quarta-feira, maio 18, 2011

Enaltecendo a mediocridade

Rodrigo Constantino, para a revista VOTO

“Você não pode ensinar todos no mesmo ritmo, a menos que este ritmo seja reduzido para acomodar o menor denominador comum.” (Thomas Sowell)

A cultura americana tradicionalmente preza o mérito individual, enquanto o costume brasileiro invariavelmente apela para o coletivismo. Chega-se ao cúmulo, como teria desabafado Tom Jobim certa vez, de se considerar o sucesso um insulto pessoal por aqui. Não lidamos bem com as conquistas individuais, que logo atribuímos a algum conchavo político ou pura sorte. Não que estes fatores não existam, e até com freqüência. Mas uma sociedade que não aprende a domar a inveja natural e apreciar seus cérebros mais destacados está fadada ao fracasso.

Esta característica deve estar presente desde cedo. Qualquer um que convive com crianças sabe como elas são competitivas por natureza. Não há mal nisso. Cada um deseja se destacar de alguma forma. O sucesso na vida não é para todos mesmo, e não adianta alimentar ilusão contrária. O comunista Trotski sonhava com um mundo habitado por gênios como Goethe, todos com incrível talento, sem perceber que se todos fossem como o grande pensador alemão, este padrão de inteligência seria o normal. Ou seja, nada demais. E, com certeza, alguns cérebros mais brilhantes logo começariam a se distanciar desta média, despertando a inveja em muitos.

Em entrevista para a revista VEJA, o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jacob Palis, um dos grandes matemáticos do país, disse: “A experiência das melhores escolas, no Brasil e no exterior, mostra que uma boa aula pressupõe desafiar os estudantes o tempo todo, de modo que eles sejam expostos a problemas cada vez mais complexos e estimulantes intelectualmente, o avesso da decoreba. Apenas num ambiente assim se abre o espaço necessário para a inventividade”. Crianças precisam de estímulos para progredir, e somente um ambiente desafiador oferece isso.

Mas o matemático alertou: “O problema é que muita gente no Brasil ainda resiste a essas ideias. Dizem que os grandes desafios causam pressão sobre estudantes tão jovens e aguçam a competitividade. Mas por que se opor à competição no ambiente escolar? Não faz sentido. Precisamos, repito, criar mecanismos para rastrear os talentos precoces para as ciências e dar-lhes todas as oportunidades e incentivos, como ocorre, há mais de um século, no mundo desenvolvido”. De fato, o estímulo à competição não costuma ser bem visto no Brasil, e arrisco dizer que a situação está piorando sob a atual ditadura velada do politicamente correto.

Tivemos oito anos de governo de um presidente que não apenas falava errado, mas sentia orgulho de sua pouca cultura e educação. A ignorância voluntária deixou de ser vergonha e foi alçada ao patamar de quase reverência. Recentemente, vimos um dos resultados disso: a polêmica que causou o próprio MEC aprovando um livro que ensina a falar de forma errada. A autora argumenta que devemos trocar os conceitos de “certo” e “errado” por “adequado” ou “inadequado”. É o assassínio da gramática à luz do dia, com o auxílio do ministério que existe para tratar da educação! Talvez o próximo passo seja decretar que dois com dois não dá necessariamente quatro. O incômodo problema da inflação desapareceria num passe de mágica. Tudo depende do gosto do freguês...

Alguns podem achar que a reação foi excessiva, que é muito barulho por nada. Discordo. Em minha opinião, trata-se de um sintoma preocupante do tempo que estamos vivendo. A busca pela igualdade de resultados chegou a patamares doentios no Brasil. Nem todos que querem ser diplomatas falam o inglês, língua oficial da diplomacia internacional? Então tira-se o inglês da prova. Problema resolvido. Os mais pobres estudam em escolas que não oferecem qualidade de ensino para competir pelas vagas nas universidades federais? Então vamos criar cotas para arrombar a porta dos fundos destas instituições! A taxa de repetência é elevada? Vamos acabar com ela. E assim por diante.

Em outras palavras, o governo ataca somente os sintomas, nunca as causas. E sempre com esta nefasta mentalidade que valoriza a igualdade de resultados antes dos méritos individuais. Celebra-se a mediocridade neste país! Adota-se caminho oposto àquele seguido pela Coréia do Sul ou Chile, que souberam colocar ênfase nas conquistas individuais e deixar os ranços ideológicos de lado, investindo no aprendizado do inglês, por exemplo. No Brasil, ao contrário, ainda tem deputado que perde tempo defendendo leis que vetariam o uso de certas palavras da língua do “império”. É muito complexo de inferioridade mesmo.

