terça-feira, dezembro 04, 2007

A Virada da Irlanda


Rodrigo Constantino

“Não há como escapar das inexoráveis leis do mercado.” (Ludwig Von Mises)

Através da pura lógica econômica e de uma teoria apriorística acerca da ação humana podemos, em minha opinião, concluir quais são as principais bases para o desenvolvimento econômico de um povo. Mas isso não anula a importância do estudo de casos e de testes empíricos, o popular “teste do pudim”, que ilustra essas conclusões teóricas. Não devemos esquecer que uma observação empírica dos fatos foi o que levou Adam Smith a condenar o mercantilismo vigente em seu tempo. O caso da Irlanda vem bem a calhar então, pois se trata de um impressionante exemplo do sucesso das reformas liberais, que reduzem a intervenção estatal e aumentam a autonomia individual. A Irlanda aderiu com vontade ao capitalismo global, e isso permitiu um enorme crescimento econômico, levando a renda per capita dos irlandeses para patamares espantosos. O país, que era um dos mais pobres da Europa, mereceu o título de “tigre celta”. Não há milagre por trás deste sucesso, apenas lógica e respeito aos fatos da realidade.

Atualmente, os cerca de quatro milhões de habitantes do país desfrutam de uma expectativa média de vida de 80 anos, e a mortalidade infantil está em apenas 5,2 para cada mil nascimentos (no Brasil essa taxa é de 27,6). O crescimento médio da economia foi de 6% ao ano entre 1995 e 2006. A agricultura, que já foi o setor mais importante do país, agora representa uma pequena parte do total, empregando apenas 8% da mão-de-obra e respondendo por 5% do PIB, cedendo espaço para a indústria e o setor de serviços. A Irlanda é agora um grande exportador de software e conta com a presença de várias empresas importantes de tecnologia. A taxa de desemprego ficou em apenas 4,3% em 2006. A renda per capita chegou a impressionantes US$ 44.500 em 2006, sendo 40% maior que a média das quatro maiores economias européias. Durante a última década, o governo irlandês adotou uma série de medidas liberais, atacando a inflação, reduzindo os gastos públicos e promovendo o investimento estrangeiro. O período de ajuste não foi fácil nem indolor, mas os resultados estão cada vez mais visíveis.

Em conjunto com o The Wall Street Journal, o The Heritage Foundation publica todo ano o Index of Economic Freedom, onde calcula o grau de liberdade econômica existente em diferentes áreas para cada país. A Irlanda ocupava a sétima posição no ranking no último dado disponível, atrás apenas de Hong Kong, Cingapura, Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia e Reino Unido, não por acaso lugares ricos e desenvolvidos. A Irlanda conta com um elevado nível de liberdade para negócios, investimentos e finanças, além de garantir bem os direitos de propriedade privada. O empreendedorismo foi facilitado através de mudanças regulatórias, e iniciar um negócio lá leva apenas 19 dias, comparados a 48 dias de média mundial. No começo de 2003 o governo reduziu o imposto corporativo para 12,5%, bem abaixo da média européia. O país recebe quase um terço dos investimentos americanos destinados a União Européia. As tarifas médias de importação são de apenas 1,7%, ainda que outras formas de protecionismo vigorem, como no caso dos subsídios agrícolas. O setor financeiro é totalmente competitivo e aberto aos estrangeiros, e 115 bancos e instituições de crédito operam no país. Em 2002, o governo vendeu sua participação na última estatal do setor financeiro, o ACC Bank. Os direitos de propriedade são garantidos por um sistema judiciário de alta qualidade. Há pouca corrupção, como reflexo disso tudo.

O calcanhar de Aquiles encontra-se nas questões trabalhistas, ainda que possam ser consideradas “ultra-liberais” se comparadas a situação brasileira. Mas há menor flexibilidade trabalhista se comparado aos Estados Unidos, por exemplo. Demitir um empregado pode custar caro na Irlanda, o que prejudica a contratação e as mudanças de emprego, afetando negativamente a produtividade. Um trabalhador médio recebe 15% do seu salário em benefícios, o que não chega ao patamar ridículo do Brasil, mas ainda assim limita a liberdade dos trabalhadores de escolher como receber seus salários. Ainda há o que melhorar nessa área.

