terça-feira, junho 29, 2010

Filhos da Liberdade

Rodrigo Constantino, O GLOBO

“O maior e principal objetivo de os homens se reunirem em comunidades, aceitando um governo comum, é a preservação da propriedade.” (John Locke)

Neste domingo, dia 4 de julho, os americanos celebrarão mais um aniversário de sua independência. O grande divisor de águas entre a era da servidão e da liberdade foi a Revolução Americana. Ali seria selado o direito do povo a um governo que respeitasse as liberdades individuais como nunca antes fora visto. A famosa passagem da Declaração de Independência, de 1776, deixa isso claro: “Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.
A independência americana foi conquista de um povo que não aceitava a subordinação facilmente. A Grã-Bretanha, bastante endividada, tentou impor mais tributos aos colonos. A primeira tentativa foi a Lei da Receita de 1764, conhecida como a Lei do Açúcar. Em seguida foi sancionada a Lei do Selo em 1765. Isso despertou a fúria dos colonos, e houve forte reação de grupos organizados de comerciantes, conhecidos como “Filhos da Liberdade”. Os gritos ecoavam que “sem representação não há tributação”.
A Coroa inglesa insistiu com as Leis Townshend em 1767, que aumentavam as taxas alfandegárias sobre produtos básicos britânicos. Seguiram-se boicotes altamente eficazes, e o governo britânico recorreu à força. Por fim, a Companhia das Índias Orientais adquiriu o monopólio sobre a importação de chá para as colônias, culminando na famosa “Festa do Chá”, em Boston. Era a gota d’água para os americanos.
O panfleto político escrito por Thomas Paine, em janeiro de 1776, jogou lenha na fogueira revolucionária. Paine atacou a monarquia, e referiu-se ao rei como “o tirano da Grã-Bretanha”. Para ele, a escolha era simples: permanecer sob o jugo de um tirano ou conquistar a liberdade. Paine deixou claro que o papel do governo era garantir a segurança, e destacou que ele, mesmo no seu melhor estado, “não é mais que um mal necessário”.
Outro nome de extrema relevância para a independência americana é Thomas Jefferson, que ficou famoso como o autor da Declaração de Independência. Jefferson fez campanha pela separação entre a Igreja e o Estado e pela liberdade religiosa. A fermentação política nas colônias ocorria no contexto do Iluminismo, sob a influência de pensadores como John Locke. Um estado laico com foco na proteção das liberdades individuais, eis a essência da Revolução Americana.
É verdade que nem todos estavam incluídos nesses direitos individuais que os “pais fundadores” defenderam. Muitos deles, membros da elite americana, eram proprietários de escravos. Era este o contexto da época, infelizmente. Mas parece inegável que na própria Declaração de Independência estavam plantadas as sementes que levariam à abolição dos escravos. Os principais abolicionistas baseavam sua causa em princípios morais, retomando a idéia da lei natural advogada por Jefferson na Declaração.
O famoso caso “Amistad”, de 1839, foi o primeiro no qual se apelou para a Declaração. O ex-presidente americano John Quincy Adams fez uma defesa eloqüente dos africanos presos: “No momento em que se chega à Declaração de Independência e ao fato de que todo homem tem direito à vida e à liberdade, um direito inalienável, este caso está decidido”. Abraham Lincoln foi outro que apelou constantemente à Declaração para defender a causa abolicionista. Outro abolicionista conhecido, David Walker, escreveu em 1823 um texto citando os trechos da Declaração. Martin Luther King Jr., em seu mais famoso discurso contra o racismo, faz alusão direta ao trecho da Declaração onde todos os homens são criados iguais.
A Revolução Americana representou um marco na história. Combateu o excesso de tributação, assim como a ausência de representação política. Lutou pela separação entre a Igreja e o Estado. Entendeu que o governo serve para proteger as liberdades individuais, e que cada um deve ter sua propriedade preservada, assim como deve ser livre para buscar a felicidade à sua maneira. Buscou limitar ao máximo o poder estatal, protegendo os indivíduos da ameaça do próprio governo. Compreendeu que a descentralização do poder é fundamental. Em resumo, criou a primeira República com bases realmente liberais.
Infelizmente, os próprios americanos parecem ter esquecido as principais lições de seus fundadores. Que neste aniversário seu legado possa ser lembrado.

