quarta-feira, abril 18, 2012

O liberalismo no Brasil


Rodrigo Constantino*

O Brasil é um país com imensa desigualdade material, enormes focos de miséria, elevada corrupção e baixa renda per capita. A esquerda culpa o “neoliberalismo” por esses males, mas o fato é que nosso país passou sempre muito longe da doutrina liberal. Estamos lá na terceira divisão quando se trata de liberdade econômica, por exemplo. O estado brasileiro representa uma força tão poderosa na economia que este modelo merece qualquer outra denominação, menos liberal.
O livro História do liberalismo brasileiro, de Antonio Paim, serve bem ao propósito de contextualizar nosso país no que tange ao liberalismo. O que o autor nos mostra é que a crença econômica brasileira sofreu forte influência do mercantilismo, doutrina seguida pelo Marques de Pombal no século 18. Para os mercantilistas, a riqueza das nações provinha do saldo positivo no comércio internacional, que seria um jogo de soma zero. O comércio deveria ficar subordinado ao estado, para que este pudesse realizar políticas de estímulo, ajudando nesta “batalha” por acúmulo de metais.
O mercantilismo foi refutado por Adam Smith em seu famoso livro sobre a riqueza das nações, em 1776. Smith mostrou que a divisão do trabalho gerava prosperidade e que o intercâmbio faria com que cada um produzisse aquilo que estivesse em melhores condições de fazê-lo. Tal seria o primeiro grande esboço da doutrina do liberalismo econômico, que, infelizmente, só seria difundida no Brasil no século 19, ainda assim timidamente.
No modelo de Pombal, a burocracia concentrava amplos poderes, e o estado era tipicamente patrimonial, ou seja, a coisa pública era vista como parte do patrimônio do príncipe. Outro efeito desta mentalidade, apontado por Paim, foi o “cientificismo”, isto é, um discurso retórico da Ciência sem bases realmente científicas. A herança intelectual desses tempos se perpetuou até nossos dias, e as reminiscências do mercantilismo do século 18 são visíveis em todo lugar.
No período de organização constitucional do Brasil, existiam, segundo Paim, três facções irreconciliáveis: liberais radicais, que lutavam pelo separatismo provincial; autoritários, que queriam uma monarquia absoluta; e conciliadores, que sonhavam com uma monarquia constitucional. D. Pedro I abandonara o trono, havia um motim contra o Ministério, a Assembleia e o Senado estavam em recesso. A marcha revolucionária parecia livre de obstáculos maiores, mas membros das Casas legislativas reuniram-se às pressas “Para formar um governo e assim levantarem um dique às pretensões do elemento sans-culotte”. Vencia o partido das mudanças moderadas que desejava reformas operadas lentamente pelos meios legais.
As décadas seguintes trouxeram à tona intensos debates sobre o Poder Moderador. Parte da elite se inclinava para o regime Republicano. O resultado, porém, foi uma solução de compromisso, que consistia “No fortalecimento do Poder Central em mãos de uma autoridade selecionada entre os políticos sem entretanto abolir a monarquia”. Essa situação perdurou até o Regresso, quando ocorre a opção pelo regime monárquico. Conforme explica Paim, a “Exigência do referendo dos atos do Poder Moderador acabaria sendo a bandeira dos liberais nas três últimas décadas do Império”.
O objetivo dos liberais era descentralizar o poder e aproximá-lo dos indivíduos. “O liberalismo”, explica Paim, “pretendia o fracionamento do poder do monarca em nome da diversidade de interesses vigentes na sociedade, partindo da comprovação histórica de que a nobreza ou o funcionalismo burocrático não os representava”. O “democratismo”, por outro lado, seguia a influência de Rousseau e da Revolução Francesa, com a convicção de que “Os tempos modernos conduziriam os povos à sociedade racional”. A educação faria de todos os homens seres morais. Estas utopias não eram bandeiras liberais, certamente.
Sobre o Segundo Reinado, Paim acredita que é insuficiente admirado “Em decorrência da feição autoritária e antiliberal assumida pela República”. Ele elabora melhor seu ponto de vista:

Em que pesem a tradição patrimonialista e a maioria católica, o regime conseguiu afeiçoar-se aos países protestantes, como Inglaterra e Estados Unidos. Trata-se de um feito que nunca é demais exaltar, cumprindo enterrar de vez o longo menosprezo que lhe tem devotado a estéril e infecunda historiografia positivista-marxista.

Foram cerca de 50 anos sem golpes de estado, estados de sítio, presos políticos, insurreições armadas, e tudo isso com liberdade de imprensa e garantias constitucionais aos cidadãos. Paim lamenta: “O fato de que o sistema fosse basicamente elitista não justifica que a República tivesse primado por ignorar tão significativa experiência”.
Após a proclamação da República, participavam pelo menos três correntes de opinião: os liberais, liderados por Rui Barbosa; os positivistas; e os militares. A hegemonia estava com os positivistas, segundo Paim. Na prática, o regime era autoritário, por abandonar o princípio da representação. Surge o conflito de grupos cujo interesse resume-se em apossar-se do patrimônio do estado. A Política do Café com Leite entra em cena para apaziguar esse conflito. A ordem só era mantida mediante a sucessiva decretação de estados de sítio ou intervenção nos estados mais fracos.
Eis como Paim resume o período:

Em síntese, durante os quarenta anos da República Velha assiste-se, de um lado, ao ocaso do liberalismo – que parecia tão forte, já que impusera ao país a Constituição de 1891 e assumira as rédeas do pensamento político oficial – e, de outro lado, à confluência da prática autoritária no sentido da doutrina castilhista. O novo ciclo, onde Vargas seria a figura central, já tem lugar sob a égide do autoritarismo doutrinário, cujo núcleo fundamental será constituído pelo castilhismo.

