Janio de Freitas, Folha de SP
A Lei Seca veio embaralhar, de uma parte, a combinação bebedeira/automóvel e, de outra, o autoritarismo.
Para começar, é uma lei elitista típica do Brasil. Quem dispõe de mordomias por posses próprias ou pagas pelo Tesouro Nacional, como é o caso dos congressistas que impuseram a lei, está livre para beber à vontade, a qualquer hora, e transpor qualquer blitz. Suas posses ou o dinheiro oficial lhe proporcionam o serviçal conveniente para as circunstâncias: o motorista.
A lei é, portanto, contra a classe média. Essa que beberica como uma pequena distensão, como um lazer à falta de melhores.
Quem bebe um ou dois copos de vinho em várias horas de uma festa ou de um jantar, por exemplo, compõe a imensa maioria dos atingidos pelo rigor arbitrário da lei. Mas, como norma, não são os que causam acidentes por terem ingerido alguma porção alcoólica. Em contrapartida, a probabilidade de deter os que perdem as condições de dirigir é insignificante. Um êxito apenas ocasional, dada a forçosa desproporção entre as blitze possíveis e a área urbana livre para os embriagados trafegarem sem encontrar-se com a malha fina.
A lei é elitista ainda na sua destinação. Inspirou-se e pretende (em vão, como se tem visto) prevenir acidentes em que motoristas alcoolizados têm feito vítimas chocantes, essencialmente, por sua condição social. E pelos bairros onde mais ocorrem tais acidentes. A frustrada ação repressora o comprova o elitismo: as blitze não são feitas na periferia ou subúrbios, onde -os costumes sugerem- seria farta a coleta de desrespeito ao índice exíguo da lei. Como se deduz do volumoso noticiário de acidentes naquelas áreas. Ou seja, só os bacanas não devem matar e matar-se com seus carros.
A lei confirma o seu elitismo também por outra via trágica: os acidentes terríveis com ônibus intermunicipais e interestaduais estão todos os dias na TV, com dezenas e mais dezenas de mortos, feridos e incapacitados. Os acidentes com carretas e caminhões não chocam menos. Mas a Lei Seca não lhes concedeu sequer a menor menção.
É indispensável que os motoristas de ônibus sejam submetidos ao bafômetro antes da partida. E outra vez ao sair das paradas intermediárias. Os motoristas de carretas e caminhões provocaram a proibição de venda de bebida na beira das estradas, mas nem a restrição é cumprida, nem é suficiente para restringir a guarda da bebida. E nessas omissões da autoridade estão as causas da sucessão de desastres horríveis com veículos pesados. Sem providências contrárias.
Está mais do que provada a ineficácia do autoritarismo como sistema socialmente educativo. O que pode mudar as condutas sociais é a persuasão. A campanha da camisinha é exemplo excelente: persuasiva, por impossibilidade de ser impositiva, pegou com rapidez e criou novo costume. O abandono do cigarro por milhões de fumantes convictos dá outro exemplo: é fácil ouvir que a rejeição veio do conhecimento dos efeitos maléficos, martelados pelos médicos, e não das proibições de fumar ali ou acolá. A maior parte das proibições decorreu já da rejeição que se difundia.
A modalidade da Lei Seca se explica muito por sua origem: a bancada evangélica. A Ação Católica e outras organizações religiosas, dedicadas à influência política, não retornaram ao Congresso e à política na volta da democracia. Com penetração crescente, porém, os novos evangélicos assumiram seus papéis. Extremados no conservadorismo, só admitem leis e regras sujeitas às suas concepções. Nisso, mesmo a qualidade do fazer não parece importar. A Lei Seca e, já andando pelo Congresso, seu extremismo final saíram dessa usina.
A lei elitista anti-etilista é um produto do autoritarismo que não crê em educação social e em formação de civilidade.
10 comentários:
Campanha contra bebida e direção já acontecem há anos, sem resultado. Eu aprovo a lei seca. Se para evitar as mortes de várias pessoas, tiver que ser politicamente correto, serei com o maior prazer. Nunca tive tanto prazer em ser politicamente correto ao ser a favor da lei seca.
