domingo, novembro 14, 2010

Orwell contra o totalitarismo



Rodrigo Constantino

“Fui forçado a me tornar uma espécie de panfleteiro”, confessou certa vez George Orwell. O autor de 1984 e A Revolução dos Bichos compreendeu que o momento político que ele vivia demandava alguma atitude prática dos indivíduos mais esclarecidos. Ele sabia bem dos riscos que o engajamento em alguma causa política gera para a boa escrita independente. Orwell olhava com desdém para os “agentes de publicidade” do comunismo, que tinham que criar um novo molde para o “marxismo” sempre que Stalin trocava de parceiros.

Sobre estes, Orwell escreveu em Dentro da Baleia: “Todo comunista está na verdade sujeito, a qualquer momento, a ter de alterar suas convicções mais fundamentais, ou então sair do partido. O dogma inquestionável da segunda-feira pode se tornar a heresia condenável da terça-feira, e por aí afora”. Ele sabia que havia pouca possibilidade de um escritor se manter politicamente indiferente naqueles tempos. E para Orwell, o comunismo oferecia aos escritores jovens uma nova religião: “Foi simplesmente algo em que acreditar. Eis aqui uma igreja, um exército, uma ortodoxia, uma disciplina”. Em suma, o comunismo era o “patriotismo do desenraizado”.

O ambiente de relativa liberdade e segurança da Inglaterra fez com que estes jovens defendessem algo que não conheciam, uma coisa distante, ignorando todas as suas atrocidades. “Podem engolir o totalitarismo porque não têm experiência de coisa alguma, exceto do liberalismo”, constatou. E ainda acrescentou: “Muito do pensamento esquerdista é uma espécie de brincadeira com fogo feita por pessoas que nem sequer sabem que fogo queima”. Fome, penúria, campo de concentração, guerra, prisão arbitrária, tudo isso eram apenas palavras para estes intelectuais, incapazes de compreender seu real significado.

Por isso tudo, Orwell achava que fazia bem o escritor que resolvia ficar fora da política, já que aderir ao partido significava seguir a linha ou se calar. “A literatura como a conhecemos é algo individual, que exige honestidade mental e um mínimo de censura”, pensava Orwell. Em uma época de rótulos e slogans, com comunistas dominando a crítica literária, dificilmente um bom romance poderia ser escrito, uma vez que “bons romances são escritos por pessoas sem medo”. Neste contexto, não era difícil entender a atração que a reclusão gerava. Orwell explica com base na metáfora da baleia:

“As entranhas da baleia são apenas um útero grande o suficiente para conter um adulto. Lá ficamos, no espaço almofadado e escuro em que nos encaixamos perfeitamente, com metros de gordura entre nós e a realidade, capazes de manter uma atitude da mais completa indiferença, não importa o que aconteça. Uma tempestade que naufragaria todos os navios de guerra do mundo mal nos atingiria em forma de eco. [...] Com a exceção da morte, é o estágio sem igual, definitivo, da irresponsabilidade”.

Mas quando enfrentamos o perigo real e iminente de um Hitler ou um Stalin, que alternativa concreta nós temos? Como não tomar partido numa luta dessas? Como o escritor pode fugir, enquanto cidadão, do combate político? Orwell reconheceu melhor que muitos os riscos do casamento entre literatura e política. Em Escritores e Leviatã, ele disse: “É claro que não estou sugerindo que a desonestidade mental seja peculiar aos socialistas e esquerdistas ou que seja mais comum entre eles. É só que a aceitação de qualquer disciplina política parece ser incompatível com a integridade literária”. E ainda concluiu de forma fulminante: “Na verdade, o mero som de palavras que terminam em ‘ismo’ parece trazer em si o cheiro de propaganda”. Afinal, “a literatura é o produto de individualidades”.

Mas mesmo assim, Orwell sentiu que precisava escrever sobre política, lutar contra a onda totalitária que varria o mundo. Ele era, acima de tudo, uma pessoa realista, que não estava disposta a usar a literatura para enfiar a cabeça na areia feito um avestruz. Deixo as palavras finais com o próprio Orwell:

"Trancar-se numa torre de marfim é impossível e desaconselhável. Entregar-se subjetivamente, não apenas a uma máquina partidária, mas até a uma ideologia de grupo, é se destruir como escritor. Entendemos que esse é um dilema doloroso, porque percebemos a necessidade de envolvimento na política ao mesmo tempo que também percebemos o quanto ela é uma atividade degradante e sórdida. E a maioria de nós ainda tem uma crença persistente em que toda escolha, mesmo política, é entre o bem e o mal, e em que se uma coisa é necessária é também certa. Penso que devemos nos livrar dessa crença, que pertence ao universo infantil. Em política, nada mais podemos fazer do que concluir qual dos dois males é o menor, e existem situações das quais só podemos escapar agindo como um diabo ou um louco. A guerra, por exemplo, pode ser necessária, mas com certeza não é certa nem sã. Mesmo uma eleição geral não é exatamente um espetáculo agradável ou edificante. Se tivermos de participar dessas coisas – e acho que temos, a menos que estejamos blindados pela velhice, a estupidez ou a hipocrisia –, teremos também de manter íntegra uma parte de nós."