O grupo getulista conseguiu sobrepor-se às demais vertentes autoritárias e implantou o Estado Novo. Era a morte de qualquer resquício do liberalismo.
De 1930 até 1985 ocorreu um longo período de predominância do autoritarismo. A aliança de alguns liberais com os militares, sob inspiração positivista, foi a pá de cal no liberalismo. Ganha força a partir desta época a ideia de que o liberalismo clássico não era capaz de lidar com a questão social, apesar de ter sido “Precisamente os sistemas liberais que erigiram, com exclusividade na história da humanidade, uma sociedade onde o bem-estar material se difundiu entre a quase totalidade de seus membros e não apenas entre os grupos dominantes”.
O período dos militares no poder mereceria um texto à parte. Para Paim, a Revolução de 1964 se fez

Para impedir que o presidente da República em exercício, João Goulart, fechasse o Congresso, postergasse as eleições e proclamasse o que então se denominava de república sindicalista, espécie de socialismo caboclo que misturava fraseologia esquerdista e corrupção.

Se, por um lado, a tomada de poder pelos militares foi para impedir um golpe socialista; por outro lado, é inegável que o que veio em seguida nada teve de liberal. A vitória eleitoral de Carlos Lacerda poderia permitir que a UDN chegasse ao poder com possibilidades efetivas de dar cumprimento ao seu programa. Mas os sucessivos militares no comando foram apenas mais um exemplo do positivismo vigente no país. A Era Geisel foi o ícone desta crença no estado como locomotiva do crescimento.
Após a redemocratização, o que se viu foi uma espécie de demanda social reprimida sendo atendida por demagogos de plantão. A Constituição de 1988, escrita talvez um ano antes do que deveria, carregava forte ranço esquerdista. O Muro de Berlim ainda estava de pé, assim como o sonho socialista. O petróleo continuou monopólio do estado, novos monopólios foram criados e estabeleceu-se discriminação contra o capital estrangeiro. Fala-se muito em direitos e pouco em deveres. Vários privilégios foram consolidados, especialmente para os funcionários públicos. Roberto Campos chegou a chamá-la de “Constituição Besteirol”, tamanha sua decepção com a Carta.
O modelo, desde então, pode ser chamado de social-democracia retrógrada, mantendo forte desconfiança com relação ao livre mercado e imprimindo no estado a esperança do progresso e da “justiça social”. Algumas reformas importantes foram realizadas na Era FHC, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a criação das agências regulatórias, as privatizações e, por imposição dos mercados, a flexibilização do câmbio. O PT, que jamais tivera grandes compromissos com o sistema representativo, chegou ao poder com o presidente Lula após este alterar seu discurso radical e escrever uma carta ao povo brasileiro, onde garantia manter os pilares básicos da estabilidade do país. A Era Lula foi marcada pelo avanço do estado na Economia e demais esferas, como a liberdade de imprensa. O liberalismo, uma vez mais, não nos deu o ar de sua graça.
Como fica claro, à exceção de leves brisas durante alguns períodos da história, o liberalismo não foi capaz de formar um forte vento e mudar a direção da mentalidade predominante no país. Oscilamos entre diversas variações do mesmo tom autoritário, sempre delegando ao estado um poder excessivo. Os principais valores liberais não passam de uma meta que ainda não foi atingida nem de perto. Cabe a todos aqueles que compartilham da essência de sua mensagem lutar para mudar esta situação.

* Artigo inédito do livro LIBERAL COM ORGULHO (Ed. Lacre, 2011)

3 comentários:

Anônimo disse...

"Algumas reformas importantes foram realizadas na Era FHC... a criação das agências regulatórias..."


Não entendi. O que as agências regulatórias nos trouxeram de benefício??

Anônimo disse...

Anonymous das 8:34Pm,

Você questiona a importância das existências reguladoras porque vive em uma época na qual o poder das mesmas foi esvaziado em favor dos ministérios.
Não sabe o benefício das agências?
Você se lembra de todos os casos de corrupção dentro dos ministérios, órgãos públicos, licitações, etc.?
Pois é, se tivéssemos agências reguladoras decentes (como idealizado na era FHC e deturpado no governo petista), esses casos poderiam ser melhor investigados e punidos.
Mas o brasileiro se pergunta: "Por que eu vou querer saber de agências reguladoras se nós temos copa do mundo, olimpíadas e bolsa família? Além disso, a Dilma e o Mantega baixaram os juros p/ eu comprar meu carrinho em 60 vezes!"

Anônimo disse...

FHHC foi um vendilhão que na verdade deu as estatais (financiou a 'venda' delas pelo BNDES), quebrou o país 3 vezes, acobertou inúmeros escândalos de corrupção (as privatizações como carro chefe) e ainda salvou os meios de comunicação da bancarrota com dinheiro público (o que lhe rendeu imunidade absolutas e acobertamento), chamou os aposentados de vagabundos e também criou essa agencias fantoches que são como a 'rainha da Inglaterra' e assim continuaram até pouco tempo, nos idos do FHHC quem mandava aqui era o FMI, o País estava de quatro, literalmente. Governo tucano marcado pela inflação alta, moeda frágil, desemprego, miséria e corrupção em larga escala, total e irrestrita.