sábado, maio 28, 2011

Marxista pop e o novo comunismo


Rodrigo Constantino

A esquerda festiva carioca entrou em polvorosa estes dias, com a visita do filósofo marxista Slavoj Zizek, que atacou a democracia representativa liberal em palestra no Odeon. O caderno Proza & Verso do jornal O Globo entrevistou o filósofo esloveno e traz matéria de capa hoje com o título “A novidade do comunismo”. Como se a mais ultrapassada ideologia de todas pudesse ter realmente alguma novidade...

Zizek defende as “causas perdidas”, e lamenta a perda do espírito revolucionário da esquerda. Ele não tem tempo para angústias e dúvidas, típicas dos liberais que reconhecem a complexidade da vida em sociedade: “Penso que existe a verdade, que existe a verdade universal, e que ela pode mesmo ser vista politicamente”. Claro que esta verdade seria... a sua. Como disse Bertrand Russell, o problema no mundo é que os tolos e fanáticos estão sempre tão certos de si mesmos, mas as pessoas mais sábias estão repletas de dúvidas.

Para Zizek, o problema de Hitler é que ele não foi violento o bastante. Calma, ele explica: não é que ele deveria ter matado mais judeus; é que ele não foi violento o bastante na revolução, em que violência significa “transformação das relações sociais”. Gandhi é que teria sido mais violento como revolucionário, pois organizou um movimento de massa com o objetivo de impedir o funcionamento do Estado colonial inglês na Índia. Alguém sente o cheiro, ainda que de leve, do duplipensar orwelliano aqui? Paz é guerra. Verdade é mentira.

O filósofo não defende, portanto, a violência. A revolução deve vencer no “dia seguinte”. Agora, como ninguém é de ferro, ele confessa: “Se aqueles no poder resistem, é claro que deve haver alguma violência, mas apenas como forma de defesa”. Entenderam? Sou contra a violência, mas se os demais não concordarem com minha revolução, que afinal de contas é a pura encarnação da verdade absoluta, e disso tenho certeza, então sim, posso usar violência como meio, em legítima defesa. Não é fantástico?

Revolução, para Zizek, não é um estado de emergência, mas apenas “mudança radical”. Ele explica melhor: “Revolução para mim é mudança nas relações sociais de poder”. O filósofo acredita que esta “revolução” não se dá com eventos isolados, midiáticos, com massas nas ruas tacando fogo em carros, mas sim de forma lenta e gradual. Um trabalho árduo, diário, paciente. Quem compreendeu isso foi o comunista italiano Antonio Gramsci, que criou um verdadeiro estratagema de tomada de poder em doses homeopáticas, pelas vias culturais principalmente. Nada novo aqui também.

Como em toda seita, há a esperança no dia da redenção. Para Zizek, “o comunismo vai vencer ou estaremos todos na merda” (na verdade, todos onde o comunismo venceu é que ficaram sempre na merda). Ele reconhece que o resultado geral do comunismo no século XX foi um fiasco, e que a social-democracia está hoje em crise. Mas Zizek ainda defende o comunismo, pois o capitalismo liberal global, em que ele curiosamente inclui a China, não tem condições de resolver os problemas atuais, como a questão ambiental, biogenética e propriedade intelectual. E ele não se considera um utópico. Para Zizek, a única utopia é “acreditar que as coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual”.

Aqui ele resgata o pessimismo malthusiano para justificar seu ponto: “É claro por exemplo que se a China continuar se desenvolvendo na escala atual haverá uma demanda materialmente impossível de atender”. Será mesmo? Desde muito tempo que os pessimistas alegam que o crescimento populacional não será acompanhado pelo progresso material, mas os dados insistem em prová-los errados. A qualidade de vida material aumentou e muito no mundo de forma geral, e graças justamente ao progresso capitalista. O mercado tem essa mania de inovar, de aumentar a eficiência e produtividade, ou seja, fazer mais com menos. Os recursos naturais não mudaram muito no planeta, mas atualmente temos bilhões de habitantes, e o petróleo não vai acabar em breve! O problema da China não é o crescimento acelerado, mas a falta de liberdade econômica. O lado ruim é justamente a herança comunista, não as pitadas de capitalismo que fizeram milhões saírem da miséria.

Por fim, resta mencionar quem foi o “filósofo” brasileiro que ajudou a divulgar o evento com Zizek: Emir Sader. Para quem não lembra, Sader é aquele que até hoje defende o regime cubano, a mais longeva ditadura do mundo, responsável pela morte de milhares de inocentes. Talvez seja a tal violência necessária para as mudanças sociais, que um dia ainda hão de chegar! Sader escreveu um artigo para enaltecer a vinda de Zizek, em que diz: “Sua nova vinda ao Brasil será, sem dúvida, um grande acontecimento intelectual e político. É um provocador, no melhor sentido da palavra – de provocar o debate, a revisão de clichês, de saber se situar contra a corrente, de enfrentar temas que outros abandonaram, sob a pressão da mídia conservadora. Vale sempre a pena ler e ouvir Zizek, interlocutor obrigatório de quem não tem medo da realidade do presente, do passado e do futuro”.

