terça-feira, outubro 18, 2011

De volta à Idade Média?


Roberto Fendt, Diário do Comércio

Recebo de um amigo a foto acima, onde no cartaz se lê: 1. Pelo
fim de dinheiro lastreado em dívidas; 2. Pelo fim do sistema de
reservas fracionárias (dos bancos) e das taxas de juros compostas; 3.
Pelo fim do Fed (Federal Reserve), o banco central dos Estados Unidos.

O cartaz pode ter sido exibido na manifestação Occupy Wall Street
(Ocupar Wall Street) ou em qualquer outra cidade dos EUA. Suas
propostas são radicais e espelham bem o que pensa uma parcela da
população dos Estados Unidos com relação a seus bancos. Caso as
sugestões fossem postas em prática nos Estados Unidos, que tipo de
sistema monetário resultaria e quais suas consequências para a
economia do país?

Chamamos de “dinheiro” tudo aquilo que é geralmente aceito como
pagamento por bens e serviços que compramos e como quitação de débitos
em que incorremos. O papel-moeda que levamos no bolso atende a esse
requisito. Os depósitos bancários que movimentamos por cheques (quase
sempre) também o atendem.

Há muitas formas de criar-se um depósito bancário. Uma delas consiste
em levar-se papel moeda ao banco e transformá-lo em um depósito. Outra
consiste na emissão, pelo banco, de um certificado de depósito
bancário (CDB). Nessa modalidade, eu empresto ao banco minha poupança
e recebo juros (compostos) pela minha aplicação. Mas um depósito
também é criado quando o banco desconta uma duplicata de um cliente e
deposita o saldo líquido da operação na conta do cliente.

Entendo que é esse último tipo de criação de depósitos que o autor do
cartaz combate. Para dar um fim ao “dinheiro lastreado em dívidas” é
necessário proibir que os bancos criem depósitos a partir de
empréstimos a seus clientes. Esse método de aumentar a quantidade de
dinheiro na economia está indissoluvelmente ligado às “reservas
fracionárias”.

Pouca gente se dá conta que os bancos não guardam a totalidade do
dinheiro que lá foi depositado, embora o saldo existente um depósito à
vista, como o nome indica, possa ser sacado pelo depositante a
qualquer tempo.

De fato, os bancos mantêm como reserva apenas uma fração do total de
seus depósitos (daí o sistema de reservas “fracionárias”), emprestando
o restante a outros clientes que demandam crédito. E os bancos mantêm
apenas essa fração por saberem que os depositantes não retiram
imediatamente e pelo total o valor de seus depósitos.

Eliminar o sistema de reservas fracionárias implica em uma redução
drástica no valor dos empréstimos que movimentam a produção e o
comércio de um país.

Quanto às taxas de juros compostas, muitas pessoas ficam revoltadas
com o fato dos bancos ganharem juros sobre juros quando os empréstimos
são feitos com taxas de juros compostas. Essas mesmas pessoas talvez
não se dêem conta que suas aplicações financeiras são também
remuneradas por taxas de juros compostas, já que a reaplicação dos
recursos investidos (em uma caderneta de poupança, por exemplo)
implica em ganhar-se juros sobre juros.

A última exigência dos que protestam contra o sistema bancário, o fim
do banco central dos EUA, é coerente com as duas primeiras
proposições. Se os bancos forem proibidos de criar depósitos em suas
operações de crédito, ficariam restritos a emprestar apenas o seu
capital e o que captassem das poupanças da população através da
colocação de títulos, como os CDBs. Nessa circunstância, não haveria
necessidade de bancos centrais com todas as funções que hoje
desempenham.

Não haveria problemas sistémicos como os que hoje nos ameaçam, já que
os bancos não estariam criando depósitos, a forma principal do
dinheiro que utilizamos. A quebra de um banco seria um fenómeno
isolado e não criaria problemas para os demais.

Não sei quem escreveu o cartaz, nem sua corrente ideológica. Imagino
que talvez seja alguém de esquerda, protestando em uma das muitas
manifestações que estão ocorrendo nos centros financeiros dos EUA.

Mas não deixa de ser curioso, se a pessoa for de fato de esquerda, que
as propostas contidas no cartaz foram encampadas por alguns dos mais
radicais economistas da chamada “direita”. Um desses, Murray Rothbard,
considerava o sistema bancário baseado em reservas fracionárias “uma
fraude”, justamente por basear-se em reservas fracionárias.

Quem sabe, talvez esse mesmo conceito seja partilhado por alguns dos
protagonistas do Tea Party. De qualquer forma, numa sociedade baseada
na divisão do trabalho e em que poupadores e investidores são grupos
distintos, ligados somente pelo crédito, as propostas nos levariam de
volta à baixa Idade Média.

Comentário: Instigante o artigo de meu amigo Fendt, da Escola de Chicago. O tema das reservas fracionárias é polêmico, e gera controvérsias mesmo dentro da Escola Austríaca. Rothbard era direto ao chamá-la de "fraude". Hayek chegou a escrever um livro levantando a hipótese do "free banking", ou seja, da privatização da moeda; mas, em outras ocasiões, chegou a questionar os custos do fim da reserva fracionária. Sem dúvida isso reduziria muito a oferta de crédito na economia. Mas também reduziria a amplitude dos ciclos econômicos. Como sou ferrenho defensor do livre debate de idéias, publico aqui o artigo do Fendt, para provocar reflexões.

2 comentários:

Leandro Santiago disse...

Olá Rodrigo Constantino. Você já ouviu falar no BitCoin? Trata-se de uma proposta independente que busca substituir - ou ao menos complementar - o "dinheiro" como é hoje, dependente de instituições bancárias, por um dinheiro digital (por isso o bit), baseado num sistema distribuído - portanto independente de qualquer instituição que seja - permitindo a livre troca de valores entre as pessoas em qualquer lugar do mundo, de forma digital e aparentemente segura (embora seja possível ocorrer roubos).

Atualmente vários estabelecimentos e lojas na Internet já utilizam este mecanismo e ele parece estar ganhando força.

Gostaria de saber se você acha viável uma iniciativa deste tipo e, tendo sido a Internet o principal tema do Forum da Liberdade desta ano, você acha que um sistema monetário baseado na Internet poderia substituir ou mesmo modificar o atual sistema?

ps: não, isto não é uma entrevista, só curiosidade minha mesmo :-)

Atenciosamente,
Leandro

gustavosauer disse...

Outro problema que o autor não mencionou era que, num sistema livre, os bancos teriam incentivo para o FRB (fractional reserve banking). Aqueles bancos que adotam o FRB podem obter mais lucros e, assim, tirar os concorrentes do mercado. Os bancos que não adotam FRB podem se ver com dificuldades de sobrevivência.