A comparação dos dados irlandeses com aqueles belgas é interessante para demonstrar o contraste do desempenho nos últimos anos. Os gastos públicos na Irlanda saíram de quase 50% do PIB no final da década de 80 para 34% atualmente, enquanto os gastos públicos na Bélgica continuam perto dos 50% do PIB. O desemprego, que oscilava perto de 10% até o final da década de 90, caiu para menos de 5% na Irlanda, e ainda encontra-se perto dos 7,5% na Bélgica. O crescimento da renda per capita dos dois países vinha num ritmo parecido até o final da década de 80, mas a virada irlandesa deixou um abismo entre ambos. Atualmente, a renda per capita da Irlanda já é 35% maior que a da Bélgica. Em 1994, os impostos sobre o salário eram de 55% na Bélgica e 38% na Irlanda. Em 2005, continuavam 55% na Bélgica, mas estavam em 25% na Irlanda. A dívida pública irlandesa, que estava em 94% do PIB em 1990, caiu para 25% do PIB em 2006, enquanto a da Bélgica ainda estava em 88% do PIB. A trajetória entre ambos os países foi bem diferente na última década, com a Irlanda sendo bem mais agressiva nas reformas liberais e redução do governo. Os resultados estão aí. O índice de desenvolvimento humano irlandês subiu 6,9% de 1995 até 2004, enquanto o belga aumentou apenas 1,7%. Atualmente, a Irlanda ocupa o quinto lugar no ranking, enquanto a Bélgica está no 17º lugar.

Não é preciso limitar a comparação ao caso belga. A Irlanda dá um show em praticamente qualquer país europeu na última década. Seu crescimento na renda per capita foi quase o dobro daquele experimentado pelos demais países. Os gastos públicos de 34% do PIB são bem menores que a média de 46% na Europa ou 53% na França, que vive sérios problemas por conta do excesso de governo. A criação de empregos na Irlanda foi praticamente o dobro daquela observada no restante da região desde 1985. Somente a Espanha se aproxima do nível irlandês, também como resultado de várias reformas liberais. Enquanto a Alemanha, França e Itália fecharam 2006 com um déficit fiscal de 1,6%, 2,5% e 4,4% do PIB, respectivamente, a Irlanda apresentava um superávit de 2,9% do PIB no mesmo ano. Enquanto a dívida pública da Alemanha, França e Itália estava em 68%, 64% e 107% do PIB em 2006, respectivamente, a irlandesa era de apenas 25% do PIB. Os passivos sem cobertura das pensões garantidas pelos governos representam uma bomba relógio na região, chegando a impressionantes 285% do PIB na Eurolândia. Na França, esse montante passa dos 330% do PIB. Estima-se que aumentos de impostos de 5% a 15% serão necessários no futuro se as políticas sociais não mudarem. A Irlanda, por outro lado, apresenta 150% de passivo sem cobertura em relação ao PIB, pior apenas que Holanda e Reino Unido. Uma situação bem mais confortável e sustentável.

Em resumo, a grande virada da Irlanda na última década não tem muito mistério, tampouco se explica por algum milagre qualquer. O país simplesmente resolveu encarar a dura realidade, adotar o capitalismo global como modelo, receber de braços abertos os investimentos estrangeiros, especialmente americanos, e reduzir drasticamente o peso do governo na economia. O resultado é uma das maiores rendas per capita do mundo!

12 comentários:

Sociedade Voluntária disse...

Sociedades Sem Estado: A Antiga Irlanda - Joseph R. Peden:

http://libertyzine.blogspot.com/2007/03/sociedades-sem-estado-antiga-irlanda.html

Anônimo disse...

Com idiotas fazendo sucesso na America Latina, com excessão do Chile e da Colombia, este continente esta condenado ao fracasso.

AC disse...

No brasil, veja o destino que teve o termo "liberal" na política... Não existe mais sequer um partido que o adote!

Anônimo disse...

"passivos sem cobertura das pensões garantidas"

O que seria isso exatamente? Procurei no Google, mas não achei...

Anônimo disse...

