz que “razões para mandar a alma do Friedman para a grelha não faltam”. Para Verissimo, o Estado “desenvolvimentista”, cheio de estatais, é a “única esperança de os países miseráveis saírem da miséria”. Com certeza ele ignora os casos de reformas liberais, na contramão dessa estupidez, adotadas por países como o Chile, Irlanda, Nova Zelândia, Espanha, Islândia, Austrália etc. Ou os próprios casos dos Estados Unidos de Reagan e da Inglaterra de Thatcher, ambos salvos pelas medidas defendidas por Friedman. Em contrapartida, seria o caso de perguntar qual país deu certo com essa receita “desenvolvimentista”. Não haverá resposta. Isso porque Verissimo diz que é o Liberalismo que não suporta a verificação! É muita inversão mesmo...
Por fim, Verissimo conclui que, ao menos, Milton Friedman foi um pensador original, e isso – somente isso e seu prêmio Nobel – faria um contrapeso ao claro viés de mandá-lo para o inferno. Entre o Céu e o Inferno, portanto, Verissimo ficaria, quem sabe, com o Purgatório. Considerando que há um abismo moral intransponível entre ambos, para não falar da inteligência, creio que as pessoas que respeitam a integridade e a lógica não deveriam ficar espantadas. Afinal, vindo de quem vem, tais agressões são elogios. O céu do Verissimo deve ser algo como Zimbábue, ou Cuba. Melhor ir para o que ele considera um inferno mesmo. Poderemos acabar num lugar livre e próspero.