sábado, julho 13, 2013

Inanição é assassinato?

Fonte: O GLOBO
Rodrigo Constantino

A capa do caderno Prosa & Verso do GLOBO de hoje estampa a foto de um menino de dois anos, africano, que sofre de inanição. O choque é imediato para todos aqueles com um pingo de sensibilidade e empatia. É revoltante! 

A reportagem fala do livro do sociólogo suíço Jean Ziegler, que foi relator da ONU por oito anos. Para Ziegler, que é professor em Sorbone, se há alimento suficiente sendo produzido no mundo e crianças morrendo de fome, isso é assassinato. Será?

Uma reflexão mais imediata diria que sim. Se sobra de um lado e falta do outro, então só pode ser um ato intencional, um crime, um assassinato em massa. Mas esse é um pensamento simplista, emocional e, acima de tudo, equivocado, que leva ao socialismo e que, como resultado prático, seria responsável pela morte de muito mais gente. Explico.

Faltam casas de um lado, e tem gente com duas casas do outro. Sobram roupas em alguns armários, e faltam em outros. Claro está que, no limite, esse tipo de raciocínio vai levar ao socialismo igualitário, onde "alguém" (o estado) será responsável por equilibrar os resultados, por tirar de João e dar a Pedro, por invadir a casa de Maria e abrigar nela Ana. Sabemos como todas as experiências desse tipo terminaram: com fome, miséria e escravidão.

A fome não é um grave problema nos países mais capitalistas. Curiosamente, o suíço pensa que o problema está justamente... no capitalismo! Alguns ainda chegam ao descalabro de acusar o capitalismo pelo fracasso africano, como se este continente tivesse alguma mísera ponta de sistema capitalista. Não tem! O que falta na África é capitalismo, livre mercado, respeito à propriedade privada, ao lucro obtido honestamente em trocas voluntárias etc. 

O sociólogo não quer saber de nada disso, não quer entender como funciona o livre mercado, a especulação, nada disso. Ele prefere observar uma disparidade que revolta, e acusar o lado rico, como se este fosse responsável pelo lado pobre. O suíço, que vive do lado rico, pensa que atacando a riqueza vai reduzir a miséria. É uma crença estúpida. Ele diz, demonstrando sua ignorância sobre economia:

São vários os mecanismos que matam. A primeira explicação é a especulação nas bolsas de commodities com alimentos como trigo, arroz e milho, que correspondem a 75% do consumo mundial de alimentos. [...] Essa especulação, que infelizmente é legal, produz lucros astronômicos para os fundos e mortes nas favelas. Nos últimos dois anos, o preço do milho no mercado mundial aumentou 63%. A tonelada de trigo dobrou. [...] Quando os preços explodem, os mais pobres não conseguem comprar os alimentos. [...] Esses especuladores de alimentos devem ser colocados diante de um tribunal internacional por crime contra a Humanidade. São diretamente responsáveis pela morte de milhares de pessoas.

Falta, aqui, um mínimo de conhecimento sobre o assunto. Ele observa o sintoma e o confunde como a causa. Os preços sobem porque há estímulos monetários de bancos centrais, porque governos criam inflação para não cortar gastos, mas não porque há especulação (que sempre houve, diga-se de passagem). Ele acusa o termômetro pela febre!  Nesse meu artigo, tento explicar melhor as funções dos especuladores. Seria melhor se focássemos nas raízes dos problemas, não em quem tenta arbitrá-los.  

Nesse outro artigo, eu uso Hayek para explicar em maior profundidade a questão do problema econômico. Infelizmente, poucos buscam esse tipo de conhecimento mais detalhado acerca do funcionamento da economia. Sem esse instrumento, porém, a chance de errar no diagnóstico é altíssima. Como estamos cansados de saber, o inferno está cheio de boas intenções. O sociólogo suíço está nesse grupo, quando diz:

É um problema estrutural do neoliberalismo. O neoliberalismo puxa a liberalização total de todos os circuitos de mercados, capitais, serviços, patentes, a privatização de todos os setores públicos, o desmantelamento do poder normativo do Estado. As multinacionais têm nas mãos um enorme poder político e financeiro e escapam a todo controle social. Do outro lado, há uma maioria que sofre fome, epidemias, ausência de direitos fundamentais.

Esse meu outro artigo refuta essa falsa dicotomia criada pela esquerda, entre lucro ou vidas. Lamento o fato de que o tipo de discurso usado pelo sociólogo ainda conquiste tanta gente leiga. É um discurso sensacionalista, que vende bem, que coloca seu autor como um altruísta preocupado com os mais pobres e famintos, contra os gananciosos empresários que só querem lucrar. Nada mais falso! 

Tenho convicção de que quem ainda tem dúvidas, irá dissipá-las após a leitura dos textos indicados. Os argumentos são claros, os exemplos históricos também. É preciso ter embasamento econômico para não ser vítima dessa retórica demagógica que, em nome de fins nobres, produz apenas mais miséria e inanição. Isso, sim, pode ser visto como um assassinato indireto: vender ideologia socialista por aí.

9 comentários:

Bruno Sampaio disse...

