sexta-feira, agosto 21, 2009

Uma Bolha em Gestação?



Rodrigo Constantino

“Não há meios de evitar o colapso final de uma expansão econômica provocada pela expansão do crédito. A alternativa é apenas se a crise deve vir mais cedo como o resultado de um abandono voluntário de mais expansão de crédito, ou depois como uma catástrofe final e total do sistema monetário envolvido”. (Ludwig von Mises)

A bolha americana que estourou em 2008 teve sua origem na excessiva expansão de crédito imobiliário, assim como na manutenção de taxas de juros artificialmente reduzidas pelo Fed. Os principais veículos para a explosão do crédito imobiliário foram as semi-estatais Fannie Mae e Freddie Mac. Não deixa de ser curiosa, portanto, a acusação de que foi o livre mercado que causou a crise, sendo apresentado como solução mais regulação e controle estatal no setor financeiro. Quando o diagnóstico está errado, a probabilidade de se repetir o erro é grande.

Dessa vez, o erro pode estar sendo feito no Brasil. Quando o Banco do Brasil divulgou seu último resultado, o ministro Guido Mantega chegou a convocar uma entrevista coletiva para celebrar o crescimento da carteira de crédito do banco, alertando que os bancos privados poderiam “comer poeira” se não seguissem o mesmo curso. Chega a ser temerário um ministro da Fazenda estimulando dessa forma o crescimento do crédito, num momento onde a cautela se faz necessária. Será que não aprendemos nada com os problemas dos americanos?

Somando-se o total de crédito concedido pelo Banco do Brasil, BNDES e Caixa Econômica Federal, chega-se a um crescimento de cerca de 30% comparado ao ano anterior. O total do passivo desses três bancos aumentou 36% nesse período, sendo que o patrimônio líquido deles permaneceu praticamente estável. Em outras palavras, o grau de alavancagem cresceu de forma impressionante. Esses bancos estatais possuem apenas um real de patrimônio para cada dezessete reais de passivo. São apenas R$ 70 bilhões de patrimônio sustentando um passivo acima de R$ 1,2 trilhão. Em contrapartida, os dois maiores bancos privados do país, Itaú Unibanco e Bradesco, possuem pouco mais de R$ 1 trilhão de passivo, para quase R$ 90 bilhões de capital, uma alavancagem perto de 12 vezes. Ou seja, os bancos privados demonstram mais responsabilidade no que diz respeito ao grau de alavancagem.

Como fica claro, parece muita ingenuidade delegar ao próprio governo o controle do crédito, achando que ele será capaz de evitar a formação de bolhas. Os governantes costumam focar nas próximas eleições, ignorando os riscos de suas medidas no longo prazo. Com uma quase obsessão pelos dados trimestrais do PIB, esquece-se do perigo da bolha de crédito. “No longo prazo estaremos todos mortos”, repetem os seguidores de Lord Keynes, ignorando que um dia o longo prazo chega, cobrando a fatura com juros e correção monetária.

É verdade que o patamar de crédito em relação ao PIB não é dos maiores no Brasil, se comparado ao nível dos países mais desenvolvidos. Segundo o Banco Central, o total de empréstimos bancários no país representa 37% do PIB, o maior valor desde o Plano Real, mas ainda bem abaixo da média dos países ricos. No entanto, o crescimento na margem tem sido espetacular, levantando dúvidas quanto à sustentabilidade dessa situação. Além disso, não se pode descartar a significativa redução na taxa Selic, que chegou ao menor patamar desde sua criação em 1986. Apenas nesse ano, a taxa já foi cortada em cinco pontos percentuais. Os efeitos disso costumam levar algum tempo para aparecer, mas é inegável que bastante lenha foi jogada na fogueira da economia.

