terça-feira, maio 17, 2011

Sorrisos de orelha a orelha

JOÃO PEREIRA COUTINHO, Folha de SP

QUE SE passa contigo, Brasil? Leio e pasmo: o país da alegria está afundado em tristeza. O periódico médico "Lancet" investigou. Sentença: as doenças mentais são as principais responsáveis pelos anos de vida perdidos no país devido a maleitas crônicas.
Depressão. Psicoses. Dependência de álcool. Em São Paulo, um em cada dez adultos está na fossa. Será que Nelson Rodrigues tinha razão quando dizia que a maior forma de solidão é a companhia de um paulista?
Os especialistas avançam com explicações científicas para apaziguar o abismo. Existem causas bioquímicas, que antigamente eram difíceis de diagnosticar ou tratar. Existe uma longevidade humana que aprofunda os problemas mentais.
Certo, tudo certo. Mas posso sugerir ao leitor deprimido um dos mais importantes livros sobre a nossa desgraçada condição?
Pascal Bruckner escreveu-o, e o título diz tudo: "A Euforia Perpétua - Ensaio sobre o Dever de Felicidade" (ed. Bertrand).
Não, não é um livro sobre o Brasil e a imagem solar e carnavalesca para consumo turístico. É um livro sobre a natureza da felicidade no Ocidente pós-moderno, o que implica uma comparação com o Ocidente pré-moderno.
Regressemos à Idade Média. E perguntemos aos nossos antepassados o que significava a felicidade para eles. A resposta oscilaria entre o riso e a estupefação. Felicidade? Para homens que transportam o pecado sobre o lombo e se arrastam por um vale de lágrimas?
A vida é passagem. Se felicidade existe, ela existe do outro lado: esse momento redentor em que, pesadas as virtudes e os vícios, somos contemplados com o paraíso perdido.
Explica Bruckner que o iluminismo alterou profundamente essa concepção ao remeter o divino para o seu diminuto, ou nulo, papel. A construção da felicidade passou a ser terrena, dependendo de mãos terrenas e não dos caprichos de uma divindade julgadora.
O problema é que essa "secularização" da felicidade não terminou com as nossas infelicidades. Aumentou-as significativamente ao transformar a felicidade em direito e, de forma crescente, em dever.
Hoje, não queremos apenas ser felizes. Sentimos a obrigação esmagadora de o ser: de acumular os objetos, as experiências e as aparências de uma utopia pessoal tão devastadora como as utopias coletivas do passado.
Nós e apenas nós somos os autores do nosso próprio roteiro. Falhar é falhar sem desculpa: "O paraíso terreno é onde eu estou", dizia Voltaire. O inferno também, digo eu. Mas como lidar com as chamas da infelicidade quando me prometeram tudo e um pouco mais?
Não é por acaso, explica Pascal Bruckner, que somos a primeira civilização que se sente infeliz por não ser feliz; no fundo, a primeira civilização para a qual a tristeza e a dor, a doença e a decadência, a velhice e a morte são vistas como aberrações que não estavam no programa.
E essas aberrações são tratadas como aberrações: proscritas por uma sociedade de euforia perpétua.
Infelizmente, uma sociedade de euforia perpétua só pode gerar perpétuos hipocondríacos, avisa Bruckner: gente obcecada com o estado do corpo e da alma, e que vai ao tapete ao mínimo sinal de alarme. Quem vive para um único fim perfeito não pode tolerar uma multidão de momentos imperfeitos.
Ilusões. Agônicas ilusões. Porque nem todo o poder dos homens foi capaz de extirpar as misérias humanas; perversamente, o que a modernidade fez foi abolir a sua expressão pública, uma forma de as remeter para canais esconsos, silenciosos, invisíveis. Como um vulcão em atividade dormente que explode no dia em que o sorriso petrifica.
O ensaio de Pascal Bruckner, ao analisar os descontentamentos das sociedades afluentes, de que o Brasil é agora um representante excelso, não é uma apologia da tristeza; muito menos de um regresso à medievalidade cristã, como se isso fosse razoável ou desejável. "O fato de nem tudo ser possível", escreve o autor, "não significa que nada é permitido".
Na verdade, muito é permitido. Mas a única forma de domar a "euforia perpétua" passa por entender que a felicidade não é um direito nem um dever; a felicidade é, quando muito, a decorrência contingente de uma ambição mais modesta e que, à falta de melhor palavra, se designa simplesmente por viver.

4 comentários:

Anônimo disse...

Vamos todos nos conformar com a tristeza, até porque se mudar alguma coisa no brasil vai ser pra pior

fejuncor disse...

Que coincidência, DIGÃO, o Luiz Carlos Prates na sua coluna de hoje no “A Tribuna”, jornal de circulação aqui da região de Criciúma-SC, também falou exatamente a respeito disto.

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Falsos felizes
Abro o jornal e recebo uma flechada. A flecha, envenenada, vem em forma de manchete na Folha. Diz assim: - “Depressão e alcoolismo estão encurtando a vida dos brasileiros”.
O mundo, na constrangedora maioria do povo, parece ter perdido o parafuso do equilíbrio emocional. Cada vez mais as pessoas, de todas as idades, consomem ansiolíticos. Esta semana, num dos meus comentários no “SBT- Meio Dia”, deixei muito claro que o futuro de um traficante de drogas é muito estreito: ou cadeia ou uma bala na testa. Não há sobre a Terra traficantes longevos. E disse também que o futuro dos consumidores de drogas é a grave depressão, o embotamento mental, a fragilização paulatina da saúde, a loucura e a morte, de um modo ou de outro. Ansiolíticos de “mocinhas” matam...
Leio também os obituários dos jornais, quero saber do que morrem as pessoas, com que idade e o que faziam na vida. E fico muito irritado com o que contam os amigos, os sobreviventes. Dizem que a pessoa falecida era alegre, gostava de dançar, de jogar cartas, tinha sempre uma anedota na ponta da língua etc etc. Tudo mentira. Quem de fato vive assim não morre. Não morre cedo. Morrem os farsantes da falsa alegria, das dissimulações silenciosas.
Já falei aqui inúmeras vezes de um livro fascinante – Quem Ama Não Adoece – de um cardiologista do Recife, Dr. Marco Aurélio Dias da Silva. O livro explica da origem emocional das doenças, todas elas. E o amor de que fala o doutor não é o amor físico entre pessoas, é amor à vida, a uma causa, a um projeto, a uma paixão existencial, enfim. Isso é hoje muito raro entre as pessoas, o que mais há é vazio existencial, embotamentos que precisam ser preenchidos com falsas alegrias, daí as depressões, as drogas e o álcool.
Fugir da aflições da vida vazia pelas drogas é encurtar o caminho para a depressão, para a loucura e para a morte. Mas os anestesiados” não pensam assim. Depois morrem e os amigos ficam mentindo, mentindo sobre as enganações de que foram vítimas.

prates@centraldediarios.com.br

Anônimo disse...

E quem lucra com isso? Os psiquiatras.Como as 'doenças' mentais são um mar de conceitos vagos e imprecisos, todo mundo pra eles precisa tomar remédio.E depender deles pra ter a receita.

Anônimo disse...

eu sempre digo aos meus amigos estrangeiros que há algo mal num país onde se bebe tanto.