Como é fácil colocar a foto de uma criança desnutrida e acusar o "capitalismo" pela fome dela! Porque não atacam o VERDADEIRO problema, ditaduras AFRICANAS que não tem a menor vontade de mudar esse quadro, preocupados que estão em viver como príncipes, enquanto gastam tudo em armamentos. Isso sim é selvageria.

Anônimo disse...

Constantino, estava pensando... não seria interessante abordar uma ética de situações cotidianas relacionadas ao liberalismo?

Por exemplo, quando os filhos se revoltam com os pais por estes não dar tanto dinheiro quanto poderiam, isso se dá por que os filhos não tem consciência de que o dinheiro dos pais é propriedade privada dos pais? Não conhecer a noção de propriedade privada neste caso estaria no fundo de conflitos familiares e destruição da família.

Outro exemplo prático, crianças pequenas muitas vezes tentam tomar o o brinquedo de outras crianças ou se pode tratar da inveja que leva a pensar em prejudicar o outro.O ladrão, quando rouba, não respeita a propriedade privada de outro. Existem inúmeros outros exemplos.

Lélo Adalís disse...

Há que se ver as incongruências de cada sistema, se o socialismo tem as suas, o capitalismo também. O problema do capitalismo liberal é se instala num território e transforma todos os recursos naturais em pó, a ganância é cega, e o indivíduo por ter méritos acredita ter direito a tudo que quiser. Desse jeito não vamos. Capitalismo liberal não é uma solução viável também.

Lélo Adalís disse...

Há que se ver as incongruências de cada sistema, se o socialismo tem as suas, o capitalismo também. O problema do capitalismo liberal é se instala num território e transforma todos os recursos naturais em pó, a ganância é cega, e o indivíduo por ter méritos acredita ter direito a tudo que quiser. Desse jeito não vamos. Capitalismo liberal não é uma solução viável também.

Anônimo disse...

Rodrigo: acho que em futuro artigo vc deveria esclarecer melhor alguns pontos.
Calcula-se que há 800 milhões de desnutridos no mundo. É um número muito grande, tanto em termos absolutos como relativos.
Concordo que as experiências de economia planificada na URSS e China não resolveram o problema, mas alguma coisa precisa ser feita e acho que o governo deveria ter algum papel nisso. Então, para vc, qual seria o papel do governo para ajudar a resolver o problema da fome? Outra questão: alguns afirmam que são produzidos alimentos suficientes no mundo para acabar com a fome. Se isso for verdade, por que a fome continua? Intuitivamente, parece que apenas o livre mercado não teria poder para resolver isso.

Anônimo disse...

Qualquer solução distributivista que não seja caridade privada seria ilegítima e autoritária. O mercado não vai e nem poderia produzir para doar. A solução ideal seria os países pobres passarem a dispor de mão-de-obra mais qualificada e produzir o suficiente para livre troca. Como isso não acontecerá tão cedo, apela-se à caridade privada para amenizar o sofrimento. É o jeito.

Anônimo disse...

O sofrimento, a dor, a fome e as precariedades em geral fazem parte da vida; fazem parte da existência. Pode-se minimizar temporariamente o padecimento desse ou daquele, mas a carência sempre haverá aqui ou ali. Nisso os antigos são muito mais sábios que os modernos e sua mania de querer resolver os problemas do mundo.

Em relação aos africanos, primeiramente cabe a eles mesmos tentar solucionar seus problemas políticos e econômicos; em segundo lugar, se não o fazem, paciência. O mesmo se diga sobre os brasileiros miseráveis. Em muitos casos, é questão de sorte mesmo. Alguns nascem para a pobreza e outros para a riqueza. Alguns nascem ricos e morrem pobres e vice-versa. É a vida e a sua instabilidade.

Ricardo disse...

Constantino,
Discordo de você nesse artigo e concordo com o sociólogo. Ao mesmo tempo que ele defende o socialismo você defende o capitalismo. Não dá para ser tão um e tão outro. Vejo que o problema da fome é só mais uma consequência da concentração de renda excessiva que há no mundo. Não sou a favor da distribuição, mas sou contra o excesso. O excesso de obesos mórbidos de um lado e o excesso de inanições do outro. Isso é extremamente insustentável. Pode-se colocar a culpa na política e governos dos países africanos, mas quem entende um pouco da história mundial, percebe que isso, assim como o Brasil, é fruto do colonialismo europeu e de países do 1º mundo, ideais do capitalismo, que só são o que são hoje graças a pobreza de vários outros. Por isso, tem de haver ponderação na hora de defender uma "filosofia". Abs

Ricardo disse...

Constantino,
Discordo de você nesse artigo e concordo com o sociólogo. Ao mesmo tempo que ele defende o socialismo você defende o capitalismo. Não dá para ser tão um e tão outro. Vejo que o problema da fome é só mais uma consequência da concentração de renda excessiva que há no mundo. Não sou a favor da distribuição, mas sou contra o excesso. O excesso de obesos mórbidos de um lado e o excesso de inanições do outro. Isso é extremamente insustentável. Pode-se colocar a culpa na política e governos dos países africanos, mas quem entende um pouco da história mundial, percebe que isso, assim como o Brasil, é fruto do colonialismo europeu e de países do 1º mundo, ideais do capitalismo, que só são o que são hoje graças a pobreza de vários outros. Por isso, tem de haver ponderação na hora de defender uma "filosofia". Abs