Não é meu objetivo aqui alardear uma crise iminente de grandes proporções. Apenas considero fundamental para a boa saúde econômica o constante alerta em relação aos estímulos artificiais do governo para produzir crescimento econômico no curto prazo. Por negligenciarem este importante alerta, os americanos sofreram bastante recentemente, com o estouro da bolha de crédito (e infelizmente parece que ainda não aprenderam a lição também). O crescimento sustentável de um país deve ser resultado de maior poupança de capital, servindo de lastro para investimentos produtivos que possibilitam ganhos de eficiência no uso dos insumos. Depender do aumento artificial do crédito, sem uma contrapartida na poupança, pode ser apenas uma hipoteca do nosso futuro. Até quando o estímulo do crédito será capaz de sustentar os bons dados econômicos, que por sua vez ajudam a manter o otimismo nas bolsas?

15 comentários:

Luiz Mário Brotherhood disse...

O ministro fala isso e todo mundo bate palma. Os professores da minha universidade falam que só o governo se importa com o longo prazo, enquanto que o mercado só leva em consideração o curto prazo.
Mises nos oferece a valiosa lição da epígrafe desse post, e o guru keynesiano do Paul Krugman fala: "eu sempre acreditei que uma bolha especulativa não leva necessariamente a uma recessão, enquanto que as taxas de juros sejam cortadas o rápido suficiente para estimular investimentos alternativos".
É triste...

Adamos Smithson disse...

Não entendo... No outro tópico você disse que todo banco é insolvente. Agora você diz que o patrimônio líquido do BB é positivo. São múltiplas personalidade ou desonhecimento do conceito de insolvência?

Anônimo disse...

Desculpe, sou leigo no assunto.
Qual a importância da poupança para a economia ?

Rodrigo Constantino disse...

Não, não, fake "liberal" AS... Patrimônio positivo não quer dizer que os bancos não são insolventes. Ocorre um desencontro de liquidez entre passivos e ativos. SE todos os correntistas resolverem demandar seus depósitos à vista mesmo, os bancos não têm reservas para honrar. Para cada R$ 1 que vc deposita no banco, ele empresta uns R$ 10 para terceiros. A conta não fecha. Vc tem depósitos À VISTA, não se esqueça disso. Mesmo assim, o banco não pode honrar todos os depositantes. Ele conta com a fé de que apenas uma pequena parcela irá demandar o cash de seus depósitos. Mas ele está insolvente.

Rodrigo Constantino disse...

Antonio, poupança é a produção que não foi consumida para ser investida em aumento de produtividade. Pense no caso de Robinson Crusoé numa ilha que fica mais fácil entender. Para investir, ele precisa antes poupar, ou seja, produzir mais do que vai consumir.

Adamos Smithson disse...

Rodrigo,

A DEFINIÇÃO de insolvência é ter passivo maior que ativo, ou patrimônio líquido zero. Você se concedeu o direito de determinar quem é liberal e quem não é, mas você ainda não tem o direito de alterar o significado de todas as palavras da economia e das finanças.

Veja o link http://www.bloomberg.com/invest/glossary/bfglosi.htm:

Insolvent - A firm that is unable to pay debts (its liabilities exceed its assets).

Liabilities = passivo
Assets = ativo

O que você está dizendo é que se todas as pessoas a quem o banco deve resolverem cobrar as dívidas ao mesmo tempo, o banco não vai conseguir honra-la, pois ele não vai conseguir transformar seu ativo instantaneamente em caixa. Só que isso não é insolvência, pela definição de insolvência. Fosse essa a definição, qualquer tipo de empresa que tivesse CAIXA menor que PASSIVO seria insolvente, certo? (a dívida da empresa tem data para ser exercida, é claro, diferentemente do banco. Mas ainda assim ela deve.)

Mas tudo bem, sou muito flexível. Vamos expandir durante a duração desse artigo a definição de insolvência para incluir a corrida aos bancos.

Ainda nessa definição, o que aconteceu nos bancos de quase todos os países em 2008 foi mais do que nosso conceito expandido de insolvência. Os ativos desses bancos de fato ficaram menores que seus passivos. Seu patrimônio líquido de fato ficou negativo. Mesmo que eles tivessem liquidez, ainda assim não seriam capazes de honrar suas dívidas. ISSO não aconteceu no Brasil.

Para que não acontecesse, nós pagamos o "preço" antes da crise, através do peso da regulação. Esse preço, na minha opinião - e imagino que na sua também - é MAIOR do que o benefício gerado pelo fato dos bancos não terem quebrado. Portanto a regulamentação não se justifica, embora seja muito fácil pensar só no que acontece durante a crise e achar, erroneamente, que ela se justifica.