Como sabia Adam Smith, “a inveja é a paixão que vê com maligno desgosto a superioridade dos que realmente têm direito a toda a superioridade que possuem”. Quando os brasileiros vão deixar esta inveja para trás? Uma sociedade igualitária é uma sociedade que assume o ritmo de progresso do mais medíocre dos seres medíocres. É isso mesmo que o Brasil quer? Até quando vamos enaltecer a mediocridade por aqui?

5 comentários:

Rafael Gargalhão disse...

Mesmo os "burros" são beneficiados pelas descobertas dos "inteligentes". Mesmo os pobres são beneficiados pelos investimentos dos ricos. A INVEJA, ALÉM DE IMORAL, É CONTRAPRODUCENTE.

André disse...

É simplesmente mentira que tem uma nova corrente de educação com a intenção de "ensinar erro".

Se fosse o caso, eu estaria de acordo com tudo isso que tá escrito aí. Mas não. Simplesmente não é o caso. A tal nova corrente de ensino não é nenhuma trama maléfica "de petista" querendo glamurizar a mediocridade pra elitizar (ainda mais) o governo e nem nenhum desses temores de sempre.

O que é tão perpetudado na mídia não passa de uma completa distorção, oferecendo fragmentos completamente descontextualizado pra construir algo explicitamente tendencioso. E, claro, sem dar nenhum espaço decente pra que verdadeiros estudiosos da língua possam rebater e explicar essa desnecessária polêmica baseada num equívoco intencionalmente perpetuado em massa.

Então, eu peço simplesmente para que se vá atrás dessas respostas. Faça uma pesquisa mínima sobre a resposta dos linguistas (e não jornalistas) com relação ao assunto.

Não é saudável ficar sempre ouvindo as mesmas opiniões das mesmas pessoas com quem já se sabe que se vai concordar...

xDDDre disse...

(PARTE 1)

Ô Rodrigo, vou usar o velho exemplo que cita o fato do Charles Darwin nunca ter dito que "o homem veio do macaco". Sério mesmo. Ele nunca disse isso e, na verdade, eu presumo que você tenha perfeita ciência dessa lenda creacionista (ou simplesmente ignorante). No entanto, pela mesma questão de interesses que pregavam (e ainda vivem insunuando) que Darwin nos chamava de chimpanzé, tão aos berros por aí que um tal livro "ENSINA ERRO". A distorção atinge o mesmo nível… e ainda tem quem acredite.

Olha, eu não sei desse livro particularmente porque, assim como você, nunca o abri sequer pra dar uma olhadinha. Mesmo assim, sei que essa forma de estudo pregada como horripilante não é nenhuma grande novidade - e muito menos horripilante. Desde lá pelos anos 60, linguistas do mundo todo (sendo o pioneiro um tal de William Labov, Americano inclusive) já começavam a considerar o fenômeno da variação linguística. MAS CALMA. Isso não quer dizer que, porque a língua varia, pode-se falar de qualquer jeito e fundar a sua nova variante pessoal, ou então usar qualquer variante em qualquer contexto porque nada mais é errado e a língua é anárquica. NÃO. Nada disso. Relaxa. Isso quer dizer, simplesmente, que a língua varia aqui e ali e, sendo assim, não é estática. A língua muda e é preciso entender isso pra ser capaz de acompanhá-la devidamente. Além do mais, por estatísticas pessoais (e até resultadas de pesquisas mesmo), nota-se que a língua varia de acordo com origens geográficas, sociais, temporais e blablablá. É aí, a partir disso, que a língua acaba servindo de ferramenta de discriminação social. Daí o termo "preconceito linguístico", que os jornais tanto se esforçam pra parecer exagerado, pedante e ridículo.

O preconceito linguístico, na realidade, não é um "novo" preconceito que se sustenta por si só. Ele nada mais é do que uma manifestação do bom e velho preconceito social e arrogante de que POBRE É INFERIOR e RICO É SUPERIOR. Durante anos, nas escolas, esse preconceito era institucionalizado sem que ninguém reparasse. E talvez ninguém mesmo: nem os próprios alunos. Ainda assim, essa noção dogmática e fechada de CERTO e ERRADO acabou por se mostrar desestimulante pros alunos de classes sociais menos prestigiadas (é, gente pobre). Pessoas dessas origens, justamente vindas de um contexto de baixa escolaridade, cresceram ouvindo "pra mim fazer", "nós vai", "as coisa é" e outras corruptelas da norma culta… e aí, quando colocam os pés na escola pra se dedicar e melhorar de condição, o professor tem logo que atacar que o jeito de falar de todos os familiares e amigos desse pessoal é um simples ERRO. Que é RUIM. Que é PIOR e que é FEIO. Os comentários (de tão conhecidos…) logo escorregam pras origens do infeliz, já que a língua é um reflexo delas.

