terça-feira, janeiro 26, 2010

O Apogeu do Estado-Babá



João Luiz Mauad, O Globo (26/01/2010)

“Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas tão logo cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.” (São Paulo, 1 Coríntios 11:13)

A repercussão da tragédia ocorrida em Angra dos Reis e Ilha Grande, na virada do ano, revelou uma clara tendência da opinião pública para achar que tudo poderia ter sido evitado, bastando que as autoridades tivessem agido de forma adequada e preventiva. Será que isso é verdade?

Alguma culpa os governos têm – e eles sempre têm! O olhar negligente, populista e demagógico das autoridades sobre a ocupação e o desmatamento desenfreados das encostas é criminoso. Assim, as mortes nas favelas de Angra não só poderiam como deveriam ter sido evitadas.

Já o caso da Ilha Grande, onde houve maior número de vítimas, foi muito diferente. Ali não havia desmatamento nem ocupação desenfreada de encostas. As fotos aéreas dos locais mostram claramente as cicatrizes deixadas pelas avalanches sobre a mata verde, intocada. O problema foi que choveu uma enormidade. Uma chuva torrencial e extraordinária. Não houve falha ou negligência, mas uma ocorrência natural fortuita, com a qual a humanidade convive há milênios.

Naquele mesmo período, o noticiário internacional foi dominado por fortíssimas nevascas e ondas de frio intenso, que acometeram europeus e norte americanos, causando centenas de mortes. Da Suíça, por exemplo, chegaram notícias de grandes avalanches em estações de esqui, com várias vítimas fatais. Será que o governo suíço, tido como um dos mais eficientes do mundo, deve ser responsabilizado por tal tragédia? Deveria este mesmo governo, de forma preventiva, proibir a construção de novas estações nos Alpes, novos hotéis e pousadas, a fim de evitar outras ocorrências do tipo, como muitos pretendem fazer aqui, em relação ao polo turístico da Ilha Grande?

Definitivamente, parece que inculcaram na opinião pública a cruel esperança de que o Estado é capaz de nos manter eternamente protegidos e seguros. Enquanto a habitual inépcia, a permanente negligência e a recorrente corrupção dos agentes públicos geram louváveis reações de revolta, tais reações, paradoxalmente, trazem consigo um clamor exagerado por mais e mais intervenções, regulamentações e restrições legais sobre a atividade econômica e a propriedade privada, como se já não bastasse o indefectível furor legiferante dos governos.

A lembrança que me vem à mente, sempre que deparo com a reação de cidadãos adultos que, atemorizados diante das notícias de um trágico fenômeno natural, bradam por mais intervenção estatal, a fim de manter-nos todos protegidos e seguros, é a dos meus filhos, ainda pequeninos, assustados por monstros imaginários durante a noite, berrando pela minha proteção, sem saber que seu pai estava muito longe de ser o super-homem que imaginavam. No caso dos governos, a coisa é ainda pior, pois eles são os próprios algozes. Querem nos tutelar, não são fiéis, não são sinceros, não obedecem as suas próprias leis. Embora necessários, eles precisam ser constantemente vigiados e controlados pela sociedade, e não o inverso.

Benjamim Franklin costumava dizer: “quem abre mão da liberdade, em nome de alguma segurança, não merece nem uma nem outra”. A liberdade pressupõe algum tipo de risco. Mesmo a mais comezinha das atividades, como um passeio na praia, apresenta riscos à vida ou à saúde. Se nos deixarmos paralisar por eles, seremos nada mais que escravos do medo.

Uma sociedade onde a liberdade é abandonada em prol da busca por uma segurança extremada (e jamais alcançável), é uma sociedade fadada ao fracasso. Um dos motores do progresso humano é a coragem para enfrentar riscos. Colombo jamais teria chegado à América, Santos Dumont nunca teria voado e o homem não teria pisado na lua, caso não assumissem riscos. Dói pensar que estejamos nos transformando numa enorme massa de gente amedrontada e passiva, dominada pela pueril expectativa de que a quimera da segurança absoluta possa ser provida por um Estado-Babá.

Pessoas maduras não abrem mão da responsabilidade de comandar o destino de suas vidas. Esse comportamento adulto, no entanto, parece ter sido deixado de lado por muitos, se não a maioria, na vã esperança de que um governo todo-poderoso seja capaz de fazer por eles aquilo que deveriam fazer por si mesmos. Aquela atitude madura, de que nos fala São Paulo, parece cada vez mais distante. É o medo, e somente o medo, que predomina.

