quinta-feira, dezembro 21, 2006

O Dilema Americano



Rodrigo Constantino

“A guerra preventiva e a mudança de regime via intervenção militar podem nunca ser eliminadas completamente, mas precisam ser entendidas como medidas muito extremas.” (Francis Fukuyama)

Em seu mais recente livro, O Dilema Americano, Francis Fukuyama faz uma análise crítica do papel que os Estados Unidos têm desempenhado no âmbito internacional, assim como levanta vários problemas oriundos da guerra no Iraque. Fukuyama, que foi contra a guerra, conclui que o neoconservadorismo evoluiu para algo que ele não mais pode apoiar. Seus argumentos são desapaixonados, e sua análise imparcial. Os antiamericanos patológicos, infelizmente cada vez mais numerosos no mundo, não vão necessariamente gostar dos pontos de Fukuyama. Mas os neoconservadores radicais, fechados para qualquer crítica construtiva e paranóicos de que qualquer oposição é coisa de comunista, tampouco estarão abertos às palavras do autor.

Para Fukuyama, o governo americano superestimou a ameaça que o islamismo radical representava para os Estados Unidos. Além disso, o governo Bush errou por não ter previsto a reação mundial, fortemente negativa, ao seu exercício de “hegemonia benevolente”. Entretanto, ele entende que os EUA, como única superpotência remanescente, não pode se afastar dos problemas provenientes dos estados fracos ou fracassados, por motivos de segurança ou moralidade. Reconhece também que a ONU não é e nunca será uma base eficaz e legítima de governança global, pois abriga países que afrontam totalmente os direitos humanos e possui um processo decisório burocrático e ineficiente. Uma solução mista deve ser buscada, onde a legitimidade possa coexistir com a agilidade e eficiência.

A mudança de regimes nos países que representam uma ameaça à paz é mais complexa do que parece, pois não pode simplesmente ser imposta de fora para dentro. Punições externas sempre serão menos eficazes do que mudar a natureza subjacente do regime. Por este prisma, a derrubada dos regimes totalitários no Afeganistão e no Iraque fazem sentido somente até certo ponto, pois faltava um plano realista e eficiente para colaborar com estas mudanças mais estruturais. Os regimes não são apenas instituições formais e estruturas de autoridade. E como a guerra deixou claro, todo o poder bélico americano não parece adequado para enfrentar uma insurreição prolongada.

A queda dos países comunistas, especialmente da União Soviética, criou uma sensação de complacência, no sentido de que alterar a natureza de regimes perversos seria mais fácil do que é na realidade. Vários fatores peculiares explicam a derrocada da URSS, e isto sugere que as transformações explosivas do tipo que vimos no mundo comunista constituem provavelmente exceções, e não a regra. Sem dúvida que a clareza moral de Reagan contribuiu para a queda do comunismo, assim como o aumento do orçamento militar americano. Mas existiram muitas outras causas, algumas profundamente arraigadas na natureza do sistema soviético. O sucesso da implosão relativamente rápida do comunismo gerou um clima de euforia, e os conservadores passaram a acreditar que o mesmo iria se repetir no Oriente Médio.

Além disso, para Fukuyama, os ocidentais não estão combatendo a religião islâmica nem seus fiéis, “mas uma ideologia radical que tem apelo para uma distinta minoria de muçulmanos”. Esta ideologia atrai os mesmos indivíduos alienados que em outros tempos teriam gravitado para o comunismo ou o fascismo. As pessoas mais perigosas não seriam então os muçulmanos piedosos do Oriente Médio, e sim os jovens alienados e deslocados que vivem no próprio Ocidente e que, como os marxistas e fascistas antes deles, vêem a ideologia como a resposta para sua busca pessoal por identidade. Impor uma democracia nos países muçulmanos não irá alterar este quadro no curto prazo.

Os meios pelos quais os Estados Unidos devem combater estes problemas podem – e devem – ser questionados. Sem dúvida há muito o que melhorar. Mas ignorar que o país, no passado, distribuiu bens públicos globais, ainda que focando nos próprios interesses, é injusto. A transformação do Japão e da Alemanha em democracias prósperas e aliadas após a Segunda Guerra, o apoio americano às instituições de Bretton Woods e à Organização das Nações Unidas nos anos 1940, o Plano Marshall, a luta na Guerra Fria, a intervenção nos Bálcãs, tudo isso foi benéfico para o mundo, ainda que servindo aos interesses americanos. Nada impede que o mesmo princípio seja posto em prática novamente, e que os Estados Unidos, lutando pela salvaguarda dos seus interesses, faça um bem enorme ao mundo, combatendo o problema do terrorismo e dos estados falidos que representam o “eixo do mal”.

