domingo, julho 22, 2012

Saindo do armário

Elena Landau, O GLOBO

Primeiro foram os aeroportos, depois os portos e refinarias. Agora vem um pacote para aprofundar o processo de concessões para o setor privado e ressuscitar o PAC. Depois de um surto intervencionista, o governo percebeu que é impossível crescer de forma sustentada sem investimentos em infraestrutura e muito menos sem capital privado. Finalmente o PT rendeu-se ao óbvio e abraçou a agenda das privatizações de vez. O problema é que o faz de forma encabulada, tentando fingir que não faz o que faz, e nisso acaba fazendo malfeito.

A verdade é que a privatização nunca foi abandonada. Mudou de forma e foi redesenhada, refletindo circunstâncias econômicas e preferências governamentais, mas nunca deixou de acontecer ao longo dos últimos 20 anos.

A desestatização começou em setores industriais, para depois incluir concessões públicas possibilitando o país cumprir uma agenda de investimentos que o Estado, por falta de recursos e restrições institucionais e políticas, não podia fazer sozinho. As formas de venda também variaram ao longo do tempo: moedas de privatização foram aceitas no início, depois veio a participação do BNDES e dos fundos de pensão. Em muitos casos a privatização foi integral, em outros, empresas estatais mantiveram participações minoritárias nas empresas privatizadas. O fato é que, de Collor a Dilma, o reposicionamento do Estado na atividade econômica nunca parou.

Acontece que o governo petista ficou por muito tempo aprisionado por um discurso eleitoral que satanizava as privatizações. Demorou a sair do armário e mesmo assim continua envergonhado de um processo que só traz benefícios ao país. O grave, no entanto, não é a retórica da política, mas as falhas efetivas da privatização petista.

Primeiro, o processo de privatização petista peca por falta de planejamento. Vende concessões isoladamente sem pensar no setor, como nos aeroportos. Não há um plano de setor aeroportuário, apenas uma venda de ativos premida pela necessidade de melhorar a infraestrutura até a Copa do Mundo. Processo oposto ao das telecomunicações, quando toda a prestação do serviço foi redesenhada através de uma Lei Geral e uma agência reguladora específica foi criada. O setor de petróleo foi redefinido sem a análise e o debate necessários, embarcando em um modelo de exploração do pré-sal que, combinado com a política de conteúdo local, deixa a Petrobras numa armadilha e paralisada.

Segundo, erra na falta de critérios para qualificar os participantes dos leilões. O próprio governo tentou pressionar pela mudança dos consórcios já nos dias seguintes à privatização em Belo Monte. Se o consórcio não era sólido o suficiente para ganhar o leilão, por que não foi impedido de participar na pré-qualificação?

Terceiro, ficou refém do populismo. Muitas concessões de rodovias feitas no governo Lula não tiveram seus compromissos de edital realizados porque o pedágio não cobre os custos. E aí volta a velha prática de aditivos e ajustes no contrato. No setor elétrico, o baixo custo obtido nos leilões, apregoado como vitória política, é compensado por um elevado financiamento público, cujos critérios mudam a cada leilão, para não falar de mudanças do combustível original e dos titulares dos contratos, em completo desacordo do que se espera de um processo de licitação impessoal e transparente. Aos poucos este governo vai tomando consciência que o barato sai caro. Não há almoço grátis: ou paga o usuário ou paga o contribuinte.

Quarto, o governo petista politizou as agências reguladoras e tirou do Cade o poder de avaliar riscos à competição nas licitações públicas. Por fim, a expressiva participação de estatais para disfarçar a privatização, como a Infraero, não permite um choque na gestão nem ganhos fiscais.

Para dar mais competitividade à indústria o melhor a fazer, além de redução de impostos e juros, é melhorar a infraestrutura do país. Para isso, é preciso sair do armário de vez: planejar a privatização dos setores de infraestrutura, aprimorar os critérios de qualificação dos consórcios e fortalecer as agências reguladoras. E claro, governar com a realidade e não com a ideologia dos palanques. Ou seja, acabar com os malfeitos.

