quinta-feira, março 25, 2010

Google versus China



Rodrigo Constantino

“Aqueles que abandonariam a liberdade essencial para comprar um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança.” (Benjamin Franklin)

Nas últimas décadas, centenas de milhões de chineses saíram da miséria. O crescimento econômico tem sido espetacular. Muitas pessoas ficaram encantadas com o “modelo chinês”. Faz-se necessário, portanto, elucidar alguns pontos importantes, separar o joio do trigo quando se trata de China. Há muito joio ainda no meio dos trigos e, para piorar, algumas pessoas creditam justamente o que há de podre pelo “sucesso” chinês.

De forma bastante reduzida, a China entrou numa era de mais prosperidade (ou menos miséria) quando Deng Xiaoping abandonou parte das receitas socialistas de antes, alegando que o importante não era a cor do gato, mas sim que ele pegasse o rato. Este pragmatismo fez com que o poder central fosse relativamente reduzido em prol de mais liberdade econômica, ainda que muito pouca no geral. Mas bastou esta mudança para colocar em ritmo acelerado a máquina de exportações chinesa, calcada na mão-de-obra barata. A China entrou para a OMC em 2001, e aproveitou a onda da globalização como poucos. A parcela das exportações no PIB chinês quase dobrou em poucos anos, saindo de 20% em 2001 para 36% em 2007.

Dito de outra forma, a China vem experimentando a sua tardia “revolução industrial”, com forte foco mercantilista. Seu objetivo tem sido “conquistar” o mundo por meio das exportações baratas, graças ao gigantesco contingente de trabalhadores. Algo como 750 milhões de chineses ainda vivem nas pobres zonas rurais, em condições precárias. Os ganhos de produtividade com a migração desses trabalhadores para a indústria permitem a manutenção da competitividade chinesa mundo afora, especialmente em produtos intensivos em mão-de-obra. A simbiose tem sido interessante para todos, já que os produtos baratos chineses seguram os índices de preços finais aos consumidores nos países desenvolvidos.

Mas este modelo apresenta inúmeras falhas, que podem expor seus pilares insustentáveis com o tempo. O câmbio não é livre na China, sendo artificialmente controlado pelo governo para permanecer desvalorizado. O crescimento da base monetária tem criado pressões inflacionárias cada vez maiores. O crédito é controlado basicamente por quatro bancos estatais, com critérios políticos em seus empréstimos. O foco excessivo no crescimento do PIB tem feito com que governantes locais estimulem investimentos claramente ruins, apenas para apresentar bons números agregados. Até algumas cidades “fantasmas” já existem na China, com novas casas construídas, mas nenhum morador. O meio-ambiente acaba totalmente ignorado, e as cidades mais poluídas do mundo se encontram na China. A dependência dos consumidores de países mais ricos coloca a China numa situação frágil caso não haja crescimento mundial nos próximos anos. O risco protecionista é uma espada de Dâmocles para o mercantilismo chinês.

Esses são apenas alguns problemas e riscos para a China na próxima década. Há outro ponto que jamais deveria ser ignorado por todos aqueles que valorizam a liberdade: a China ainda vive sob uma ditadura. É verdade que o crescimento exponencial da classe média coloca pressão por mais liberdade civil no país, mas a reação do governo é igualmente forte. O PCC não pretende largar o osso facilmente. O massacre na Praça da Paz Celestial, em 1989, ainda arde na memória de muitos. Ninguém sabe até onde o governo estaria disposto a ir atualmente para preservar seu poder, mas o medo continua dominando muitas pessoas. E é nesse contexto que a “anárquica” internet precisa ser controlada.

Governo algum gosta da ampla liberdade de expressão e imprensa. As críticas, a exposição de fatos incômodos, a disseminação de mais conhecimento e informação, tudo isso representa uma ameaça aos governantes. A internet é a mais nova e potente arma em prol da liberdade e, por isso, governantes do mundo todo pensam numa forma de controlá-la. Claro que esta tarefa fica muito mais fácil sob uma ditadura. Em Cuba, a internet é item de luxo para poucos, além de corajosos clandestinos que se arriscam para mostrar a realidade da ilha presídio. Na Venezuela, o caudilho Hugo Chávez já declarou que pretende controlar a internet. Na China não seria diferente. Acontece que a tirania chinesa encontrou um obstáculo: a ética do maior site de pesquisas do mundo.

