quinta-feira, junho 09, 2011

A magia do dinheiro

Raghuram Rajan, Valor Econômico

O crescimento econômico nos Estados Unidos parece ter voltado a se desacelerar. Isso pode ser reflexo de fatores temporários, como o tsunami no Japão, que rompeu cadeias de fornecimento e provocou a interrupção de algumas fábricas. Ou como os preços elevados do petróleo, que impactaram a renda disponível e inibiram o crescimento da demanda dos consumidores. Esses fatores levaram ao aumento dos estoques - e, portanto, a cortes na produção.

As recuperações raramente chegam desacompanhadas de percalços ao longo do caminho, especialmente quando são tão frágeis quanto esta. Independente de os fatores por trás desta última desaceleração serem passageiros ou duradouros, haverá pressões para o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) fazer algo.

Alguns americanos veem o presidente do Fed, Ben Bernanke, como um mágico dos dias modernos, capaz de reanimar a economia com um movimento de sua varinha mágica monetária - primeiro, taxas de juros ultrabaixas, depois, flexibilização quantitativa e, então, talvez, impressão de dinheiro. Se a inflação estiver baixa, querem que o Fed use todos os encantos conhecidos para recuperar a economia. Assim como os generais da primeira Guerra Mundial, que reagiam a cada massacre de seus homens enviando ainda mais tropas para as trincheiras na vã tentativa de superar o inimigo, os sujeitos do "dinheiro grátis", quando suas políticas parecem não estar funcionando, reagem bradando: "Mais!".

Mais do que qualquer outra ação política, a política monetária sofre da sensação de que há almoços grátis. As taxas de juros, contudo, são um preço sobre a poupança que é transferido aos gastadores. Quando o Fed reduz esse preço (e alguns economistas contestarão sua capacidade para empurrar qualquer taxa de juros significativa para baixo), tributa os que produzem a poupança e subsidia os que gastam essa poupança.

Uma forma de ver é que os investimentos das empresas são contidos pela rigidez dos mercados de trabalho (os salários estão teimosamente altos). Além disso, benefícios significativos para a sociedade - por exemplo, famílias e comunidades mais coesas - decorrem dos investimentos que criam empregos, então, uma taxa de juros mais baixa dará às empresas o subsídio necessário para investir.

Há, entretanto, evidências escassas de que o verdadeiro problema restringindo os investimentos sejam salários demasiado altos (muitas empresas reduziram as horas extras e os benefícios e até cortaram salários durante a recessão). Além disso, com as taxas de juros para as grandes empresas em seus níveis mais baixos em décadas (em termos reais, as taxas são negativas para as grandes empresas, portanto, os poupadores estão na prática pagando às empresas para captar seu dinheiro), o custo do capital provavelmente não é o principal motivo para não investirem mais nos EUA. Subsídios enormes certamente induziriam as empresas a reconsiderar, mas não deveríamos nos perguntar se há formas mais eficientes de consertar os problemas que vêm limitando as empresas?

Uma segunda forma de ver a questão é que as famílias estão assustadas e poupando em excesso -precisam ser empurradas de volta ao consumo, por meio da redução do retorno que recebem pelo dinheiro poupado. É difícil imaginar, contudo, que estejam poupando demais, uma vez que o índice de poupança do consumidor nos EUA está em cerca de 5% e as famílias continuam profundamente endividadas.

Uma terceira forma é impulsionando o valor dos ativos, como ações, bônus e imóveis residenciais, o que faria as pessoas se sentirem mais ricas - e, portanto, mais propensas a gastar. Para que esse canal seja sustentável, no entanto, os ganhos no patrimônio das pessoas precisam ser permanentes. De outra forma, tudo o que aumentar vai recuar, deixando as famílias ainda mais temerosas dos mercados financeiros.

Por fim, e quanto à própria inflação? Embora a inflação dos salários nos EUA esteja contida, a política monetária mundial provavelmente está excessivamente frouxa - um motivo para os preços dos petróleo terem decolado. O Fed culpa (acertadamente) os bancos centrais estrangeiros de manter as taxas de juros baixas demais, para evitar a valorização de suas moedas em relação ao dólar; mas o Fed não pode guiar suas políticas presumindo que os demais reagirão com o ideal teórico. Os altos preços atuais do petróleo, que agora restringem o crescimento nos EUA, são em parte uma consequência involuntária da política monetária atual.

Há muitas outras coisas que os EUA precisam fazer para criar um crescimento sustentável, incluindo melhorar a qualidade de sua força de trabalho e infraestrutura. Tornar o dinheiro ainda mais fácil não é uma delas.

Raghuram Rajan é professor de Finanças na Booth School of Business, da Universidade de Chicago, e autor de "Fault Lines: How Hidden Fractures Still Threaten the World Economy". Copyright: Project Syndicate, 2011.

Um comentário:

samuel disse...

"... As taxas de juros, contudo, são um preço sobre a poupança que é transferido aos gastadores. Quando o Fed reduz esse preço tributa os que produzem a poupança e subsidia os que gastam essa poupança." É SEMPRE BOM LER ALGUEM DIZENDO ONDE ESTÁ O PROBLEMA.