12 comentários:

Beto disse...

Sensacional Constantino!!!

@_snatos disse...

Mas ele se considerava socialista.

Anônimo disse...

Não há um chefe político que não sonhe com o que escreveu Aldous Huxley.

Anônimo disse...

Rodrigo, quero reafirmr que somos seus fãs....Aqui vai a opinião de um amigo sobre você, a qual eu endosso:
"O economista Rodrigo Constantino é um dos mais brilhantes jovens que surgiram no Brasil nos últimos tempos. Com ele você tem muito o que aprender, assim como eu.

Fico feliz que no Brasil tenhamos jovens como ele"
Que DEUS- inpiração- ilumine-o SEMPRE! Precisamos de ti.
Gracias - resistencia democratica

Augusto Cezar disse...

Rodrigo, isso que o Bruno falou é verdade, até estranhei qd o Daniel Piza(jornalista) disse que ele era socialista. Como pode o cara criticar tanto a esquerda e o comunismo e se considerar um deles?

É um György Lukács ou H.G Wells da vida?

Augusto Cezar disse...

Se for o caso...
o marxismo dele é tão heterodoxo que chega-se a fazer duvidar que o titulo que ele se atribui é legitimo.

Anônimo disse...

Ele não se considerava um socialista. Foi um ate decepcionar-se e abandonar os ideais.
Pra quem duvidar, leia os comentários de Orwell na contra-capa do livro "Caminho da Servidao" de Friedrich Hayek.

Thiago Cortês disse...

É por essas e outras que imagino Orwell como um profeta barbudo do Antigo Testamento,

que tem de se refugiar no deserto, comer gafanhoto e enfrentar a solidão brutal para dizer a verdade.

Anônimo disse...

Constantino, não sei se já assistiu ao www.freetochoose.tv. São 2 séries feitas por Milton Friedman que esclarece muito bem sobre capitalismo e, principalmente, o free market. Vale a pena dar uma assistida e divulgar-lo mais.
Estou lendo seu livro Economia do Individuo. É excelente.
Abraço.

fejuncor disse...

Ás vezes me flagro pensando se é possível relacionar o livro A Revolução dos Bichos e seus personagens com a situação política e social do Brasil de hoje, "dando nome aos porcos". Acho que ficou impossível, pois já não se pode distinguir entre quem é porco e quem é humano...

George Orwel (Eric Arthur Blair) Motihari, Biar, India, 25 de junho de 1903 - Londres, 21 de janeiro de 1950)

CorruPTocracia: Roubar é poder! disse...

CENSURA

"A censura imposta por um desembargador ao 'Estado' não é um ato isolado. Decisões desse tipo, que introduzem um dispositivo expressamente vedado pela Constituição, banalizam-se de modo preocupante no país."

Editorial de O Estado de S.Paulo (16/08/2009)
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DECADÊNCIA DAS INSTITUIÇÕES

"O que me preocupa muito no desenrolar desses acontecimentos é: que geração estamos preparando? O que o jovem vê nisso tudo? Como é que ele vai se posicionar diante da política, diante de um Congresso, de uma Câmara de Deputados, de um Senado? Isso é muito preocupante. O que estamos preparando para o futuro? Acho gravíssimo."

Alzira Alves de Abreu, sociologa e pesquisadora da FGV, sobre a censura ao "ESTADO"
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ABRIGANDO CRIMINOSOS

Segundo o governo italiano, o benefício concedido pelo Brasil a Cesare Battisti - condenado à prisão perpétua em seu país acusado pela Justiça por quatro assassinatos na década de 1970, época em que militava no grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC) - tem "o indisfarçável objetivo de obstruir o seguimento do processo de extradição de Battisti, que tramita no Supremo", além de afrontar a Constituição Brasileira e os tratados internacionais.

A informação é da Agência Brasil

JOÃO CAROCHA disse...

O governo Dilma nem começou e já prepara seu primeiro escândalo.

Marido de Maria das Graças Foster, futura ministeriável de Dilma, é dono de uma empresa que já ganhou dezenas de contratos com a Petrobrás, da qual a mulher é diretora. Nem precisa dizer que a maioria foi sem licitação. Dilma já prepara seu primeiro escândalo.

O que dizer?

http://www1.folha.uol.com.br/poder/83030