O debate sobre o que fazer em relação à presença na China tem dominado a agenda dos principais executivos da Google, desde que o governo intensificou a censura na internet. Sergey Brin, o bilionário fundador da empresa, com apenas 36 anos, resolveu comprar uma briga com o regime autoritário chinês. Seus pais tiveram que fugir com ele da União Soviética, justamente por não suportarem mais viver sob uma ditadura comunista. Seu pai valoriza a liberdade de buscar seus “próprios sonhos de empreendimento”, segundo Brin. O Google representa uma fantástica ferramenta no auxílio de milhões de pessoas buscando justamente isso. É uma estupenda conquista do empreendedorismo, do livre mercado.

Para todos aqueles que insistem em repetir o mantra marxista de que o poder está no capital, o caso da guerra entre Google e governo chinês é sintomático. O Google é uma empresa com cerca de US$ 180 bilhões de valor de mercado. Entretanto, parece impotente diante do poder do governo chinês. É a luta entre Davi e Golias. Na Rússia, o mais rico dos oligarcas foi esmagado em poucas semanas pelo Kremlin de Putin, quando se mostrou interessado pela política do país. Quando o governo concentra tanto poder assim, qualquer empresário é um simples refém seu.

Sergey Brin disse que espera a liberalização da internet na China como solução de longo prazo para o impasse. Todos aqueles que valorizam a liberdade torcem pelo mesmo resultado. Mas o realismo nos faz crer que a luta será árdua, desigual, e que o governo chinês conta com ampla vantagem no momento. Preservar a liberdade é uma tarefa hercúlea neste mundo repleto de autoritarismo. Mas é uma luta que compensa. Não desejamos mártires que sacrifiquem tudo por este ideal. Só que não deixa de ser estimulante ver uma empresa deste porte disposta a sacrificar uma fortuna em receitas, por compreender que ultrapassaram seu “limite de conforto”. Na batalha entre Google e governo chinês, entre capital e governo, entre empreendedor e parasita, entre liberdade e tirania, não resta a menor sombra de dúvida de qual partido tomar.

19 comentários:

ntsr disse...

'Na Venezuela, o caudilho Hugo Chávez já declarou que pretende controlar a internet'

Não é possível que até depois dessa o povo demente de lá continue apoiando ele

Marc disse...

A China deverá começar a se preocupar com pressões por mais liberdade quando a sua classe, digamos assim, média representar uns 40% da população. Em termos chineses é um número astronomico e para ser atingido as pressões sobre o meio ambiente e a produção de bens o tornam quase impossível.

Riba disse...

Rodrigo, a ditadura chinesa é notória. E mostra mais uma de suas faces quando o assunto é o programa de governo apelidado de "Great FireWall".
Mas a Google não é nenhum santo. Não está lá para levar liberdade. Utiliza desse artifício para comover o mundo, e até tem essa intenção, mas não como a principal. Num mercado de 1,3bi de pessoas, crescente, se pelo menos 10% tiverem acesso a internet, já são 130 milhões (não sei qual o numero, mas a tendência é de crescimento). É ou não é um belo mercado? Mas é claro que nada justifica o autoritarismo chinês e o sufocamento à liberdade de expressão. Isso é um absurdo. Só que devemos tratar esse assunto como "negócios", apesar da revolução que pode causar. Veja só, o sistema de monitoramento do governo chinês foi implantado pela CISCO, norte-americana, sem grande alarde, numa operação de negócios. Se os ideais da CISCO fossem contrários ao sufocamento da liberdade, não fariam o negócio. Mas como quem manda é o dinheiro, logo...

ntsr disse...

'Se os ideais da CISCO fossem contrários ao sufocamento da liberdade, não fariam o negócio. '

Quando vc vende uma faca vc pressupõe que o cara vai usar pra cozinhar e n pra matar os outros, n dá pra controlar o que os outros fazem com o que vc cria, uma consequência disso é que o capitalismo acaba colaborando com quem quer matar o capitalismo, uma coisa meio suicida, só fico me lembrando do dilema do prisioneiro onde quem colabora com o inimigo só se f...

Aprendiz disse...

Quando se vende uma faca a um notório assassino ou psicopata, deve-se considerar fortemente a possibilidade de que seja usada para estripar alguém. Foi também uma importante empresa de processamento de dados (na época, por meios mecânicos e não eletrônicos, é claro) que forneceu aos nazistas o suporte técnico para acessar rapidamente os nomes e endereços da maioria dos judeus alemães.