Você parece achar que regulamentação, ou Estado, SÓ geram efeitos negativos. Nesse aspecto, nós não concordamos, e eu acho que é muita tolice sua. É claro que regulamentação gera efeitos positivos. O problema é que ela também gera efeitos negativos, e, salvo raras exceções, os efeitos negativos são maiores que os positivos, injustificando, portanto, as interveções.

No caso dos bancos, a intervenção através da regulamentação manteve os ativos dos bancos brasileiros maior que seus passivos, o que é um efeito positivo (não vou usar mais o termo insolvência, para não criar confusão). Entretanto, isso deixou a operação dos bancos mais cara, no perído de não-crise. Esse custo maior eventualmente foi transmitido para os clientes, o que é um efeito negativo. Matematicamente, não havendo externalidades - o que eu não vejo no caso, mas não sou especialista - a utilidade negativa gerada pela intervenção É menor do que a utilidade positiva por ela gerada, e, por esse motivo, um liberal a rejeita. (e um não liberal só a apóia porque é um analfabeto econômico ou um mal-caráter)

Eu sei que você vai falar que discorda de tudo que eu escrevi, porque você não pode dar o braço a torcer e falar "tá, nisso eu concordo" pois isso descaracterizaria seu personagem, mas tudo que ta aí é verdade e embasado em ciência, e não em palpite.

Adamos Smithson disse...

"ou patrimônio líquido zero" deveria ser "ou patrimônio líquido menor que zero".

Nem eu tô concordando com o que eu escrevo!

Adamos Smithson disse...

Aliás, eu tenho uma dúvida: na sua ideia de mundo liberal ideal, o Estado tem monopólio da emissão de moeda ou não?

Eu sei que hoje os bancos privados podem "gerar" dinheiro, mas a quantidade de dinheiro que eles podem gerar é determinada pelo Estado/BC, então o monopólio de emissão ainda é do BC, mas ele "terceiriza" parte dessa emissão para os bancos.

Na total ausência de interferência do Estado na Economia, o Governo não deveria emitir moeda, nem impor o depósito compulsório. É isso que você considera o ideal?


(eu só estou perguntando porque esse é um tema que divide até mesmo os anarco-capitalistas)

Adriano disse...

Rodrigo, deixa uma sugestão de tema para o próximo artigo: Sobretaxa contra calçado chinês deve encarecer tênis [ http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u613366.shtml ]

Petrucchio disse...

Ess AS é chato! Incrível como tem gente que não presta atenção.
E o pior, posa de entendida do assunto. E é inflexível.

Adamos Smithson disse...

Petrucchio,

Muito boa resposta. Repleta de argumentos relacionados à discussão.

Como disse Eleanor Roosevelt: "Great minds discuss ideas. Average minds discuss events. Small minds discuss people."

Obrigado,
Adamos.

Adamos Smithson disse...

Esse negócio de ficar usando citações eu aprendi com o Rodrigo!

Gian disse...

Bem, acredito que essa crise foi gerada por intervenção estatal, mas de um modo mais abrangente do que as as agências semi-estatais norte-americanas.
A bolha de crédito imobiliário foi apenas um sintoma de uma bolha maior, da qual são também sintomas a bolha de commodities e crises anteriores (como a asiática), provocada pela exploração dos chineses pelo seu próprio governo. É essa exploração, que provocou um excesso de liquidez mundial que derrubou os juros, a responsável pelo barateamento do dinheiro nos países mais ricos, e as bolhas imobiliárias, decorrentes, nos EUA, Espanha e assemelhados.

Everardo disse...

AS, os liberais são favoráveis às leis (do Estado, claro) que garantem a leal concorrência? Ou, a favor da intervenção do Estado para evitar a concorrência desleal? Ou, rsumindo, à intervenção do Estado nos "mercados"?

cessna disse...

Rodrigo, nesse texto vc usou a expressão "juros e correção monetária". Por favor, vamos apagar a "correção monetária" de todos os dicionários, senão a moda volta.