O livro de Fukuyama trata desses dilemas. Segundo o autor, “a guerra no Iraque expôs os limites da hegemonia benevolente dos Estados Unidos”, mas “ela também expôs os limites das instituições internacionais existentes, particularmente a ONU”. A principal tarefa para a próxima geração será a “criação de novas instituições que equilibrem melhor os requisitos de legitimidade e eficácia”. Entretanto, um fato está fora de questão: “O poder americano continua sendo essencial para a ordem mundial”. Vamos torcer para que ele seja utilizado da forma mais inteligente possível. Os que defendem a paz e a liberdade agradecem.

16 comentários:

Renato C. Drumond disse...

Fukuyama foi a favor da Guerra, não? No início do texto está escrito que ele foi contra...

Anônimo disse...

é díficil para um liberal defender certas ações do governo americano -não somente coisas como protecionismo e o tamanho do Estado -mas principalmente o fato que este obriga o indivíduo a pagar por guerras com as quais não necessariamente concorda.

É necessário, porém, pragmaticamente admitir que não fosse a existência dos EUA, é bem capaz que o mundo estaria sob a chefia de Moscou hoje, sofrendo a miséria e tirania inerentes ao comunismo. Nesse sentido, pode-se dizer que o ruim de lutar contra o diabo é que é provável que você tenha que descer ao seu nível, e aprender alguns de seus golpes baixos para ganhar: nações em estado de guerra tendem invariavelmente a uma certa modalidade de coletivismo: todos os cidadãos se empenhando para prover ao Estado a capacidade de travar guerra, evento que geralmente é movido a nacionalismo, que nada mais é do que uma forma de coletivismo. E como os EUA se colocaram como campeões da causa anti-comunista no mundo, é de se esperar que não seja exatamente o paraíso libertário.

Mas constantino, não vejo como o aumento do orçamento militar americano pode ter contribuído para o fim do comunismo. Pra mim, isso teve muito mais a ver com a natural podridão do sistema econômico comunista, e talvez um pentelho com os discursos inflamados de Reagan. Se formos admitir que um aumento (preventivo) do orçamento militar é benéfico ao mundo, isso serve como ótima desculpa para o aumento do Estado. War is the health of the State.

$ disse...

Alemanha e Japão no pós guerra diferem de Afeganistão e Iraque atuais em um ponto nada sutil. Nos primeiros, o inimigo foi derrotado cabalmente.

É preciso destruir o inimigo primeiro e ajudar suas vítimas depois. Ajudar o inimigo por piedade às suas vítimas é construir a própria derrota.

O inimigo de hoje é o Islamismo, como no passado foi o Nazismo alemão e o Shintoismo japonês que deificava o imperador e glorificava a conquista militar.

Parafraseando o secretário de estado americano em comunicado ao comandante militar supremo no Japão logo após a rendição japonesa:

Não se interfira com o Islã, como uma religião de indivíduos. O Islã como política de governamental, imposto de cima para baixo por qualquer governo, deverá ser eliminado.

O Direitista disse...

É curioso que se diga que o comunismo acabou ao mesmo tempo em que os inimigos do Putin são assassinados no velho estilo KGB, em que a Rússia e a China têm investimentos e oferecem apoio ao Irã, em que o Irã é o maior exportador de terroristas para o Iraque e um dos principais responsáveis (junto com a Síria) pelo estado deplorável do Líbano. O comunismo acabou mesmo? A Rússia e a China são democracias capitalistas? Todas as pessoas que durante a vida inteira defenderam o comunismo resolveram mudar de idéia só porque o muro de Berlim caiu?

Rodrigo Constantino disse...

Direitista, o comunismo NÃO acabou, e eu sei disso. Tenho até artigo sobre isso, falando do "morto-vivo" que não morreu. Mas que alguns direitistas vêem comunismo em TUDO, isso é fato, e exagero. Para quem tem apenas um martelo, tudo se parece com um prego. Falar que Clinton é comunista, por exemplo, é too much!

Anônimo disse...

Não me agrada ter os Estados Unidos como xerifes do mundo, mas, infelizmente, a balbúrdia que tomou conta da ONU impõe que haja um outro poder que garanta, se não a paz universal, uma certa tranqüilidade, ainda que baseada na supremacia bélica de um país que, pelo menos, não acena com radicalismos ou fundamentalismos.

Primeiro, porque nunca são justas as decisões unilaterais, mesmo que sejam corretas. Depois, me dá um certo receio a falta de sensibilidade diplomática dos americanos que, apesar de terem contribuído decisivamente para fazer deste, um mundo melhor, nunca souberam usar seus trunfos para se fazerem palatáveis. A propaganda comunista desde o fim da Segunda Guerra Mundial até o fim dos anos setenta foi sempre muito mais eficaz, apesar das esquerdas terem muito pouco a oferecer, e essas manifestações infantis de antiamericanismo nada mais são do que sobras dela, já que o outro lado só acredita em comerciais, sem nunca ter pensado que um investimento em marketing a fundo perdido – como fazia Stalin – pudesse vir a dar tantos frutos como deu ao comunismo.

