terça-feira, dezembro 28, 2010

A ditadura do politicamente correto

Rodrigo Constantino, O Globo

“A unanimidade é burra.” (Nelson Rodrigues)

Ninguém insiste tanto na conformidade como aqueles que advogam “diversidade”. Sob o manto de um discurso progressista jaz muitas vezes um autoritarismo típico de pessoas que gostariam, no fundo, de um mundo uniforme, onde todos rezam o mesmo credo. A Utopia de More, a Cidade do Sol de Campanella, a República platônica, enfim, “um mundo melhor é possível”. Se ao menos todos abandonassem o egoísmo, a ganância, e se tornassem almas conscientes e engajadas...
Mesmo se for preciso “forçar o indivíduo a ser livre”, como defendeu Rousseau, esse parece um preço aceitável a se pagar pelo sonhado “progresso”. Foi com base nesta mentalidade que milhões de inocentes foram sacrificados no altar de ideologias coletivistas. Atualmente, os “progressistas” buscaram refúgio em novas seitas, mas a meta continua a mesma: “purificar” a humanidade e criar um paraíso terrestre onde todos serão igualmente “felizes” e “saudáveis”.
A obsessão pela saúde e pela felicidade, assim como a ditadura do politicamente correto são claramente sintomas da modernidade. Vivemos na era da covardia, onde poucos têm coragem de se levantar contra o rebanho. Estamos sob o controle dos eufemismos, com a linguagem sendo obliterada para proteger os mais “sensíveis”. Todos são “especiais”, o mesmo que dizer que ninguém o é. Chegamos à era do conformismo: ninguém pode desviar do padrão definido, pois as diferenças incomodam muito. Todos devem adotar a mesma cartilha “livre de preconceitos”.
Até mesmo o Papai Noel já foi vítima desta obtusa mentalidade. A obesidade é um problema de saúde preocupante no mundo. Um dos culpados? Sim, o Papai Noel. Um médico australiano chegou a afirmar que Papai Noel é um “pária da saúde pública”, e seria melhor se ele fosse retratado sem aquela “pança”, sua marca registrada. Afinal, o bom velhinho é um ícone da garotada, e no mundo atual não fica bem um barrigão daqueles influenciando as crianças. Papai Noel “sarado”, eis um típico sinal dos tempos.
Qualquer pessoa com mais de 30 anos deve recordar daqueles cigarros de chocolate que as crianças adoravam no passado. Isso seria impensável hoje em dia. Chocolate, e ainda por cima em forma de cigarro? Seria politicamente incorreto demais para o mundo moderno. Diriam que as crianças vulneráveis seriam fumantes compulsivas, tal como acusam filmes e jogos violentos pela violência.
Pensar na possibilidade de que os próprios pais devem educar seus filhos, impondo limites e dizendo “não”, parece algo estranho demais para os engenheiros sociais da atualidade. As “crianças mimadas”, os adultos modernos, preferem delegar a função ao governo, que será responsável pela “pureza” das propagandas. Quem precisa de liberdade de escolha quando se tem o governo para controlar nossas vidas?
Parte importante da liberdade é o direito de cada um ir para o “inferno” à sua maneira. O alimento de um pode ser o veneno do outro. Esta variabilidade humana nos impõe a necessidade da liberdade individual e da tolerância. Ninguém sabe qual o desejo do outro. Infelizmente, estamos vivendo cada vez mais sob a ditadura da maioria. O paraíso idealizado pelos “progressistas” seria um mundo com tudo reciclado, pessoas vestindo roupas iguais, comendo apenas alimentos orgânicos, e andando de bicicleta para cima e para baixo. Paradoxalmente, os “progressistas” odeiam o progresso!
É neste preocupante contexto que chegamos ao fim de mais uma década. Ao longo do processo, alguns indivíduos ousaram remar contra a maré, mesmo que não passassem de vozes isoladas em meio às multidões. Entre os brasileiros, tivemos figuras como Paulo Francis e Nelson Rodrigues, sempre lutando contra a imposição dos medíocres, derrubando os velhos chavões populistas. Seguindo esta tradição, o filósofo Luiz Felipe Pondé lançou novo livro, “Contra um Mundo Melhor”, que pode ser visto como um antídoto amargo a esta doença moderna.
A frase que abre o primeiro ensaio já dá o tom da obra: “Detesto a vida perfeita”. Pondé liga sua metralhadora giratória contra todas as mais nobres bandeiras politicamente corretas, desnudando-as e expondo sua hipocrisia. Numa época em que o homem é praticamente obrigado a ser “feliz”, ainda que seja à base de Prozac, os ataques mal-humorados de Pondé servem para alertar sobre os enormes perigos desta trajetória, tal como Huxley havia feito com seu “Admirável Mundo Novo”.
Que saibamos desconfiar mais da cruzada moral dos “progressistas” e sua retórica politicamente correta. São meus votos para 2011.

6 comentários:

Carlos Vinicius disse...

Rodrigo,

parabéns pelo texto (li n'O GLOBO e procurei na web - acabei parando aqui no blog).

É alentador ver esse tipo de ideia nesse mar de mediocridade que, cada vez mais, vai tomando conta da sociedade, com pessoas repetindo chavões e palavras de ordem, em atitude que beira uma passividade bovina.

Mais uma vez, parabéns e feliz 2011!

Abraço,
Vinicius

Anônimo disse...

impecável, rodrigo, parabéns
seu blog é parada obrigatória neste mar de mediocridade em que vivemos neste país...é uma luz regeneradora

parabéns- obrigada
rodrigo, foi lançado recentemente, pela companhia das letras, um livro de ORWELL chamado - NO CAMINHO DE WINON PIER
Não sei se vc leu, mas procure ler ; acho importante este livro como estudo comparativo ao BRASIL ATUAL DO PT
Gostaria que vc desse sua opinião sobre o livro, se possível

obrigada
feliz ano

Bau disse...

...

Perfeito Constantino...

lembro daquele quadro do TV Pirata, o TV MACHO, em que o Diogo Vilela dizia para o amigo: "Porra, hj tô feliz! cheguei em casa, já dei umas chulapadas na patroa pra mostrar quem manda..." imagine isso nos dias de hoje? e era só humor!

Grande abraço meu amigo, que o 2011 seja como vc quiser, porra! e pra não perder esse post, quero mandar um recado pra Dilma: assifudê!

Do seu amigo Baú

.

mtereza.psico disse...

Hoje cedo ainda ouvi dos milagres do anti-envelhecimento, o mundo está cruel , a criação de padrões de desejáveis fora do que se pode ser
é desumano.
Parabéns!

murilo disse...

Parabéns, Rodrigo!

Seus textos são muito esclarecedores. Gosto quando você viaja nos pensamentos dos filósofos políticos, desde More até Platão...

Feliz 2011!

Fênix Felipe disse...

Só uma observação Constantino. Novidade seria ter alimento inorgânico, todo alimento é orgânico. Eis o típico discurso politicamente correto enraizado!