Como vocês podem ver, é o “novo comunismo”, sem nenhuma ligação com aquele velho, carcomido e putrefato junto com os milhões de cadáveres que produziu. Quem for louco o suficiente que compre estas novas embalagens para os mesmos sonhos utópicos de antes, que deixaram apenas um enorme rastro de sangue e miséria. De minha parte, fico com este “maldito” liberalismo democrático, que tem seus defeitos sim, como qualquer modelo de sociedade com seres humanos imperfeitos, mas que é infinitamente mais justo e eficiente, como a história mostrou. Reformas e mudanças, sempre! Afinal, trata-se de um modelo vivo, uma sociedade aberta, que deve progredir gradualmente, por tentativa e erro. Mas “soluções” mágicas, ainda mais o resgate do mais que ultrapassado comunismo, isso nem pensar!

O filósofo e psicanalista Zizek costuma encantar as esquerdas. É o marxista pop, como alguns já o chamaram. Ser popular com a esquerda festiva que adora viajar a Paris e com jovens revolucionários que odeiam “tudo que está aí” e querem destruir o “sistema” não é mérito algum para mim. Prefiro todos os anônimos ou impopulares que lutam diariamente para construir, de fato, um mundo melhor e mais justo, com respeito às liberdades alheias e, por tabela, repúdio ao comunismo, novo ou velho.

11 comentários:

J.L. disse...

E o pior é que a imprensa ache normal o Zizek declarar barbaridades como essa do Hitler. Por outro lado, se um intelectual da direita, como Roger Scruton, viesse, seria massacrado. Pior, desautorizado: "de onde ele acha que tem direito de dizer essas coisas sobre o comunismo?".

Hugo Venturini disse...

Perfeito Rodrigo!

Anônimo disse...

"A qualidade de vida material aumentou "e muito" no mundo de forma geral, e graças justamente ao progresso capitalista".

Caro Rodrigo:

Até você? Rs. O correto seria "aumentou muito" e não "aumentou e muito". Esta mania de dar ênfase ao advérbio "muito" já está incomodando. Não está gramaticalmente errado mas é desnecessário e, aqui prá nós, é MUITO CHATO!! Rs. É o nova mania, cujo autor eu gostaria de encontrar e "esganar" rs. Saiu o "a nível de" e chegou esse "e muito". Arre!!!!

Abraços!!

Anônimo disse...

'Desde muito tempo que os pessimistas alegam que o crescimento populacional não será acompanhado pelo progresso material, mas os dados insistem em prová-los errados.'

Rodrigo, e a alta no preço dos alimentos?

Rodrigo Constantino disse...

A alta no preço dos alimentos tem mais a ver com juros zero no mundo rico que com crescimento populacional, em minha opinião. Mas sim, de fato o crescimento econômico da China pressiona as commodities também. Só que isso não quer dizer que vai faltar comida. Basta adaptar a oferta. O problema é que há muita intervenção estatal no setor, com subsídios agrícolas que limitam a busca por eficiência, regras ambientalistas muito rigorosas, fatores ideológicos que atrapalham a tecnologia na área (transgênicos, por exemplo), etc.

O capitalismo dá conta sim da alimentação da população mundial. Mas tem que deixá-lo trabalhar em paz...

Anônimo disse...

Então ele veio pra confirmar que o Hitler é da mesma laia deles?

Isso não é novo, sabe, há tempos que já se compara nazismo com o comunismo propriamente dito, do outro lado mesmo, já vi doido antissemita qualificando-o de revolucionário alemão, é que ultimamente isso está sendo mais divulgado.

warholframe disse...

Primeiro que Nazismo e Comunismo sao coisas muito diferentes, que os intelectuais de direita tentam parecer o mesmo. Se vc for mae ou pai, vc vai saber, que qualquer mudanca, benefica ou nao, requer leadership. A tendencia do ser humano eh de se adaptar e aceitar o que lhe eh imposto e nao mudar. O capitalismo dominou o senso de bom e ruim mundialmente e qualquer discussao sera regada a exemplos praticos dos quais nenhum de nos esta longe no nosso cotidiano. Isso eh uma imposicao economica e cultural. A mais forte arma de conquista pos-moderna.

samuel disse...

ESCLARECIMENTO A "warholframe said...
Primeiro que Nazismo e Comunismo sao coisas muito diferentes,..."
MUITO DIFERENTES MAS COM OS MESMOS RESULTADOS.
Em que mundo warholframe se encontra? Comunismo é o fascismo com face humana, isto é; mata mais seres humanos...

Anônimo disse...

A única diferença importante entre o nazismo e o comunismo é que o hitler perdeu.Campos de concentração foi uma invenção da russia comunista.

Anônimo disse...

Engraçado como hoje querem dividir nazismo e comunismo como coisas totalmente opostas. Hitler em 1941 já havia dito que nazismo e comunismo são basicamente a mesma coisa. Se Hitler admitiu isso, como é que seriam coisas "totalmente diferentes"?

Thiago disse...

Para Zizek, “o comunismo vai vencer ou estaremos todos na merda” (na verdade, todos onde o comunismo venceu é que ficaram sempre na merda).
Acho que o Brasil , infelizmente , está começando a feder ...