Esse clima antiamericano institucionalizado mundialmente é desconfortável em todas as circunstâncias e só torna as coisas mais difíceis, mesmo que os xerifes estejam cobertos de razão.

Anônimo disse...

Brilhante frase do $:
" Ajudar o inimigo por piedade às suas vítimas é construir a própria derrota."
.
Comunismo é uma impossibilidade não só pratica como também teorica; a menos que nesta teoria se considere a mágica como argumento. Ou seja, comunismo só é possível na fantasia.
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O que se põe em prática é o socialismo, em sua elasticidade terminológica.
Ninguém jamais pretendeu implantar o comunismo - fraude técnica e fraude ética.
URSS, China, Cuba, Coréia do Norte e etc., não são comunistas nem nunca foram. Falar em nome do comunismo não os faz comunistas, até por admitirem-se ainda na fase socialista, da qual não pretendem sair jamais.
O tal capitalismo chinês, é um "capitalismo restrito" ou capitalismo tutelado, nada diferente do capitalismo de estado da URSS, Coréia do Norte e etc..
O socialismo é uma idéia de Poder totalitário para a classe governante, e esta não eliminar tal idéia. Ou seja, o socialismo jamais enfraqueceu (popularmente "comunismo"), apénas se adapta para sobreviver e até fortalecer-se.
INSISTO na questão por considerar que o uso do termo "comunismo" não contribui positivamente, pois gera certa confusão, da qual se aproveitasm para "opor-lhe" o bondoso socialismo como alternativa.
O comunismo nem mesmo começou, nem é possível, mas o Socialismo está cada vez mais forte, pois que cada vez mais disfarçado: o pior inimigo é aquele que não podemos observar claramente. Negligencia-lo é entregar-se .
Abraços
C. Mouro

Anônimo disse...

Perdão $. O inimigo não é o islamismo. Os terroristas USAM a religião para unir um povo que, desde sua origem é pulverizada, dividido em tribos, muitas vezes, inimigas mortais.

Rodrigo e C. Mouro estão corretos. Não se deve confundir socialismo com comunismo. De fato, o socialismo, lamentavelmente, jamais enfrequeceu. Muito ao contrário, está mais forte e grande como nunca, inclusive nos Estados Unidos, até porque a economia mundial está nas mãos dos socialistas (Fundação Ford, George Soros, família Rotschild, Fundação Carniege, etc.) e a mais forte arma, que é a imprensa e propaganda, mesmo que mentirosa. Não se esqueçam que essa história de "politicamente corretos", "direitos humanos", movimentos das "minorias" (como a dos gays, feminismo, etc.) começaram nos EEUU. A derrota no Vietnam foi imposta pela própria imprensa socialista norte-americana e, agora, a do Iraque, está indo pelo mesmo caminho. Seria muito fácil aos EEUU acabarem com essa guerra não fosse o inimigo que está dentro de sua própria casa.

Anônimo disse...

Perdão. Esqueci de comentar sobre o comentário de C. Mouro sobre o brilhantismo da frase de $. Creio que aqui há um erro de interpretação. Não se trata de "ajudar o inimigo". O inimigo de fato, são sempre os tiranos, que levam o povo à desgraça em suas insanas aventuras. A ajuda é para o povo que, em geral, não é "o inimigo".

Embora saia um pouco do tema, mas, que tem tudo a ver sobre ajuda. Dia destes lí uma frase num dos muitos foruns "lá de fora", que me faz refletir muito: "Caridade é o que a população pobre dos países ricos faz para ajudar os ricos dos países pobres.".

Se pesquisarmos um pouco, vamos descobrir que os países pobres são sempre governados por ditadores tiranos, nada democráticos e/ou liberais, tão ao gosto do "noço" guia.

Em tempo: é muito interessante freqüentar foruns e blogs "lá de fora". Não é difícil notar o quanto o povo americano é solidário e caridoso. E não se diga que seja arrogante; muito ao contrário, são humildes, talvez, por ter formação mais religiosa, fundada em princípios cristãos.

Anônimo disse...