Isso merece um análise mais aprofundada.

Aprendiz disse...

O fato de algum ente, pessoal ou não, estar envolvido em atos gravemente injustos ou ilegais, leva parte do seus possiveis fornecedores a sentirem certa resistência em lhe fornecer os meios para perpetrar tais atos. Dependendo do grau de injustiça e/ou ilegalidde de tais atos, e da facilidade de distinguir os meios que efetivamente serão usados neles e da disposição interna de cada fornecedor, haver diferentes graus de objeção.

Dando um exemplo: Eu não sentiria constrangimento nenhum de vender a uma pessoa, um meio que quase certametne seria usado para iludir a receita federal. Apenas diria: Não tenho nada a ver com isso, eu apenas vendi um produto, não tenho responsabilidade nenhuma sobre como é usado. E intimamente, sempre consideraria que a verdadeira culpa é de quem arrecada impostos escorchantes para um governo ladrão.

Por outro lado, nem por bilhões de dólares, eu iria querer vender algo se tivesse uma vaga suspeita de que a finalidade da compra seria usar isso no assassinato de um inocente.

Ocorre que diferentes pessoas tem diferentes mundos interiores, e diferentess agentes econômicos agiriam de forma diferente.

NO caso de um governo genocida, haverá sempre diferença de postura entre os diferentes agentes econômicos. Alguns negarão totalmente os meios para o genocídio. Outros, terão restirções, mas podem ser "convencidos" por pressões, chantagens e ameaças. Outros, comerciarão sem nenhum constrangimento. A repercurssão pública terá certa influência sobre a maioria dos agentes.

Daqui, vamos à formação da convicção íntima dos diferentes agentes.

Aprendiz disse...

Em primeiro lugar, como se forma o mundo interior de uma pessoa?

urante a histporia, sempre se considerou que havia algo de inato e também a influência externa. Os diversos textos, de muitos povos, fazem referência a esses dois meios.

Durante as primeiras décadas do século XX, muitos pesquisadores, por motivos puramente ideológicos, tentaram afirmar que a influência interna era quase nula.


continua....

Aprendiz disse...

O grande motor dessa visão que reduzia o homem a produto do meio foi a esquerda. O maoista Skinner, as feministas andrófobas, os filhos intelectuais de Maquiavel e da escola de Frankfurt, todos queriam igonar ao máximo toda a complexidade interna. "Denunciavam" o ser humano como um construção ideológica, mas eles é que queriam violentar tudo que é interno, e tranformar o ser humano numa ferramenta do Partido.

Pois bem, quando começou-se a fazer pesquisa empirica, verificou-se que o conhecimento milenar de todas as civilizações estava correto. Como pensavam os antigos, embora fosse verdade que a influência do meio é importante, a influência interna não é menos importante. Isso quer dizer que a visão do homem como uma massa informe que pode ser moldada à vontade pelos engeheiros sociais é um crime, uma violência absoluta, uma agressão contra a natureza. O empreendimento das esquerdas, na sua totalidade, é um crime.

A natureza exata do conjunto de fatores internos, é um grande mistério, visto que seu estudo é muito difícil. Um completo ateu, verá nesse conjunto de fatores, apenas biologia. Um não ateu, como eu, julgará que se trata de uma interação entre biologia e fatores espirituais. Mas de qualquer forma, a imensa importância desse conjunto de fatores, já não é algo de que se possa duvidar, cientificamente. As pesquisas empíricas provam que há diferenças inerentes entre o cérebro masculino e o feminino, que o desenvolvimento mental segue uma seqüêncai natual, que a busca de coerência entre as informações é natural, que a falta de liberdade faz adoecer.

Aprendiz disse...

Agora, vamos à questão do meio externo. Neste sentido, um dos fatores mais importantes é a ideologia dominante, no sentido do conjunto de construções mentais que unificam e dão coerência à realidade.

Há construções mentais de nível bastante profundo e, muitas vezes, totalmente inconscientes, geralmente inatas. Por exemplo, a formação do senso de cor, pelo nosso cérebro. Você distingue, sob diferentes angulos e níveis de iluminação (que inclui uma diferente proporção entre as infinitas freqüencias de onda eletromagnética) a cor específica de um objeto. A laranja que você vê ao meio dia, talvez reflita, às três horas da tarde, um conjunto de frqüências muito semelhante às que a maça refletia ao meio dia. Entretanto, ao longo do dia, a não ser com luz muito fraca, você, via de regra, distingue as cores de laranjas e maçãs. A quantidade de processamento do cérebro de homens ou animais, para ter tal distinção, é enorme, comparando os pontos do campo visual. Em outras palavras, a sensação de cor, para um certo ponto do campo visual, é uma construção matemática complexa, que envolve uma comparação com os outros pontos desse campo.