-
Comentário: Eu não costumo reproduzir artigos de outros autores no blog, mas vou abrir uma exceção a este excelente artigo do meu amigo Mauad, pois faço de suas palavras as minhas. Considero essa postura infantil, que substitui o Pai "perfeito" pelo Estado idealizado, um dos maiores males do mundo moderno, um verdadeiro câncer que leva ao totalitarismo. O esquerdismo é a doença infantil da humanidade...

5 comentários:

fejuncor disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
fejuncor disse...

Tal postura, inclusive, varia de região a região.

Aqui em Santa também não vi ninguém rezingando do estado quando daquele drama dos desbarrancamentos, tinham consciência do que se tratava – a não ser de Lula só aparecer uma semana depois (no Haiti já 1º dia abriu os cofres, ali “rende” mídia, claro). Quem faz muito essa abordagem comparativa e me agrada é A. Carlos Almeida pondo vis-à-vis diferenças de comportamento regionais “é mais fácil punir um deputado atropelador paranaense do que um deputado atropelador nordestino”. E ele prova empiricamente.

Decerto essa inclinação a resmungar de imediato do governo pra toda e qualquer ocasião perde força conforme se caminha ao Sul do país. Sem preconceito. Mera constatação.

Aprendiz disse...

Prezado Rodrigo

Neste caso em particular, discordo de você e do Mauad. As encostas da Serra do Mar, muito frequentemente estão perto das condições para escorregamento. Existe, no Brasil, conhecimento técnico para estimar isso com alto grau de acerto.

Portanto erraram os engeheiros que assinaram os projetos, que deveriam ter consultado um engenheiro especializado em solos. Não precisava nem de visita técnica, bastava obter os dados cartográficos (e geológicos, se houvessem) e enviar por e-mail ou correio. Já seria o suficiente para uma primeira estimativa.

Errou também a prefeitura. Se não tinha pessoal capacitado (é normal que não tenha, pois estudo de encostas é uma área mais especializada), poderia enviar informações sobre os casos duvidosos para o pessoal da Universidade de São Paulo ou do IPT, que tem bastante boa vontade com as pequenas prefeituras, não seria um custo absurdo.

Não é possivel impedir todos os acidentes, mas pelas imagens que ví na tv, algumas daquelas encostas teriam de ter sido consideradas áreas de risco.

O caso de Santa Catarína é diferente, várias áreas foram utilizadas ilegalmente. Também é diferente o caso Suiço, pois a neve é muito mais imprevisível, varia de ano para ano.

fejuncor disse...

Mas a maioria estava legal, Aprendiz. A rodovia SC-401 digamos, ligação entre o Centro de Floripa e o Norte da Ilha cujo histórico não constava nada parecido foi bloqueada por um gigantesco deslizamento, assim como a BR-101 na altura da Enseada do Brito dentre outros locais. Óbvio que passarão por uma revistoria, contudo, pelo vulto tão atípico que foi aquela sobreposição de acontecimentos climáticos não dá para falar em descaso. Erros pontuais serão encontrados, embora especificamente aqui não tenha sido a regra. No Brasil normalmente é.

Felipe Santos disse...

Aprendiz,

Não sei se já leu, mas deve ter lido, essa reportagem da Época com o Sérgio Cabral... ele culpa os governos anteriores, mas pelo que ele diz, não dá pra saber se a área era mesmo segura ou não... eu pelo menos achei que ele se contradisse...

Trecho:

ÉPOCA – Por que a tragédia foi tão grave em Angra e Ilha Grande?

Sérgio Cabral"Angra tem o terceiro maior índice pluviométrico do país, comparável ao da Amazônia. Choveu ainda mais do que o normal nessa época. E o solo é poroso, solo de mata atlântica. Não sou geólogo, nem meteorologista, nem especialista, mas, ao sobrevoar com o ministro Geddel (da Integração), vimos na Ilha Grande várias áreas intactas, cobertas de mata atlântica e que, mesmo assim, vieram abaixo com os temporais. Isso nos leva a crer que não dá para construir sobre rocha nem na base de matas intocadas, como foi o caso da pousada Sankay. Temos que ouvir mais os especialistas. Mas não dá para construir sobre rocha, sem afastamento. Ou seja, construções assim não colocam em risco a mata, mas quem está morando nela ou se hospedando ali. Não vamos impedir tragédias naturais, é claro, mas precisamos reduzir ao máximo a perda de vidas."

Na íntegra: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI114958-15223,00.html