Se o aluno vai realmente fazer as relações e se sentir ofendido, eu não sei. A questão é que, de fato, a escola é muito desestimulante de qualquer jeito. Além de ser chata pra basicamente toda a humanidade, países com escolas públicas fodidas como as nossas têm uma educação ainda menos atrante. E além de tudo isso, justamente quando se trata dos que mais precisam da educação pra ampliar seus horizontes, os alunos ainda têm que aturar indiretas ofensivas e desestimulantes sobre a sua vida e cultura. Fica parecendo que escola não é mesmo pra eles, que é só pra "filhinho de papai" que já nasce falando tudo bonitinho. E assim, eles perdem o interesse de estudar porque isso parece sugerir, também, uma mudança "de origem"… uma mudança "cultural". Então, por não estarem de acordo com isso (querem melhorar de situação, claro, mas sem perder aspectos íntimos de seu meio), ficam muito menos receptivos, abandonam a escola e acabam se prendendo numa eterna exclusão social. A questão não é nem ser competitivo ou não: a questão é a competição parecer ridícula, como que numa postura etnocêntrica de "competir cultura".

xDDDre disse...

(PARTE 2)

Por tudo isso, o conceito de variação precisa ser citado em sala de aula. Óbvio que é assunto muito complexo (que nem questionar a validade do tal 2+2 ser sempre 4 é coisa pra uma aula de lógica, cálculo ou física na faculdade), digno de pesquisas sérias e tudo o mais. Mas não é preciso se aprofundar nisso, basta que as aulas tenham um tom mais amigável, que mostrem que a normal culta é a variante mais conservadora e de maior prestígio na língua e que, por isso, é exigida em uma série de situações formais e tudo. Isso, não necessariamente, querendo dizer que é MELHOR ou PIOR a nível absoluto, mas mantendo a evidente realidade da vida, em que a tal norma culta é exigida na hora de se impor e expandir possibilidades não só sociais, como também de raciocínio mesmo (já que, no geral, é através das ferramentas da língua que melhor se pensa).

Enfim, não li o livro. Como disse, porém, acredito que se aplique a toda essa corrente de ensino que eu expliquei aqui. Ou seja: afinal, realmente, ele tem a mesma intenção de estudar e se focar no conhecimento da norma culta como qualquer outra gramática mais conservadora e normativa (até porque isso é justamente o que os alunos NÃO CONHECEM, e não a informalidade da vida que JÁ CONHECEM). Sendo assim, não é preciso se preocupar com a possibilidade do livro trazer exercícios e propostas bizarras de questões de prova, tipo "CORROMPA AS FRASES ABAIXO" ou "MARQUE A QUESTÃO MAIS CULTA E PRECONCEITUOSA" e nem nada INSANO do tipo.

Tudo o que se pretende oferecer é o mesmo conteúdo culto e prestigiado de sempre, mas sob um ângulo mais atual e realista, com potencial pra ser mais receptível por alunos de contextos sociais variáveis. A matéria, afinal, continuará na mesma: a linguagem culta e formal, comum a todos. A abordagem é que será mais amigável e fria, evitando termos como CERTO x ERRADO, BONITO x FEIO, RUIM x MELHOR e outros juízos de valor que podem afetar um estudo verdadeiramente científico do fenômeno social (e psicológico e biológico…) da linguagem.

Darwin só constatou que os humanos e os macacos tiveram um ancestral em comum na história da evolução da espécie.

xDDDre disse...

Você mesmo concordava comigo e não sabia:

“A experiência das melhores escolas, no Brasil e no exterior, mostra que uma boa aula pressupõe desafiar os estudantes o tempo todo, de modo que eles sejam expostos a problemas cada vez mais complexos e estimulantes intelectualmente, o avesso da decoreba. Apenas num ambiente assim se abre o espaço necessário para a inventividade.”
- Jacob Palis

Eis o espaço pro estudo da variação e pra não-dogmatização de regras eternas e imutáveis a serem decoradas...