Quão boas são essas construções mentais inatas? A sobrevivência dos humanos e animais provam a sua aderência à realidade. Via de regra, tanto homens como animais conseguem distinguir alimento verdadeiro de outras coisas que possam levar à uma rápida morte. Protegidos de predadores, tanto homens como animais morrem, em média, com idade próxima do seu limite biológico. Para um macaco, distinguir a distancia real do galho no qual deve pular, e controlar todos os fatores que envolvem o pulo (a partir de uma base que não é muito "firme"), envolve um processamento cerebral extremamente complexo. Mas não há espécies de macaco em vias de extinção por conta disso.

É claro, que, para individuos em particular, esse sistema de representação interna da realidade pode perder fortemente a aderência a essa relidade. Animais podem enlouquecer (principalmente os mais superiores, que necessitam de mais processamento cerebral) tanto quanto humanos. Ocorre que, fora da sociedade humana, a morte de individuos que não conseguem uma interagir suficientemente com a realidade exterior é, geralmente, extremamente rápida.

Aprendiz disse...

Há construções mentais de vários níveis, alguns fortemente conscientes, às vezes, com enorme nível de processamento simbólico. Tais construções também devem ter aderência à realidade, sob pena de destruição, mas isso ocorre de forma muito mais complexa, envolvendo grupos, e não indivíduos. Podemos considerar que a extrema falta de aderência de tais modelos mentais à realidade, uma doença.

Aprendiz disse...

Sigamos em frente.

É claro que quero chegar às ideologias atuais, e é impossivel chegar a isso sem passar pelo iluminismo. O primeiro ponto a ser entendido é que o iluminismo é conseqüência histórica daquilo que o precedeu, seu discurso adota a tradição ocidental de amor à razão (que não é, de forma alguma, uma tradição só ocidental, mas a forma dada é ocidental). É apenas o desenvolvimento natural do que veio antes.

O segundo ponto, é que o iluminismo é uma forma externa, que pode ter diferentes significados. É uma completa insensatez ver semelhanças demais entre Benjamim Franklin e Comté e é uma completa fraude colocar George Washington no mesmo saco de gatos com Russeu, embora hoje refiram-se a tudo isso, de forma genérica, como uma tradição "iluminista", com várias vertentes e conseqüências, mas ligadas a uma raiz principal. Seria mais sensato entender o iluminsmo como uma forma de discurso público, que muitas pessoas, numa certa época, com intenções e representações mentais extremamente diferentes, usavam (mais ou menos como o socialismo, hoje).

ntsr disse...

'...os filhos intelectuais de Maquiavel...'
Onde é que Maquiavel fala isso? Pelo menos no príncipe é mais sobre estratégia militar do que ficar divagando sobre a natureza do ser humano

Aprendiz disse...

Um terceiro ponto, muito importante, é diferenciar totalmente o revolucionários iluministas americanos dos franceses.

O ponto mais importante sobre os revolucionários iluministas americanos é que eles eram, na sua maioria, deistas, e não negavam isso. Seus discursos nem sempre tem completa coerência interna (mesmo porque vemos de forma plana, muitas vezes sem considerar a evolução do pensamento de cada um). Mas são basicamente uma busca, no mínimo, razoavelmente henesta, de expressar seu universo mental consciente. Seu deísmo, embora não seja evidente sempre, não era segredo, era refletido em livros e em discursos. A par disso, havia tanto entre declarados teístas como entre declarados deístas, um certo elemento ocultista, mas não há nenhum motivo para imagigar que a maioria dos dois grupos não fossem, quanto à convicção, basicamente aquilo que declaravam.

Esses deístas de tradição anglo-saxã, unidos a um povo que era majoritáriamente teísta, e a uma elite que era teísta, no mínimo em maioria simples, construiu uma nação que se tornou a mais poderosa da terra, basicamente pela sua imensa capacidade de produzir riqueza. Sua produção agricola e industrial aumentava cada vez mais, o povo tornou-se cada vez mais próspero, e suas intituições jamais descambaram totalmente para a ditadura.