ELENA LANDAU é economista e advogada.

6 comentários:

João Emiliano Martins Neto disse...

Governo petista é portador da doença do medo à liberdade. Isso é que é neurose e do quanto o pecado escraviza, pois se há algo inexorável ao homem é a liberdade para, além de deixá-lo com maior direito em ser imagem e semelhança de Deus, mas para testá-lo em qual nível de disposição e consciência para assumir riscos e responsabilidades encontra-se um ser humano.

Penso que a defesa de um dogma, qualquer um, seja no Direito, na Política, em Economia ou mesmo no Cristianismo, deve ser a nível de necessidade axiomática para a defesa de certos pontos de vistas e métodos, mas nunca como empecilho para um debate e ética minimamente lúcidos.

Oremos pelos nossos governantes, não canso de repetir.


JOÃO EMILIANO MARTINS NETO

samuel disse...

Essa conversão tímida e desenxabida vem tarde demaia. 10 anos de perda de tempo.
A previsão é que explodimos em 2014 Mas o governo PT vai procurar empurrar mais para frente. Se conseguir vamos explodir em 2016.
Como vai ser a explosão? VIDE A ESPANHA.

Anônimo disse...

No caso das rodovias, que não se confunda concessão e pedágio. Ou seja, é perfeitamente possível haver concessão, nos mesmos moldes das atuais, sem pedágio. Basta, por exemplo, que os postos de pedágio sejam substituidos por contadores eletrônicos de veiculos que passam, e assim os governos (estaduais e federal) pagariam às concessionárias o mesmo valor correspondente aos pedágios. De quebra, não haveria mais a perda de tempo e incômodo das paradas nestes postos a cada poucas dezenas de kilometros rodados. E os governos continuariam a arcar com as despesas que sempre foram deles, com os nossos impostos. Deve-se lembrar também que os próprios postos de pedágios são fontes de grandes gastos antes inexistentes, já que exigem muito pessoal e instalações caras. Mas a cobrança de pedágio é um truque malandro dos governos estaduais, principalmente de São Paulo e o federal de cobrar mais imposto, disfarçadamente, da população. Não será surpresa se logo os municípios também passarem a pedagiar as estradas municipais.

Paultruc

Mauricio disse...

Paultruc,

Não concordo com essa sugestão.
Essa história de o "governo paga" não existe, o governo não paga nada que ele não tenha cobrado antes, para cada 1 real que ele paga / gasta / investe, é 1 real que foi cobrado dos pagadores de impostos, no caso do Brasil cada real do governo equivale a uns 2,50, se for contar os desvios de dinheiro.

Digamos que o governo fosse pagar por carro, e que você more em São Paulo. Eles abrem um pedágio nesses moldes em Roraima, e que você nunca foi a Roraima e nem pretende ir num futuro próximo. Porém, você, assim como todos os outros brasileiros, vão pagar para as outras pessoas usarem esta estrada em Roraima.. Você acha isto correto? Você não acha que quem deve pagar por determinado serviço é quem utiliza o mesmo?

Mauricio Soares

Anônimo disse...

Mauricio, obviamente você não leu direito meu comentário e não entendeu o meu ponto. Deixei claro que que os gastos dos governos são feitos com recursos dos impostos. E que pedágios significam mais impostos disfarçados, além da altíssima carga tributária já existente. Se for para se cobrar pedágio, que se diminua outros impostos, como o IPVA ou o ICMS, por exemplo.
No ano passado eu e um grupo de amigos rodamos por quase todo o Reino Unido de carro e só pagamos um único pedágio, na ponte que dá acesso ao país de Gales. E depois de conhercer a malha viária do Reino Unido , tem-se a exata impressão de se estar no Terceiro Mundo ao se rodar por São Paulo, para citar o mais desenvolvido, além de se ter que enfrentar os malditos postos de pedágio a cada poucas dezenas de kilometros.

Paultruc

Anônimo disse...

Excepcional análise. Parabéns! É exatamente isso.
Tomara que acordem a tempo de salvar alguma coisa.
Triste, orgulho ideológico ultrapassado e caquético.