'Quem dispõe de mordomias por posses próprias ou pagas pelo Tesouro Nacional, como é o caso dos congressistas que impuseram a lei, está livre para beber à vontade, a qualquer hora'
Se o motorista é pago com dinheiro dele, qual o problema?
Antes da lei seca se deveria ter uma lei que fosse efetivamente punitiva aos causadores de acidentes, pequenos ou não. Porém, ao contrário disso a lei diz que o causador nada deve à vitima e por lei nem mesmo se pode ficar parado se houver condição de sair do local.
Por que não fazer uma lei onde o causador de um acidente tenha que arcar com custos dos danos materiais e morais nos acuidentes que causar? ...Com uso de pericia e tudo mais para apurar as causas.
Também uma lei onde todo acidente, mesmo um esbarrão seja anotado num prontuario linkado a carteira de habilitação para se tabular aqueles que sempre se envolvem em pequenos acidentes e que causam mesmo os grandes, estando envolvidos ou não. Ou seja provas com cameras e mesmo testemunhos e pericia para filtrar lambões do transito.
...ISTO SIM, seria preocupação com vidas, a lei seca é idiotice, sobretudo que nem todos que bebem dirigem embriagados a ponto de causar acidentes.
Sobre reflexos e habilidadews, os idosos os têm menores que quem bebeu umas taças de vinho, aqueles com pouca experiência muito menos, e mesmo assimanda por ai a causar acidentes mas ninguém tabula este dado.
Os bebados, efetivamente embriagadaos não têm mesmo condição de dirigir, porém a lei seca é para quem esta em condições de levar seu carro até o local sem maiores problemas.
Isso é um treino TOTALITÁRIo, aos poucos se vai adestrando a população fazendo-a obedecer cada vez mais e ainda abanar o rabo para seus mandantes, donos e mentores.
Muito tb apreciam tirania, são sádicos enrustidos e há mesmo os masoquistas que ADORAM UMA DOMINAÇÃO.
SÀDICOS que tem prazer com a tirania contra os outros.
MASOQUISTAS que tem prazer em serem dominados, mandados, humilhados...
È da natureza de muitos humanos, sadismo e masoquismo e isso não se combate com argumentos. Eles são assim.
Qual a vantagem da liberdade quando vc está no meio de um povo que não sabe viver em liberdade?
Tipo, a maioria não sabe beber com moderação e ser responsável no transito, vale a pena liberar geral pra vc ver seu filho(a) com mais chances de morrer no transito por causa de um retardado?
O interessante, Rodrigo, é que o brasileiro gosta do bom e velho cabresto, seja ele conservador ou politicamente correto.
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Óbvio, o Janio de Freitas é um hipócrita, apoia a causa certa pelas vias erradas. Ele se esquece que foi o ministro do STF que apoiou essa lei desaverginhadamente, sem que a criatura seja do tipo que reze um Pai Nosso! É do tipo "correctness", todos sabemos. Mas a Folha é Correctness, ditadura politicamente correta "hasta siempre", então tem que escolher seus alvos com cuidado.
Se houvesse a certeza da punição do bêbado causador de um acidente não haveria a necessidade dessa lei. Acidentes continuariam a ocorrer, mas a punição seria mais seletiva, e a diminuição dos acidentes ocorreria da mesma forma.
Qual é o problema de abrir mão de um pouquinho de liberdade em nome da segurança? Em defesa da vida! Tenho uma proposta muito melhor e garanto que terá eficiência de 100%.
Proibir os carros e motos em todo o território nacional, vamos perder um pouco da nossa liberdade, mas garanto que mais ninguém vai morrer de acidente de carro.
Em Alagoas ao chamar a perícia para um local de sinistro você já vai pagar R$120,00. Eu acho excelente essa iniciativa porque já começa a jogar o custo do acidente em cima dos culpados e não de todos os motoristas.
Milhares de pessoas bebem durante um jantar, pizza, happy hour, não se embriagam, não causam acidente, voltam para casa sem problemas,
quem causam acidentes são os embrigados , o problema está na ineficiência da policia e/ou justiça etc de determinar quem está embriagado e puni-los , então vêm com essas leis autoritárias...
'Proibir os carros e motos em todo o território nacional, vamos perder um pouco da nossa liberdade'
cresça moleque, quem sabe um dia vc aprenda que o mundo não é preto e branco.
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