sexta-feira, janeiro 30, 2009

Os Lobistas



Rodrigo Constantino

“Poucas coisas são mais perigosas do que deixar algumas pessoas tomarem decisões pelas quais outras pessoas pagam os custos.” (Thomas Sowell)

Milton Friedman destacou quatro maneiras básicas de se gastar dinheiro. A primeira é quando gastamos o próprio dinheiro com coisas particulares. Nesse caso, há preocupação total tanto com o custo como com o conteúdo do gasto. Trata-se de todas as compras que fazemos no mercado para nós mesmos. A segunda forma é quando gastamos dinheiro próprio com terceiros, como quando compramos um presente. Nesse caso, há uma preocupação muito maior com o custo do que com o conteúdo. A terceira opção é quando gastam dinheiro dos outros com terceiros, que comporta boa parte dos gastos governamentais. Não há preocupação nem com os custos nem com o conteúdo, pois a conta é paga pela “viúva”. E uma última forma é quando gastam dinheiro dos outros em benefício próprio. Temos aí a certeza de uma grande festa, com foco total no conteúdo, e preocupação nula com os custos. São todos os desperdícios megalomaníacos que vemos em eventos públicos, ou então aqueles gastos bilionários do governo que beneficiam alguns poucos “amigos do rei”. É justamente para viabilizar esta quarta forma de gastar, ou melhor, de torrar dinheiro, que os lobistas entram.

A expressão “lobista” parece ter sido cunhada pelo general Ulysses S. Grant, durante o governo de Abraham Lincoln. A expansão do governo central durante sua gestão criou oportunidades de lucro para as pessoas ligadas ao Partido Republicano. Entre 1860 e 1874, os impostos das 13 maiores cidades do Norte subiram cinco vezes mais que a população. Os funcionários importantes do governo passaram a ser assediados por grupos de interesse, de olho na quantia crescente de gastos públicos. O nepotismo também teria aumentado, e o próprio general Grant empregou diversos parentes no governo. O general teria criado então o termo “lobista” para se referir aos homens que passavam dias nos lobbies de hotéis em Washington aguardando uma oportunidade para subornar senadores e deputados. Os lobistas de ferrovias e bancos eram especialmente influentes, e tinham sido colaboradores importantes desde a criação do Partido Republicano. O “cargo” de lobista foi depois legalizado nos Estados Unidos.

Isso não quer dizer que os republicanos eram mais corruptos que os democratas ou qualquer outro grupo. Como fica claro na explicação de Milton Friedman, é o próprio aumento do escopo do governo, assim como a concentração de poder em Washington, que gera mais corrupção. E essa era a agenda dos partidos Whig e Republicano na época, sob forte influência de Hamilton. A crença dessas pessoas era totalmente mercantilista, e eles pensavam que cabia ao governo central um relevante papel para desenvolver a economia. Os pilares defendidos eram as tarifas protecionistas, os subsídios internos e um banco central monopolizando a emissão de moeda, para financiar todo o resto. São receitas certas para gerar mais corrupção. As empresas terão total interesse em desviar recursos produtivos para a função do lobista, pois a troca de “favores” políticos rende mais do que qualquer investimento para aumentar a competitividade. Conseguir uma tarifa nova protecionista pode significar o status de monopolista para uma empresa, livre das forças da concorrência. Isso pode valer mais do que qualquer inovação na sua técnica de produção.

O foco nas “melhorias internas” através de subsídios era um dos principais objetivos da agenda econômica de Lincoln. Para os adeptos dessa mentalidade, somente o governo central tinha condições de criar a infra-estrutura necessária para permitir o avanço econômico. No entanto, as estradas privadas proliferaram durante o começo do século XIX, e mais de 400 foram construídas até 1840 sem ajuda do governo. As ferrovias eram o carro-chefe dos subsídios propostos. Mas a experiência mostrava que as incursões do governo no ramo das ferrovias tinha sido sempre um total fracasso. A Union Pacific e a Central Pacific eram tão ineficientes que estavam quebradas assim que ficaram prontas, em 1869. Por outro lado, a iniciativa privada tinha sido capaz de criar grandes ferrovias sem nenhum subsídio. Foi o caso de James J. Hill, empreendedor que construiu uma ferrovia transcontinental sem um centavo do governo.

Aliás, um importante parêntese: Hill pagou pelo direito de passagem às comunidades indígenas, enquanto o governo partiu para um verdadeiro massacre dos índios para limpar caminho para suas ferrovias. O livre mercado opera através das trocas voluntárias, enquanto o governo utiliza a força bruta.

O “pai” da Constituição Americana James Madison compreendia muito bem os riscos de abuso no uso do governo para tais “melhorias internas”. Enquanto era presidente, Madison vetou um projeto de Henry Clay para o uso de US$ 1,5 milhão do governo como subsídio para a construção de canais e rodovias. Seu argumento foi para dar uma lição sobre o respeito à Constituição, já que não havia nada nela que permitisse tal poder ao Congresso. Alguns anos depois, Andrew Jackson vetaria vários outros projetos com o mesmo objetivo, usando os mesmos argumentos e condenando os planos de gastos inconstitucionais com o propósito de influência corrupta. Em 1861, os subsídios estatais para melhorias internas eram proibidos por emenda constitucional em inúmeros estados. A Era Lincoln representaria uma guinada em direção à centralização de poder e abandono de tais restrições.