Na prática a frase é perfeita:
"Caridade é o que a população pobre dos países ricos faz para ajudar os ricos dos países pobres."
.
Porém essa população que precisa de ajuda, mais das vezes é exatamente aquela que apóia toda sorte de salafrários e maníacos, na esperança de obter vantagens com isso. Julgo que por tal não merecem ajuda, ...mas como distinguir os que merecem dos que não merecem? ...não dá!
Atentemos para o exemplo cá do 'Feudo Bananéio' também conhecido por brasil (mas é mesmo um braziu), onde os necessitados em sua maioria são meros corruptos que se vendem por muito pouco, recebendo mais do que valem.
Não há como ajudar os necessitados, mesmo os que merecem oportunidade, sem colaborar com os canalhas. Ademais, na prática, toda ajuda fornecida não é para os necessitados, é intencionalmente para os outros canalhas. Pois dificil entender que os EUA davam trigo "de gratis" para a URSS (os produtores apoiavam tal benemerencia); Coréia do Sul dá "ajuda humanitária" para aoréia do Norte; Europa e EUA dão "ajuda humanitária" para os palestinos; Arafat (terrorista que determinou mais mortes que Pinochet) era incensado e finaciado pelos "humanitários" que condenam o "perverso Pinochet", que foi pressionado pelos EUA (as frutas "contaminadas" e tal), os "humanitários" financiam ditaduras na Africa e etc., tem mais, como a 1ª guerra do golfo, que acabou jogando adversários de Sadam nas mãos de Sadam, após vencida pela iniciativa de um general (Schw#@!$%¨&&*) ao ver suas tropas paralisadas pelos burocratas e salafrários politiqueiros, incluso Powel.
Abraços
C. Mouro

Anônimo disse...

Caro C. Mouro,

Estamos "falando" exatamente o mesmo sobre um fato que, lamentavelmente, só se repete. Não por acaso, exatamente nesta noite, vi na TV (não me lembro em qual estação e/ou jornal) a respeito do sumiço da ajuda destinada às vítimas do Tsunami de 2004. É bom lembrar que tais ajudas não são de governos, já que governo nenhum (talvez o Fidel Castro) tem dinheiro, que é sempre do contribuinte.

$ disse...

Caro Mario,

Tenho que reiterar: o inimigo é sim o Islamismo. O Islã como doutrina de Estado, o Islã como religião que prega a conversão pelo fio da espada. Isso é Islamismo.

Sobre o Islã como religião individual, nada tenho a dizer. Cada um tem o direito de acreditar no que bem entende. As duas ascepções acima citadas da palavra "Islamismo" são exatamente como você disse: religião como motivo para a violação do direito alheio (e se por subterfúgio de tiranos ou real devoção a um credo sanguinário pouco me importa).

Como disse C.Mouro, em um "país" em que as massas vão às ruas gritar "morte à América" (que apesar de tudo ainda é o país mais livre do mundo) ou em outro em que o Hamas é eleito por larga maioria, as vítimas estão imersas e misturadas com os culpados.

É necessário destruir o regime, destruir suas bases de sustentação. Haverá vítimas inocentes - mas são vítimas do tirano, não de quem o removeu.

Anônimo disse...

É ...Mário,
funesto que seja, é difícil um mal que não seja feito em nome do bem. A coisa é tão desgraçada que até bandidos tateiam a idéia de que a bandidagem é mera consequência da "maldade egoísta dos ganânciosos", e os admiradores destes bandidos acabam clamando por mais banditismo oficial (governo) para espalhar o "bem comum" e assim construirmos um paraíso aqui na terra.
.
Obs.: quem defende bandido é por ser identificar neles, e não nas vítimas. Tal e qual ocorre com torcedores de futebol, que odeiam e clamam contra o juiz se este rouba o seu time, mas quando rouba PARA o seu time, aí são parcimoniosos e atribuem erros comuns a este, jamais clamam contra os juizes que roubam para seu time.
JAMAIS VI UM TORCEDOR ESBRAVEJANDO CONTRA UM JUIZ QUE ROUBOU PARA O SEU TIME.
.
Abraços
C. Mouro

Anônimo disse...

Ah! ...mais uma vez concordo com o $, é preciso atuar nas bases, sempre nas bases. Não adianta ficar na rama, tem que cortar o tronco.
.
Abraços
C. Mouro

Anônimo disse...

$, o pouco que sei sobre o islamismo me foi contado por alguns muçulmanos que conheço e, ainda assim, porque perguntei. Tenho a impressão que não me fiz entender.

Aproveitando o que C. Mouro escreveu: o que os terroristas fazem é, exatamente, como acontece aqui no brasil (não mais merece ser escrito com maiúscula). Se os torcedores chegam até a se matarem (infelizmente) quando vestem as camisas dos clubes, quando se trata da seleção (por sinal, um fracasso vergonhoso), todos se unem, lado a lado.

A tal da guerra santa dos muçulmanos é, exatamente, a mesma situação. É um povo pulverizado em tribos até mortalmente inimigas. No entanto, os manipuladores conseguem uní-las usando o fanatismo pela religião.

Anônimo disse...

Caro Mário,
foste absolutamente supremo em suas colocações. A analogia foi perfeita, para fazer entender.
(preventivamente, ante experiências, ressalto que analogia não prova nada, mas apenas ajuda a entender).
Congratulações
C. Mouro