Trechos extraídos da Introdução de A Era da Turbulência, de Alan Greenspan:
Sobre a reação ao atentado de 11 de Setembro, defendendo uma solução de baixo para cima:
"Eu não tenho dúvida de que a resposta mais adequada não consistiria em gestos grandiosos, dispendiosos e precipitados. Em épocas de grandes emergências nacionais, todos os congressistas se sentem obrigados a apresentar projetos de lei; os presidentes também são pressionados a agir com rapidez. Nessas condições, é possível que se adotem políticas públicas imediatistas, ineficazes e até contraproducentes, como o racionamento da gasolina imposta pelo presidente Nixon durante o primeiro choque de petróleo da OPEP, em 1973, que, naquela primavera, gerou filas diante de postos de abastecimento em algumas áreas do país."
"Aos poucos, passei a acreditar que a maior força da economia americana era sua resiliência – a capacidade de absorver rupturas e de recuperar-se dos choques – por meios e em ritmo que jamais seria possível imaginar – muito menos impor."
As causas da resiliência americana:
"Nas últimas duas décadas, a economia americana se tornou cada vez mais resiliente a choques. A desregulamentação dos mercados financeiros, a maior flexibilidade dos mercados de trabalho e, mais recentemente, os grandes avanços da tecnologia da informação aumentaram nossa capacidade de absorver rupturas e de nos recuperarmos do choque."
"O pacote que finalmente emergiu em março de 2002, além de atrasado em alguns meses, tinha pouco a ver com o bem-estar geral – não passava de uma mixórdia constrangedora de fisiologismo partidário. No entanto, a economia ajustou-se a si mesma."
"As barreiras tarifárias caíram nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, em conseqüência do reconhecimento geral de que o protecionismo anterior à guerra resultara em espiral descendente do comércio – em face da reversão da divisão internacional do trabalho, que contribuiu para o quase colapso da atividade econômica mundial."
"O momento definitivo do capitalismo de mercado, contudo, foi a queda do Muro de Berlim, em 1989, revelando a situação de ruína econômica que predominava no outro lado da cortina de ferro, muito além das expectativas dos mais esclarecidos economistas ocidentais. O planejamento central se escancarou como fracasso irremissível, fator que, reforçado pela desilusão crescente em relação às políticas econômicas intervencionistas das democracias ocidentais, contribuiu para a expansão discreta do capitalismo de mercado em boa parte do mundo."
"Os mecanismos de mercado que equalizam os níveis globais reais de poupança e de investimento reduziram de maneira marcante as taxas de juros reais. (...) Em outras palavras, a oferta de dinheiro em busca de retorno ou rendimento cresceu muito mais rápido que a demanda por investimentos. Combinada com a globalização, com os aumentos de produtividade propiciados pelas inovações tecnológicas e com o deslocamento das forças de trabalho das economias sob planejamento central para os mercados competitivos, esse excesso de poupança contribuiu para reduzir as taxas de juros e as taxas de inflação em quase todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento."
"A política monetária dos bancos centrais não foi a principal causa do declínio persistente da inflação e das taxas de juros de longo prazo. (...) No entanto, ... nenhuma dessas forças tende a ser permanente. É difícil eliminar a inflação num mundo com moedas fiduciárias."
"O restabelecimento no último quarto de século dos mercados abertos e do livre comércio arrancou da pobreza acabrunhante muitas centenas de milhões de pessoas. (...) Resumindo em uma linha a história do último quarto de século, o enredo sucinto será a redescoberta do poder do capitalismo de mercado."
"A difusão do império da lei comercial e, sobretudo, da proteção do direito de propriedade fomentou o espírito empreendedor em todo o mundo, o que, por sua vez, levou à criação de instituições que agora orientam anonimamente parcela cada vez maior da atividade humana – versão internacional da ‘mão invisível’ de Adam Smith."
"O intervencionismo keynesiano ainda era o paradigma esmagadoramente dominante naquela época, embora já estivesse em fase de declínio. (...) Os malfadados controles de salários e preços do presidente Nixon, em 1971, se incluem entre os últimos vestígios do intervencionismo do pós-guerra no mundo desenvolvido."
"Não me lembro de nenhuma situação em que a expansão do império da lei e o aprimoramento dos direitos de propriedade não contribuíram para o aumento da prosperidade material."
