segunda-feira, abril 01, 2013

A Maré


Carta mensal da MP Advisors 

"O dinheiro compra até o amor verdadeiro."
Nelson Rodrigues

Não creio que os atuais presidentes dos bancos centrais dos Estados Unidos, Europa e Japão conheçam a obra de Nelson Rodrigues, eles porém concordam e usam a frase à exaustão. Até porque esse dinheiro não é deles e é muito fácil de imprimir.  Como diria Ben Bernanke, além de amor verdadeiro, o dinheiro compra também inflação de ativos.

Nesta carta mensal iremos falar um pouco lá de fora, afinal países periféricos como o Brasil nada mais são do que barquinhos que sobem e descem de acordo com a maré, representada pelos grandes blocos econômicos.  De vez em quando, nosso barquinho é acometido da síndrome de Netuno, que segundo a mitologia acalma e enfurece oceanos, mas logo depois o enfermeiro traz o seu remédio e ele se acalma.

Os dados estão aí: no governo FHC os preços das commodities caíram; no governo Lula subiram 180% e no governo Dilma já caem 15%. Analisando-se o desempenho da economia nacional nestes três governos, entendemos que parte não desprezível do crescimento (ou da falta do mesmo) advém justamente do que acontece no resto do mundo, a famosa maré.  Mesmo que recentemente a estagflação brasileira seja resultado das escolhas de Dilma, ainda assim vale olharmos como andam as coisas pelo mundo.

Em sua última reunião, o Federal Reserve manteve as taxas de juros perto de zero e nos informou que continuará a inundar o mercado de dinheiro, comprando USD 40 bilhões por mês de papéis hipotecários e USD 45 bilhões por mês de títulos governamentais mais longos.   Com isso, o FED irriga a economia (via mercado imobiliário) e mantém as taxas de juros de longo prazo artificialmente baixas.  Porém, Ben Bernanke e seus diretores avisam que o "open bar" tem data e hora para acabar.  Assim que a taxa de desemprego chegar em 6,5% (está em 7,7%) ou a inflação subir além de 2,5% (projeção de 1 ou 2 anos) eles irão começar o desmonte da festa.

Na Europa, as tensões financeiras que tinham acalmado desde o segundo semestre do ano passado, retornaram.  O Chipre, país pequeno e pouco importante, quebrou e teve de ser socorrido. Até aí nada demais se não fosse pela forma que isto está sendo conduzido.  Como contrapartida para uma ajuda de cerca de USD 10 bilhões, a ilhota deverá concordar em "taxar" os depósitos bancários acima de EUR 100 mil em algo como 30%.  É notório que o sistema bancário cipriota é uma máquina de lavar dinheiro ilegal, especialmente da Rússia, porém um confisco é sempre um confisco.  Fica complicado convencer um português, um espanhol, um grego ou um irlandês que ele deva deixar a sua poupança num banco local, após esse "plano collor" cipriota.   A população da zona do euro, criada na filosofia social-democrata,  não está vendo retorno para os ajustes fiscais e já começa a protestar na urnas.  A recente eleição italiana, onde um comediante (e um partido sem estrutura nenhuma) abocanhou 1/3 dos votos, é o maior reflexo disso. 










  


Na Ásia, o Japão cansou de apanhar sozinho na guerra cambial e entrou na farra da impressão de dinheiro. Com isso o yen caiu de 75 para 95 por dólar.  As exportações japonesas agradecem;  o movimento até demorou, tendo em vista que o ambiente era deflacionário desde a década de 90.  Porém sabemos que a guerra cambial, em termos de crescimento global, é um jogo de soma zero.  Agora foi a vez dos japoneses.  Na China, há o começo de um novo governo com metas claras e ambiciosas de crescimento estável em 7,5% ao ano e inflação não superior a 3,5%.  Tarefa particularmente complicada, pois a China está em fase de transição de crescimento via exportação (mão de obra muito barata) para crescimento via consumo interno.  Cabe ressaltar que a demografia chinesa está mudando muito rapidamente e isso terá impactos grandes no mundo.  A taxa de reposição chinesa é de 1,4 filhos por mulher,levando a um envelhecimento acelerado da população. Hoje há 116 milhões de pessoas entre 20 e 24 anos. Esse número deve cair para 94 milhões em 2020 e para apenas 67 milhões em 2030.  Enquanto isso, o time das pessoas acima de 60 anos já conta com 180 milhões, vai para 240 milhões em 2020 e 360 milhões em 2030.  Além do óbvio problema previdenciário, haverá cada vez menos jovens querendo ir para as fábricas, pelo menor número de jovens e por eles quererem fazer faculdade e não ir para uma linha de montagem.   

O modelo chinês, que tanto ajudou os emergentes produtores de commodities, está em franca transição e parece que isso  nem passa pela cabeça das nossas autoridades econômicas.  Aliás, a demografia é sempre vista como uma ciência de longo prazo, porém os efeitos já estão aí.  Parte do que a Europa/EUA vivem hoje (baixo crescimento, contas fiscais que não fecham) já é função de uma população declinante. A figura, no centro da página, ilustra essa desaceleração de longo prazo.