Tem o PSL...
"O pleno emprego, a farta alimentação, a habitação digna, a saúde assistida e a segurança são os esteios da Justiça Social que o Partido Social Liberal tem como meta em seu programa."

Pelo menos no nome é liberal.

Anônimo disse...

Constantino

Saindo do assunto. Tempos atrás, você e alguns outros liberais discordaram do Olavo de Carvalho por causa das afirmações dele sobre conspiração continental. OC vê grande grau de planejamento no atual estado cultural e político da América Latina.

Você mantém inteiramente sua posição? Você crê que o estado de cegueira das sociedades latino-americanas aconteceu apenas pela dinâmica natural do debate ideológico? Ou você acredita que houve alguma ação coordenada no campo cultural, na imprensa e no governo, talvez com financiamento, inclusive, internacional? Seria a América Latina uma exceção à história dos socialismos, que sempre cresceram pela infiltração, conspiração e financiamento e apoio externos?

Uma pergunta ligada à anterior: O aparelhamento e patrulhamento esquerdista na academia e na imprensa teve algum efeito real importante?

Não considero desmérito para você se tiver mudado de opinião. Também não deixarei de tê-lo em alta conta se mantiver sua posição. Gostaria apenas de ler seus argumentos.

Desmistificador

Anônimo disse...

Constantino

E me perdoe, por favor, se eu compreendi mal sua posição. De qualquer forma, gostaria de ler a sua opinião completa sobre esses assuntos.

Desmistificar

Anônimo disse...

Desmistificador, poderia indicar leituras sobre este assunto? Cosumo ler os artigos do Olavo.

Eu, com meu conhecimento superficial sobre este assunto, , acredito que a esquerda cresceu e se tornou quase hegemonica por pura e simples omissão da direita, crente que com a queda do muro, o Socialismo estaria liquidado, e que o mundo so presenciaria apenas variadas formas de intervencionismo no sistema capitalismo...

Anônimo disse...

Anonimo das 5:25

Numa leitura abrangente de Olavo de Carvalho você encontrará esta tese. Recomendo "O jardim das aflições" para início.

A hegemonia socialista apenas se tornou mais forte, ultimamente. Mas é fruto de um amplo trabalho de infiltração e patrulhamento, por muitas décadas. Não pense que esta situação começou depois da queda do muro de Berlin.

Anônimo disse...

Constantino
Meus parabéns , fizestes o comentário que eu gostaria de poder fazer sobre Niemeyer , Chico Buarque e Veríssimo . Há muito tempo venho fazendo campanha contra estes dois últimos justamente por serem formadores de opinião ,criaturas " respeitáveis " , e que para mim são perfeitos idiotas .Aqui em Porto Alegre há outros intelectualóides menos famosos , como o "Professor" Rui Ostermann , Lauro Quadros que trilham o mesmo caminho ,graças a Deus com menor visibilidade e " fama " .
Meus parabéns , lavastes a minha alma .
Douglas de Jongh

Anônimo disse...

Interessante sua análise, Rodrigo. Mas em vista dos atuais acontecimentos, não só na Irlanda, mas também na França, na Grécia, na Itália, na Alemanha, nos Estados Unidos, no Japão e muitos outros países, deixam a impressão de que o liberalismo econômico é cheio de defeitos e as consequências desse tipo de aposta deixou marcas indeléveis nesses países. Essas consequências podem ser um preço muito alto que as populações desses países terão de pagar em nome de um período de "estabilidade" conquistada através do liberalismo.

Rodrigo Constantino disse...

Bárbara, vc estaria com razão, SE esta crise fosse obra do liberalismo. Não foi! Eu pretendia escrever algo, mas ando com pouco tempo. Resumidamente: o descontrole da expansão de crédito e moeda está no epicentro da crise. E quem controla tais instrumentos são os bancos e o governo. Os bancos não operam em ambiente liberal, mas sim cartelizado e protegido pelo próprio governo, o "emprestador de última instância". E podem criar moeda (crédito) "out of thin air". Isso é um perigo enorme, que pode colocar em risco boa parte dos ganhos oriundos das reformas liberais, como foi o caso da Irlanda (ainda assim o país tem elevada renda per capita e bons indicadores sociais, POR CAUSA das reformas liberais).