Os dois grupos eram conscientemente honestos em sua itenção. A revolução tinha basicamente o objetivo declarado de dar a ambos os grupos a liberdade de ser o que eram. Não que não houvesse, individulamente, a tentativa de atrair tantos quanto possível à sua "fé". É natural ao homem buscar convencer outros da sua própria convicção, mas a intenção de ambos os grupos, com a revolução, era a liberdade, inclusive de que seus diferentes afirmassem o que pensavam. Esse objetivo, comum a ambos, era continuação de uma tradição libertárua britânica que vinha pelo menos da época dos celtas, e qualquer pessoa que já estudou um pouco da história da inglaterra, e sua relação tempestuosa com Roma (muito antes da reforma) sabe disso.

Aprendiz disse...

Um ponto importante a respeito da tradição iluminista: Geralmente seus aderentes tendem a ver a razão como algo que pode trazer as soluções, sem pressuposições anteriores, ou com um número muito pequeno de pressuposições.

Uma primeira consideração a respeito disso, é que a própria pressuposição de que os problemas se resolvem racionalmente, é adotada sem nenhuma prova formal (nem poderia, ela TEM de preceder a prova formal, para que a formalização da razão seja ao menos tentada). É uma convicção intima fundamental, a busca inata pela coerência. O sucesso do empreendimento das ciencias naturais básicas (a mais básica, a física teórica, e logo depois dela, a química), é um tributo não só à razão, mas também à intuição.

Vamos mais longe. Como qualquer pessoa racional percebe que não se pode ir a lugar nenhum sem pressuposições, a maioria dos iluministas (e seus herdeiros) refugiou-se na crença de que pode-se trabalhar com um número infimo de pressuposições, depois das quais, nunca mais se terá de recorrer à intuição e às convicções de fé. Há racionalidade na busca de dimuiniur o número de pressuposições, pois isso traz economia, e diminui o número de erros. Além disso, o prazer estético da solução simples é grande. Mas não há racionalidade em CRER que só porque alguém gosta de poucas pressuposições, ele poderá sempre resolver os problemas assim.

Há algo mais profundo aqui. O ser humano é intuitivo, e bilhões de pessoas viveram e muitas veveram bem, antes que os gregos tivessem conseguido formalizar tão bem a lógica. Não sei se alguma civilização, antes dos gregos, atingiu tal grau de pensamento lógico, mas o fato é que isso não chegou a ser, até onde se saiba, a causa da extinção de nenhuma delas. É o estado mais comum, e não uma doença, ter de tomar decições sem um completo conhecimento lógico da questão. Parece-me que sentir "asco" do conhecimento intuitivo seria algo como se alguém odiase uma das mão.

Aprendiz disse...

Quanto aos revolukcionários franceses, talvez o ponto mais fundamental seja a incoerencia completa entre a sua postura pública e a particular. Seu discurso racionalista escondia um grupo básicamente ocultista. Eles tinham duas doutrinas, uma externa (até certo poonto, parecida com a dos iluministas americanos) outra interna, que era totalmente contrária àquela.

Esse é um ponto fundamental, a revolução francesa foi feita por pessoas que eram uma fraude. Eles não apereceram diante do público e disseram: somos um grupo de ocultistas, aceitem-nos como somos. Eles se fingiram de racionalistas. Contrariamente à revolução, seu resultado imediato foi a destruição e morte do próprio povo, seguida depois de ditaduras de diversos formatos, um imperador louco expansionista chamado Napoleão. Essa revulução não trouxe democracia nem liberdade, e algo que pudesse ser chamado realmente de república, só surgiu muito tempo depois, após voltas e contra-voltas.

Aprendiz disse...

Há um aspecto mais importante ainda: Os revolucionários americanos não tinham qualquer intenção de fazer engenharia social. Tanto os cabeças deistas, quanto seus seguidores teístas, viam-se como seguidores da tradição de debate público e livre, dos gregos. E vendo-se assim, freqüentemente agiam de acordo. Sua revolução queria estabelecer uma forma de debate público, e não as respostas. Estas seriam propostas no debate, mas não mas a forma do debate continuaria.

