Rodrigo Constantino, Palavra do Gestor - Valor Econômico
Peço que o leitor imagine a seguinte cena: uma festa, duas horas da madrugada, o dono da festa está servindo bebida grátis há horas, e todas as pessoas bonitas já estão devidamente acompanhadas.
Agora pergunto: qual a chance de cada indivíduo da festa começar a usar critérios menos rigorosos no julgamento de beleza? O veredicto acaba bem mais obsequioso, e corre-se o risco de elevar feiosas ao padrão de modelos.
Mas o que isso tem a ver com o mercado financeiro? Em minha opinião, essa é a melhor analogia para o que ocorre atualmente no mundo das finanças. A festa é o mercado, as pessoas são os ativos disponíveis, a bebida é a liquidez abundante e o dono da festa são os bancos centrais. Há anos eles tentam estimular de forma irresponsável o preço dos ativos. Parece natural supor que muitas opções feiosas em tempos normais serão vistas como lindas nesse contexto.
Os keynesianos acreditam que cabe ao governo despertar o "espírito animal" dos investidores. Mas animais agem por puro instinto, enquanto seres humanos deveriam contrapor suas emoções ao raciocínio. Essa tarefa fica imensamente dificultada quando as intervenções maciças de governos distorcem absurdamente os preços na economia. O valor relativo dos bens perde sentido, os sinais que os preços emitem confundem os investidores e a especulação desesperada na busca por retorno cresce de forma assustadora.
Em uma economia saudável, indivíduos poupam para terem recursos disponíveis para investimentos produtivos. Quanto maior for a poupança, mais alternativas existem para investimentos. A alocação desses recursos, feita de forma livre pelo mercado, busca as opções mais rentáveis disponíveis. A taxa de juros "natural" ou de equilíbrio, o retorno do capital poupado, será dependente da oferta de poupança e da demanda por investimentos.
Quando os bancos centrais injetam liquidez artificial nos mercados, eles reduzem a taxa de juros para um patamar inferior ao de equilíbrio. Isso faz com que os agentes do mercado pensem que há mais oferta de poupança disponível, o que é falso. A probabilidade de ocorrerem investimentos que não fariam sentido em condições normais aumenta nesse cenário. Os ciclos econômicos seriam produzidos ou ampliados dessa maneira, e as bolhas seriam o efeito de tais medidas.
Essa explicação, ainda que sucinta, é adequada para ilustrar os acontecimentos da última década. A entrada da China e da Índia nos mercados globais permitiu um choque de produtividade na economia, reduzindo os preços de inúmeros produtos. Sem perceber risco inflacionário, os bancos centrais mantiveram taxas de juros abaixo do normal. A bolha de tecnologia foi criada, e quando ela estourou, os bancos centrais se negaram a aceitar os ajustes necessários após os excessos cometidos. Uma nova rodada de estímulos aconteceu (mais bebida grátis), e com o auxílio de inovações financeiras, a bolha imobiliária foi parida.
Em 2008, essa bolha também estourou. Uma vez mais, os governos e os bancos centrais não toleraram a fase de ajustes necessários. Estímulos sem precedentes foram realizados. As taxas de juros estão próximas de zero nos países desenvolvidos há mais de dois anos, sem falar dos programas de compra direta de ativos pelos bancos centrais. Até agora, eles conseguiram criar a ilusão de prosperidade, uma recuperação artificial totalmente dependente dos estímulos.
Além disso, o desemprego segue elevado, a inflação sai do controle em alguns países e as commodities parecem ter entrado em região de bolha. O ouro chegou a US$ 1.500 por onça, lembrando que se trata de um "anti-investimento", uma vez que não produz "yield" algum, servindo apenas como proteção. E moedas de países emergentes, especialmente com muitos recursos naturais, como o caso brasileiro, valorizaram-se de forma acelerada.
Ganharam até agora os que souberam especular nos efeitos desses estímulos, mas trata-se de um jogo perigoso. Já os poupadores responsáveis, em busca de investimentos produtivos que permitam um futuro melhor, ficaram sem muitas opções. O retorno real dos títulos públicos de dez anos dos países desenvolvidos, "livres de risco", é de pífios 0,7% ao ano. Para viver de renda sem mexer no principal, um americano médio que gasta US$ 50 mil por ano precisaria ter mais de US$ 7 milhões poupados!
É a eutanásia do poupador, que ajuda a criar bolhas nos países emergentes. As feiosas agradecem, alçadas ao patamar de "top models" pela completa falta de opção. O problema é quando a ressaca chegar e o investidor acordar ao lado de um tremendo tribufu.
Rodrigo Constantino é sócio da Graphus Capital
10 comentários:
Adorei tua explicação. E excelente para quem, como eu, n4ao tem muita noção demercado financeiro.
:)
A inflação já saiu da meta do governo. E agora, dilma ?
Excelente. Mas, Rodrigo, você não acha que é aquela história... Intervenções do estado: ruim com, pior sem?
A idéia dessas artificialidades criadas não seria controlar as anomalias econômicas ou, no mínimo, suavizar suas consequências (das anomalias) quando elas (consequências) já são inevitáveis?
Identifico-me bastante com seus pontos de vista. Não consigo ver sentido somente nesse radicalismo de extinção do Estado que sinto em seus textos, vídeos, palestras. É fato que os nossos Governos (Brasil, pelo menos) são o cúmulo da incompetência. Contudo, não consigo vislumbrar um mundo melhor se eles não existissem.
Sabemos que todo sistema tende ao equilíbrio. Assim, acredito que deixar os "sistemas econômicos" se equilibrarem por si só é arriscado por demais, já que esse ponto pode ser atingido tarde demais.
Abraço e continue escrevendo!
Rodrigo, vê se tu acha bom ajudar a divulgar:
http://www.precojustoja.com.br/index.php?status=sucesso
vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=Q4rEJr3sUO8
Parabéns Constantino pelo artigo.
Como já dizia Ayn Rand à “economia mista” é uma economia em vias de se cometer suicídio. Na medida que todos esses países “social democratas” estão afundados em divida, se vem reféns por outro lado de manter suas taxas de juros baixas já que um aumento nas taxas de juros torna a consolidação de sua custodia bem mais cara.
Sou quase um total leigo em economia e também às vezes penso como o Othon. Por exemplo: o auxílio dos governos aos bancos quebrados em épocas de crise é bom ou ruim? Por um lado, considero injusta e desmerecida a ajuda a banqueiros irresponsáveis e incompetentes; por outro lado, temo que a ausência de ajuda possa provocar uma quebradeira geral, com prejuízos desmerecidos e injustos para os correntistas e poupadores desses bancos e para a própria economia como um todo.
O que fazer, então? Deixar sangrar ou salvar, ainda que artificialmente?
Desculpem se escrevi bobagem.
Deixar sangrar.
Então essa conversa de proteger o correntista é balela, milhares de pequenas empresas vão a falencia todo dia e governo nenhum está nem aí pros clientes delas.
' http://www.youtube.com/watch?v=Q4rEJr3sUO8 '
Ler os comentários desse vídeo só serve pra confirmar o que eu já sabia: o brasil não tem jeito.
ntsr.
Antiético é o governo recorrer a aporte da sociedade para salvar instituições que tem "capital livre" para se auto-capitalizar.
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