sábado, junho 22, 2013

A voz das ruas e os toucas-ninja

Percival Puggina

Se as pessoas que estão saindo às ruas nestes dias, em todo o país, votaram na Dilma e há uma década estufam o próprio peito com as fanfarronadas de Lula, o Brasil está salvo. Se são outras pessoas, estamos perdidos. Se as pessoas que estão saindo às ruas são as mesmas que chamavam golpistas quem se dispusesse a escrutinar a péssima biografia dos governos petistas, estamos salvos. Se forem outras, estamos perdidos. Ou seja, se o petismo não estiver perdendo força como religião hegemônica no país, por conversão de antigos fiéis ao até agora minoritário reduto da sensatez, então nada está acontecendo. Os sensatos abriram as portas do clube e saíram à rua, apenas isso. O placar do jogo político permanecerá o mesmo. E Deus se apiede do Brasil. Dilma continuará percorrendo o país para operar prodigiosa multiplicação de inexistentes bilhões, em meio a muita festa e louvação.

Faço estas considerações com absoluto senso prático. A alma brasileira foi envenenada pela propaganda do governo. Milhares de comunicadores, diariamente, compram essa propaganda como coisa boa e reproduzem o ufanismo oficial. É de se ver e eu vi, é de se ouvir e eu ouvi, nestes últimos dias, eminentes formadores de opinião embasbacados ante as mobilizações populares, como que exclamando: "Mas estava tudo tão bem! O Brasil é uma de satisfações cercada pelo oceano das inconformidades! O próprio Lula disse, não disse?". Disse. E quanto e-mail desaforado recebemos, ao longo destes últimos anos, eu e alguns outros, enquanto brandíamos a verdade em nossas passeatas lítero-panfletárias de protesto! Faziam para conosco como os empedernidos cardeais fizeram com Galileu. Recusavam-se a esquadrinhar a realidade através da luneta da verdade: "Noi non vogliamo guardare perché se lo facciamo potremmo cambiare". Não olham porque mudar de opinião pode custar caro. A mentira paga melhor.

Todos os indicadores confirmavam o que dizíamos e os olhos viam: a educação pública é um desastre, vive-se ao completo desabrigo dos aparelhos de segurança pública, temos poltronas nos estádios de futebol e pacientes deitados sobre colchões no chão dos hospitais, a infraestrutura brasileira dá sinais de haver trombado contra um PAC acelerador da destruição, o Erário é rapinado em moto-contínuo pelo arrastão dos corruptos. Mas, como vai o Brasil? Ah, o Brasil é outra coisa. O Brasil vai às mil maravilhas. Foi bafejado pela fortuna. Saiu das mãos de um gênio prodigioso para as de uma testada e competente gestora. Meu Deus!

***
Por fim, três observações. Primeira: passe livre é marotagem; é querer andar de graça com os outros pagando a conta. A segunda é para lembrar que, em Porto Alegre, a mobilização inicial contra o preço das passagens foi empreendida por militantes de partidos de esquerda, notadamente do PSOL. Eles foram para a frente da Prefeitura armados de paus, pedras, latas de tinta, toucas ninja (bem como se tem visto, agora, em toda parte), enfrentaram a polícia e vandalizaram o prédio e seu entorno. Naquele ato não houve "infiltração" alguma! Os malfeitores eram alinhados com partidos que não rejeitam o emprego da violência para fins políticos. Terceira: não parece prudente adotar como coisa certa que os malfeitores "são uns poucos". Não, não são uns poucos, são muitos, muitíssimos, como as próprias imagens mostram à exaustão. "Se a maior violência neste país tiver que vir desses movimentos, que venha", disse num debate na TVCOM certo defensor desse vandalismo. Tampouco parece prudente, então, desconsiderar o risco de que a esplêndida massa de cidadãos retamente intencionados venha a ser apropriada pelo que de pior existe em todos esses movimentos. Saiba, no conjunto do espectro político há quem, com o mesmo e justo discurso que enfeita as ruas e nos traz júbilo ao coração, vista toucas ninja.

5 comentários:

Anônimo disse...

Se a premissa dos çabios papista-escolásticos das letras e suas interpretações de que as massas são apenas uma massa bovina de manobras dos maus intencionados, sem capacidade de pensar por si, então realmente este texto faz algum sentido. Falar agora em MPL é dose! Logo nos primeiros dias esses caras já estavam falando sózinhos.

Léo disse...

Entendi, o que sugere então? Já é o quinto post que você cita fatos e mais fatos que vão totalmente contra às mobilizações do país, porém, em nenhum deles você julga o que seria correto fazer de maneira objetiva e o mínimo de genérica possível. Acha melhor perder toda essa mobilização não antes vista nos últimos 10 anos do Brasil? Você não pode ser tão cético a ponto de aceitar isso, prefiro acreditar que não.

Anônimo disse...

É questão de lógica. Se os vândalos fossem muitos, nenhuma cidade sobreviveria. Imagine 100 mil vândalos no centro do RJ ? Não iria sobrar nada. Goste ou não do movimento, é óbvio e lógico que os vândalos são uma pequena minoria.

Anônimo disse...

Rodrigo,

Por causa de minhas próprias incapacidades, acho geniais pessoas que conseguem resumir idéias de modo brilhante. Você, que, com muita competência, criou um espaço monumental às boas idéias, vê se abre uma brecha aí para a seguinte frase:

"Não adianta ir às ruas como um leão e, depois, votar como um jumento." (está rodando nas redes sociais há uns quatro dias, sem autoria atribuída).

Muita gente escreveu textos longos para tentar dizer isso. O Autor, quem quer que seja ele, é um mestre.

Outra frase é aquela de uma manifestante cuja foto aparece na última Veja. Vai a versão em um português melhorado:

"País desenvolvido não é onde pobre tem carro, é onde rico anda de transporte público."

Duvido que você, ou qualquer outro economista, conseguiria fazer uma síntese tão perfeita. (Entenda a pequena "provocação" com bom humor, por favor. A intenção é essa.)

Leo SKHM disse...

Eu fico me perguntando aonde estavam esses manifestantes quando o escândalo do Mensalão veio à tona. Era para ter pedido o impeachment do Lula lá atrás e não ter eleito um poste depois. Ou será que eles não eram contra o Mensalão ou nem sabiam o que era isto da mesma forma que muitos não sabiam o que era a PEC 37?

Manifestar o descontentamento com os gastos públicos nos estádios "padrão Fifa" depois que os estádios ficaram prontos também me pareceu estranho. Não era melhor se manifestar antes de começarem as obras. Aí no mínimo o zelo com os gastos do dinheiro público seria maior. Bom, antes tarde do que nunca.

Espero que os manisfestantes não cheguem atrasados por exemplo no plano de construir o trem-bala. É melhor implodir esse plano maluco agora que existe uma revolta contra os gastos públicos que não dão retorno. Ou será que haverá também um protesto pelo passe livre para o trem-bala? Do jeito que as coisas vão no Brasil dos quarenta ministérios eu não duvido.