9 comentários:

Anônimo disse...

(Jorge Nogueira)

Do ponto de vista da soberania nacional a revolução americana foi um avanço. Porém do ponto de vista das liberdades individuais o cenário não é tão cor-de-rosa quanto o normalmente pintado.

Lembro que eram os próprios ingleses que zombavam dos colonos americanos por virarem-se para a Inglaterra e pedir o fim da sua escravidão ao mesmo tempo em que mantinham essa instituição em seu território.
Após a independência os EUA vai se julgar a "terra da liberdade" mais livre do que a Inglaterra no que resultou em uma troca de farpas que trouxe a tona verdades constrangedoras para ambos os lados. Teóricos e políticos americanos, como John Calhoun, para justificar a escravidão zombada pelos ingleses, apontam as precárias condições dos operários na Inglaterra chegando a dizer que seus escravos recebiam melhor tratamento do que os operários ingleses (alguns confinados em casas de trabalho).
Com essa troca de farpas não pode-se sustentar que "ah era assim mesmo naquela época" e naturalizar a escravidão!

Poderia então se dizer que os colonos americanos adulteraram as ideias de John Locke?
Se observarmos que Locke foi acionista de uma empresa que comercializava escravos e ainda ajudou a elaborar a legislação da Carolina que legalizou o instituto da escravidão, não podemos fazer tal afirmação.

Portanto, conforme alertado no início, não se podem fazer elaborações tão ufanistas. A menos que, ou se adultere a História ou se omita dela fatos relevantes!

Thiago Cortês disse...

Jorge,

a história é feita de conflitos, crises, disputas por bens e direitos, com muito sangue e sacríficio. Pergunte à qualquer marxista. Mas a evolução gradual da sociedade americana de uma pós-colônia escravocrata para a democracia hoje governada por um negro, e que é capaz de aceitar em seus domínios os maiores críticos da democracia e do capitalismo, é muito melhor do que a revolução total da sociedade francesa, que mudou até o calendário, para depois recorrer a Bonaparte, o tirano salvador,não acha?

Anônimo disse...

Jorge, liberdade individual para TODOS os americanos que puderam desfrutar do país mais livre já criado até então, com base nas IDÉIAS destes "pais fundadores".

É verdade que muitos Pais Fundadores dos EUA tinham escravos, mas isso numa época em que a escravidão era comum, quase todos os ricos possuiam escravos, ainda que abominável.

Mas foi por meio das idéias da Declaração de Independência americana que a escravidão finalmente foi abolida, com forte pressão dos liberais britânicos também. Lembre-se também, que os abolicionistas, em todo o mundo, a usaram, evocado Locke e os founding fathers.

Anônimo disse...

(Jorge Nogueira)

Thiago é exatamente isso: a História é feita de conflitos e crises e não da forma paradisíaca como alguns pintam.
A evolução da sociedade americana da escravidão para a democracia hoje governada por um negro também não se fez sem conflitos. O próprio Adam Smith havia percebido, a sua época, que a escravidão americana seria mais facilmente estirpada pelo "despotismo"! Assim como também a extensão do sufrágio não se deu sem conflitos, inclusive contando com a oposição radical de pretensos defensores das liberdades!
E olha que ficamos apenas na "civilização". O cenário cor-de-rosa ficaria ainda mais sombrio se fossem mencionados os cadáveres dos índios produzidos pelos "filhos da liberdade".

ntsr disse...

Como se os indios também não matassem ninguém

Marcos T disse...

"Compreendeu que a descentralização do poder é fundamental. Em resumo, criou a primeira República com bases realmente liberais."

Nós, temos uma concentração absurda em Brasília, e consequentemente, um desperdício absurdo de recursos. Como seria o Brasil com o dinheiro público bem administrado....

fejuncor disse...

Não seria o Brasil, MARCOS. É preciso entender que a principal causa da má administração do dinheiro público é justamente a existência desta estrutura arcaica, corrupta, incompetente, chamada Brasil.