A baixa volatilidade que os ativos financeiros exibem já há quase um ano são um reflexo do fato que os blocos econômicos estão mais ou menos sincronizados em seu expansionismo monetário.  O bom senso indica que isso não deve durar, pois os EUA estão bem na frente do resto em todo processo.  Imaginem o que será um banco central americano recolhendo dinheiro enquanto os outros continuam na festa? Interessante não?  Por hora,  a festa sincronizada dos bancos centrais e a baixa volatilidade parecem continuar, mas não por muito tempo.  O fato é que o mundo está envelhecendo, as fontes de crescimento econômico estão se esgotando e a dívida de quase todo mundo está muito alta.  Como a conta fecha?  A resposta de médio e longo prazo é complicada, um pouco mais de inflação, um Chipre aqui e outro acolá, alguma revolução tecnológica?  Mente quem diz ter visibilidade nisso.

No curto prazo (até o fim deste semestre) a inflação global deve se manter comportada, e com isso a renda fixa (bonds) corporativa deve continuar atrativa (embora bem vulnerável ao fim da festa).  As ações de empresas americanas devem continuar a se valorizar, embora mais caras que seus pares europeus.  Falando em ações, a pobreza das ações brasileiras frente ao resto do mundo também deverá permanecer ( motivos aqui explicados anteriormente).  Gostamos particularmente (porém sempre selecionando) do setor imobiliário (fundos imobiliários e empresas do setor) nos Estados Unidos, que ainda oferece diversos ativos com boas chances de ganho.  Não vemos o ouro com valorização abrupta de curto prazo, porém achamos que as quedas devem ser aproveitadas para posições de médio e longo prazo contra a inflação global que tem boas chances de ocorrer.  Em resumo, a festa do dinheiro barato ainda deve demorar mais um pouco, mas o fim dela não deverá ser tranquilo não.  

5 comentários:

Anônimo disse...

Rodrigo excelente artigo, a má alocação de recursos no BRasil além de visível, é uma aberração, todos os preços que o Midas Reverso (Governo) botou a mão ele distorceu, hoje se fala em R$ 1 milhão como se fosse fichinha de café, uma série de investimentos que não deveriam existir, hoje estão sendo propagandeados como o Sto Graal, tenho medo do futuro que nos espera.

Anônimo disse...

FUTURO NOVO.................SÓ UMA ESTRATÉGIA COMPLETA...EQUILIBRADA...E ROBUSTA , pode conduzir o País ao caminho do Progresso das pessoas , das famílias e das empresas...com TRABALHO....PRODUTIVIDADE...e REFORMA TRIBUTARIA / FISCAL...
O TRABALHO NÃO DEVE PAGAR QUALQUER IMPOSTO...!!!
Quem trabalha ,( e produz riqueza ) , trabalha para si , para a sua família , para a sua empresa , para o seu município , para o seu País...
MERECE UM INCENTIVO...MERECE UM LOUVOR...MERECE UM PRÉMIO...e nunca um imposto...e mais grave ainda um imposto progressivo...quanto mais trabalha mais paga...
É UMA GRAVE INJUSTIÇA COBRAR IMPOSTO SOBRE O TRABALHO...
E um dos maiores erros da nossa sociedade...sendo urgente corrigir tal erro que é de uma injustiça COLOSSAL...
O Estado só deve cobrar impostos JUSTOS...sobre o Consumo , a Poluição e os Vícios...e todos os outros impostos devem ser ABOLIDOS...
A redistribuição dos rendimentos deve ser feita apenas no investimento do Estado...e nunca na cobrança dos impostos...
Os impostos injustos sobre o TRABALHO devem ser PROÍBIDOS imediatamente...para que haja um mínimo de JUSTIÇA FISCAL...
Adere aos Grupos NOVO OCIDENTE e REVOLUÇÃO DO BOM SENSO...
SE CONCORDA...partilha ... um abraço de agradecimento do manuel.ferreira82@yahoo.com.br

Anônimo disse...

Rodrigo, qual sua opinião sobre o bitcoin?

Alexandre disse...

Rodrigo,
se puder dá uma olhada em um post do Reinaldo Azevedo: "Aguardo que os entusiastas da elevação de juros expliquem por que a elevação de 0,25 ponto na Selic baixaria a inflação". Até os mais brilhantes comentaristas políticos ficam completamente perdidos quando o assunto é economia.

Claudio Solon disse...

Por favor esclareça: quem tem que pagar impostos? Na Europa, p.e. na Holanda, a empresa paga 25% sobre o lucro líquido, ou seja depois de deduzidos os custos e despesas. Já o empregado, paga mais de 40% sobre sua renda. Mas, saúde, educação, segurança, transporte público, toda a infraestrutura, enfim, tudo que é essencial funciona à perfeição. Já na China, não existe nenhum tipo de serviço social à exceção da educação gratuita e de qualidade. O estado chinês investe quase tudo em infraestrutura. Eles trabalham 11 meses por ano e recebem 11 salários. Nada de férias remuneradas, 1/3 sobre férias, 13o. salário, fgts, CSLL. Não é de se admirar que tenham uma das mais elevadas taxas de poupança interna do mundo. Então, apócrifo, o que v. realmente propõe? Que modelo v. pensa ser o mais interessante?