Já os revolucionários franceses tinham uma intenção totalmente diferente. Eles trataram o povo, primeiro, como uma besta violenta. Era da sua violência sem peias que julgavam precisar. Queriam abater, não debater. E segundo, dirigiram o sentimento religioso do povo ao estado. A "república" dos revolucionários não era uma verdadeira república, porque era um deus, e não uma simples coisa pública. Um deus não é uma coisa do povo. E um estado que é um deus, terá necessáriamente de ser opressor do povo. Como moloque, esse deus exigia constantemente sua cota de sacrifícios humanos. talvez fosse esse o verdadeiro motivo espiritual de tanta morte sem sentido.

Isso difere totalmente dos revolucionários americanos, para os quais o estado era principalmente um esquema geral de manter a liberdade de viver e debater.

A primeira pergunta que os estudiosos, que comparam ambas as revoluções, deveriam fazer-se, é se as diferenças tão gritantes nos resultados, não foram causadas pela diferença fundamental entre os agentes.

fejuncor disse...

Todo burocratoparasitismo tenta evitar que as pessoas se exprimam. A expressão liberta o sentimento assim como o pensar liberta a razão. No Irã é o twitter, na China é o Google, na Venezuela as redes de TV, em Cuba blogs e sites em geral. Em comum o medo da mais nobre função da comunicação: despertar consciências. Teme porque devem.

Comparo com o rock. Quando consegue incomodar ditaduras e censores, ele está cumprindo sua função essencial. Aconteceu com o CD do Guns 'n' Roses, na China. Foi proibido no país, além de inacessível via Internet. E apesar de tudo se tornou sucesso entre os chineses. O que tanto a grande potência econômica (e ditadura) do mundo teme no disco de Axl Rose? Poderíamos dizer aos burocratas de lá, à guisa de consolo, ”it's only rock and roll”....

Não existe onde não há liberdade de expressão. Isto é fatal para todas as ideologias e religiões. Gostar por gostar de algo que pode ser feito batendo lata é subversivo. O rock já foi contra o calvinismo em Woodstok e ajudou a derrubar o muro de Berlin. O rock é subversivo. Ele mostra que nada precisa ser sempre igual. A web tem papel semelhante.

Por isso que, gostos a parte, sempre espero que obras como o Chinese Democracy carreguem um gen de ruptura fundamental para a sobrevivência do rock não apenas como gênero musical, mas como agente transformador. Tal qual os demais meios cooperativos e interativos que conhecemos; a internet, o mercado.... meios que libertam.

Aprendiz disse...

ntsr

O principe ideal de Maquiavel é Lorenzo de Medice, um ditador, e enganador do povo. A essência do pensamento de Maquiavel é separar a ética da política. Isso é exatamente o oposto da democracia, que se baseia na ética, no debate aberto, no direito ao contraditório. Não há democracia sem honra, para que a democracia se mantenha, muitos tem de acreditar que há algo mais importante que a vitória de seu próprio grupo, do que simplesmente esmagar o adversário.
Os pressupostos de Maquiavel estão em Gramsci. Por essa via, os socialistas atuais são filhos de Maquiavel.

Aprendiz disse...

Agora chego aonde pretendia.

O tradição dos revolucionários americanos virtualmente morreu. Um dos polos continua existindo, o elemento teísta popular americano. Mas existe semi-destruido. Pelos caminhos que percorreu a escola americana, esse polo teísta está desvinculado das suas raízes. Esqueceu a antiga tradição libertária inglesa, nada sabe sobre a cultura clássica. Não tem condições de manter o debate em alto nível.

O outro polo, os iluministas americanos, desapareceram sem deixar rastros. Foram substituidos por uma outra tradição, os filhos de Marcuse e Skinner. A atual elite revolucionária americana é muito mais parecida com os antigos revolucionários franceses, fingidos, liberticidas, homicidas, sonhando em fazer engenharia social. Eles não podem viver em paz com o próprio povo, simplesmente porque o povo não é o que eles desejam. As simpatias da elite do partido democrata são muito mais por regimes violentos e liberticidas do que pelas democracias. Apenas fingem serem herdeiros dos antigos revolucionários americanos, mas seu sonho é o estado que tudo abarca. Mais parecidos com a elite chinesa do que com os seus antepassados.

Espiritualmente, os EUA já morreram. Pela força de sua economia e FFAA, continua existindo, como um zumbi. Mas, para não ser sepultado de vez, teria de voltar à vida, teriam de surgir novas elites, que relembrassem a antiga tradição de liberdade. Isso talvez não seja algo que possa surgir sem que antes haja sofrimento. Simplesmente porque a maioria imagina que a liberdade é algo dado, que não pode ser perdido.