Corruptocracia: Roubar é poder! disse...

FRIBOI LEVA MAIS 7,5 BILHÕES

Concorrentes foram ao banco reclamar de privilégios

Há duas semanas, o frigorífico brasileiro JBS Friboi colocou à venda um pacote de dois milhões de debêntures no valor de R$ 3,48 bilhões. O mercado financeiro não se interessou, mas a BNDESPar, empresa de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, comprou o encalhe, 99,9% dos papéis. Os outros acionistas, entre eles a família Batista, dona de 59% do grupo JBS, adquiriram 0,05% da emissão. Restou uma sobrinha de 523 papéis que ninguém quis.

A operação foi feita para pagar a última aventura da companhia nos Estados Unidos: a Pilgrim"s Pride Corporation, que estava quebrada. A entrada no mercado americano foi o passo mais ousado de uma trajetória internacional iniciada em 2005, com a compra da Swift argentina, feita também com dinheiro tirado dos cofres do BNDES.

Ávido por viabilizar emissões de dinheiro para o exterior, objetivo principal do governo Lula, o BNDES já colocou pelo menos R$ 7,5 bilhões no Friboi - de quem também é acionista, com uma participação de 22,36%. O apoio ao frigorífico supera outras operações emblemáticas, como os R$ 2,6 bilhões para o casamento Oi/Brasil Telecom.

Anônimo disse...

(Jorge Nogueira)

1) "Jorge, liberdade individual para TODOS os americanos que puderam desfrutar do país mais livre já criado até então, com base nas IDÉIAS destes "pais fundadores"."

R: liberdade para TODOS os americanos? Depois da independência? E graças aos pais fundadores? Só se vc considera q na categoria social "americanos" estão incluídos apenas os grandes proprietários (em especial os escravocratas do sul q eram beneficiados nas eleições pela chamada cláusula dos 3/5, assim elegendo seus pares com MENOS votos do q os proprietários do Norte)! Não bastava o sufrágio ser censitário (e os pais fundadores sempre se colocaram contra a extensão do mesmo para as classes subalternas) ele tinha q beneficiar os "filhos da liberdade" sulistas!

2) "É verdade que muitos Pais Fundadores dos EUA tinham escravos, mas isso numa época em que a escravidão era comum, quase todos os ricos possuiam escravos, ainda que abominável."

R: como vc pode fazer essa afirmação à luz do bate boca q aconteceu entre os americanos e os ingleses e q demonstrei acima q os segundos zombavam dos primeiros por fazer no seu terreno o q consideravam horrendo na sua relação com o país colonizador?

3) "Mas foi por meio das idéias da Declaração de Independência americana que a escravidão finalmente foi abolida, com forte pressão dos liberais britânicos também. Lembre-se também, que os abolicionistas, em todo o mundo, a usaram, evocado Locke e os founding fathers."

R: De novo tal assertativa só se sustenta passando-se uma borracha na História! ANTES de Locke e dos "founding fathers" terem nascido já haviam críticos da escravidão. Só para citar um exemplo e ver o quanto a posição de Locke e dos "founding fathers" era problemátia temos, como anti-escravista, um defensor do absolutismo, chamado Jean Bodin, que chegou ao ponto de repudiar a escravidão mesmo por conquista: "guardar para si os prisioneiros para ter proveito como se fossem animais não é caridade", disse ele.

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"Como se os indios também não matassem ninguém"

R: Matavam sim. Eles, por exemplo, mataram, em 1876, um "filho da liberdade" chamado George Armstrong Custer. Quem era esse herói? Era um General americano adepto do ditado "índio bom era índio morto". Ele gostava muito de invadir tribos, quando não haviam guerreiros, e massacrar mulheres e crianças. Até que um dia ele se deu mal...
E não adianta querer "resolver" o problema se limitando a atacar o General Custer, pois isso fazia parte da política "libertária" do governo americano: "Não chego a pensar que os índios bons sejam os mortos, mas creio que entre dez nove sejam assim; e nem gostaria de investigar muito sobre o décimo" (Theodore Roosevelt).