"Em face da integração crescente da economia global, os cidadãos do mundo se defrontam com uma escolha árdua: de um lado, abraçar os benefícios mundiais dos mercados globais e das sociedades abertas, que arrancam as pessoas da pobreza e as lançam na escalada em busca de melhores qualificações, como meio de melhorar seus padrões de vida, ao mesmo tempo em que se mantêm atentas às questões fundamentais de justiça; de outro, rejeitar essa oportunidade e aferrar-se ao nativismo, ao tribalismo, ao populismo e a todos os demais ismos, em que se refugiam as comunidades, quando se vêem sitiadas em sua própria identidade e não conseguem perceber melhores escolhas."
E isso tudo apenas na introdução! O livro promete...
2 comentários:
Rodrigo, Greenspan não é keynesiano? Pelo menos a sua administração deixou transparecer isso.
"Keynes:
O intervencionismo keynesiano ainda era o paradigma esmagadoramente dominante naquela época, embora já estivesse em fase de declínio. (...) Os malfadados controles de salários e preços do presidente Nixon, em 1971, se incluem entre os últimos vestígios do intervencionismo do pós-guerra no mundo desenvolvido.”
R: Essa observação greenspaniana de tão hipócrita beira ao cinismo. Quem foi mesmo que inaugurou a era dos juros reais negativos nos EUA pós-desinflação do choque do petróleo? Parece até que política de renda (intervenção direta nos mecanismos de formação de preços e salários) é a única coisa que poderíamos chamar de “intervencionismo macroeconômico”.
A política de renda foi uma prescrição de uma escola de pensamento conhecida como “Síntese Neoclássica Keynesiana”, que como o próprio nome já diz, nada mais é que uma escola ortodoxa (apesar de terem ficado conhecidos como “velhos-keynesianos”). Keynes nunca foi ortodoxia ou paradigma dominante na Macroeconomia, apesar de ter influenciado até o Monetarismo (ainda que moderadamente).
Sobre o intervencionismo que Greenspan refere, isso era uma prescrição que levava em conta o argumento que, como o governo não dispõe de controlar os fatores que causam os choques de oferta desfavoráveis, a única maneira de combinar taxas de desemprego e inflação razoáveis consistiria em empregar políticas monetárias e/ou fiscais expansionistas, mas acompanhá-las com políticas de renda. O modelo de inflação que justificou isso se chama “Curva de Philips”, que entre outras coisas postula que, mantidos constantes o aspecto estrutural da oferta e da produtividade, os aumentos dos salários nominais são os únicos fatores a provocar a inflação. Por outro lado, Keynes nunca teve uma teoria sobre a inflação e sim uma teoria sobre os preços. Processo inflacionário e aumento de preços não são equivalentes.Processo inflacionário não é mero aumento de preços. Processo inflacionário é aumento sustentável de preços no tempo.
Na verdade, a escola mais fiel ao pensamento de Keynes é o “pós-keynesianismo”, cujos os primeiros representantes foram alunos de Keynes. E os "pós-keynesianos" criaram na década de 70 sua própria teoria e prescrição para o combate a inflação, que é um tanto diferente de todas as que já foram propostas pela ortodoxia:
http://www.ie.ufrj.br/moeda/pdfs/politicas_nao_monetarias_de_controle_da_inflacao.pdf
Pelo que li, esses desenvolvimentos teóricos eram uma resposta às críticas ao keynesianismo "bastardo" (nas palavras de Joan Robinson) feitas por economistas monetaristas e novo-clássicos a partir dos desenvolvimentos originais de John Maynard Keynes.
O termo “keynesianismo” é um termo extremamente vago. Um exemplo óbvio disso é ver a diferença de pensamento que existe uma outra escola de pensamento conhecida como “Novo Keynesianismo” e o “Pós-Keynesianismo”. Os primeiros têm uma prescrição de política monetária antiinflacionária e de liberdade de preços e salários próxima a dos monetaristas, mantendo-se fiel a Keynes apenas em relação à alegação da existência de rigidez de preços e salários como fator de desestabilização da economia e a necessidade de ajuste em tempos de retração na demanda agregada. Entre os representantes desta escola estão o atual presidente do Fed (Ben Bernanke) e a maioria dos autores de manuais de Macroeconomia encontrados nas livrarias (Stiglitz, Sachs, Krugman, Mankiw, Blanchard). Trata-se de uma escola de pensamento bem heterogênea.Alguns são quase "pós-keynesianos" (como Joseph Stiglitz) e outros são quase neoclássicos (como Gregory Mankiw).
Pereio disse...
" Greenspan não é keynesiano? Pelo menos a sua administração deixou transparecer isso."
Greenspan nunca demostrou ser adepto fiel a uma escola de pensamento em economia monetária. Ele é apenas um ex-presidente do Fed intervencionista e pragmático que adora posar de "Mr. Capitalismo Liberal".
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