Hoje temos em Obama o grande ícone dessa concentração absurda de poder nas mãos do governo. Seus pacotes de centenas de bilhões para “salvar” a economia fariam os “pais fundadores” ficarem em completo estado de choque. A magnitude do pacote atraiu, naturalmente, legiões de lobistas para Washington. Todos querem uma fatia do bolo. A competição acirrada deixa de ser pelo melhor atendimento ao cliente final, e passa a ser pelas verbas do governo. O critério não é mais técnico, e sim político. O dinheiro é da “viúva”, portanto, não há muita preocupação com os custos. Os lobistas disputam a preferência dos políticos em busca de medidas protecionistas para suas indústrias, sacrificando os consumidores. A ineficiência nos gastos é inevitável, pela própria natureza dos gastos públicos. Ninguém cuida de um carro alugado como cuida do seu próprio. E a corrupção é outro fator inevitável. O suborno fica tentador demais, pois uma canetada de um político sela o destino de todo um setor, definindo as empresas vencedoras. Os clientes, claro, ficam sem segundo plano.

Para bancar essa gastança desenfreada é preciso emitir papel, pois o aumento direto de impostos costuma ser muito impopular. Claro que no fundo o governo não tem como criar recursos do além; ele tem que tirar dos cidadãos de alguma forma. A emissão de moeda é apenas um imposto disfarçado, o conhecido “imposto inflacionário”. Não há grandes novidades aqui também. Em 1862, Lincoln assinou o Legal Tender Act, delegando poderes ao Secretário do Tesouro de emitir papel-moeda. Os “greenbacks” inundaram os bancos privados e a quantia de moeda em circulação dobrou já no primeiro ano. A inflação que resultou disso foi bastante severa, fazendo o dólar perder valor em relação ao ouro. Atualmente, o Fed, sob o controle de Bernanke, está imprimindo papel em velocidade espantosa. A base monetária dobrou em poucos meses. A história pode não se repetir exatamente, mas com freqüência ela rima...

Para reverter essa situação perigosa, o melhor caminho é atacar o mal pela raiz, ou seja, retirar do governo esse poder astronômico. Seria um resgate dos valores defendidos pelos “pais fundadores” americanos. Enquanto o governo desfrutar dessa montanha de recursos e desse poder infindável, os lobistas estarão no comando. A simbiose entre governo e empresários sai sempre cara demais para o povo. E não adianta sonhar com o “messias salvador”, o santo que irá chegar ao poder e consertar isso tudo de cima para baixo, impondo honestidade nos gastos públicos. Não funciona assim. É da natureza do modelo estatal esta maior ineficiência, assim como a corrupção. Não podemos esquecer jamais que são seres humanos, demasiado humanos, no poder. E como já alertava Lord Acton, o poder corrompe. E os lobistas estão à espreita, prontos para corromper, na primeira oportunidade que surgir. Ainda mais uma oportunidade de US$ 800 bilhões!

4 comentários:

Marcos Bento disse...

assim como os republicanos da época de Lincoln não são mais corruptos que os democratas, também Bush não é mais honesto que Obama. A diferença é que Obama faz a guerra com dó no coração, e aumenta o estado para criar empregos, despudoradamente.

Bush aumenta o tamanho do estado (na forma de déficits crescentes que vão virar impostos no futuro) para fazer a guerra, sem dó no coração.

Unknown disse...

Rodrigo
Antes mesmo dessa crise econômica, li um artigo no qual o autor (não me lembro quem era) dizia ser preocupante o rumo que muitas democracias estão tomando e que, no presidencialismo puro, como é o caso dos EUA, qualquer crise pode concentrar megapoderes nas mãos do presidente.
É o que estamos vendo agora.
No presidencialismo americano, é bem verdade que o Congresso costuma ser ouvido - muito mais e com mais independência em relação ao executivo que no Brasil. Mas aí, é como vc. diz: vêm os lobistas. E com eles, a corrupção, os favores políticos e o uso do estado em prol de alguns. A história mostra que onde quer que a eficiência exija critérios técnicos ou competição democrática, colocar políticos e abrir espaços para lobistas é receita certa para o fracasso. O estatismo pode estar a um passo disso aí e as liberdades democráticas - incluindo-se a econômica - ameaçadas.
Não tenho particular admiração por Soros e quase nada entendo de economia, mas penso que ele está certo quando adverte que, neste momento de crise, a intervenção dos governos na economia deve ter prazo e ser passageira.
Quanto a Obama, vejo, como vc. e outros (não muitos!), que ele chega ao poder "ungido", num momento em que as pessoas estão com medo, e dando claros sinais de que deseja encarnar a figura mítica de Lincoln. É aí que mora o perigo. E como você observa, certos episódios históricos a rigor não se repetem, mas que podem "rimar" podem.
Maristela.

Unknown disse...

Olá, Rodrigo!
Não sei se vc já tem conhecimento desta entrevista dada por Battisti ao jornal francês Le Figaro hoje.
Manchete: BATTISTI: "OS SERVIÇOS SECRETOS FRANCESES ME AJUDARAM A FUGIR"
Link:
http://www.lefigaro.fr/international/2009/01/30/01003-20090130ARTFIG00214-battisti-les-services-secrets-francais-m-ont-aide-a-fuir-.php
Abs.
Maristela

Augusto Araújo disse...

Rodrigo, esta parte

'"...Para reverter essa situação perigosa, o melhor caminho é atacar o mal pela raiz, ou seja, retirar do governo esse poder astronômico..."

Hoje é utópica. Estão todos pedindo ajuda e mais ajuda do governo. Até o McCain durante a campanha presidencial fez pressao para sair o pacotão

Eu acho q é melhor falar: "isto vai da merda", porque definitivamente a mídia e quase todos esperam esta ajuda governamental