segunda-feira, julho 29, 2013

Pondé em Miami

Rodrigo Constantino

Em sua coluna de hoje, o filósofo Luiz Felipe Pondé fala da angústia do "eu", sempre em busca de satisfazer expectativas de terceiros. Pondé descasca essa tirania dos desejos na era moderna, esse "faz tudo" pelas aparências, os embustes dos programas de "autoconhecimento" à jato, enfim, ele aponta para vários sintomas de uma das principais doenças da modernidade.

Mas não quero falar disso. Quero pegar um trecho de seu texto mais profundo e focar em um aspecto bem mais raso e superficial. Receio que o bebê seja jogado fora junto com a água suja do banho. Eis a passagem em questão:

Outro dia, contemplava pessoas num aeroporto embarcando para os EUA com malas vazias para poder comprar um monte de coisas lá.

Que vergonha. É o tal do "eu" que faz isso. Ele precisa comprar, adquirir, sentir-se tendo vantagem em tudo. O "eu" sente um "frisson" num outlet baratinho em Miami. O mundo faz mais sentido quando ele economiza US$10. E o pior é que, neste mundo em que vivemos, faz mesmo sentido. Qualquer outra forma de sentido parece custar muito mais do que US$ 10.

Entendo perfeitamente o ponto do filósofo. Como morador da Barra da Tijuca há três décadas, posso atestar com inúmeros exemplos concretos a existência desse tipo de gente em abundância. São pessoas "bregas", como diz o próprio Pondé, que pensam ser possível preencher um vazio existencial com roupas de grife (muitas já ultrapassadas nos States) ou aparelhos tecnológicos de ponta. Não podem.

Dito isso, considero injusto jogar todos no mesmo saco. Quem é movido por isso, quem é "escravo" dessas paixões consumistas, quem, enfim, confunde seu próprio "eu" com a marca estampada em sua roupa ou seu celular, sem dúvida representa o alvo típico do ataque de Pondé. Trata-se não só de algo brega, como algo um tanto triste do ponto de vista existencial.

Mas nem todos que vão para Miami de malas vazias sofrem desse mal. É perfeitamente factível alguém ter outros interesses, outros valores, um pensamento mais denso e profundo sobre a vida, e ainda assim não gostar de rasgar dinheiro, ou pior, de deixar boa parte do que gasta nas mãos corruptas do nosso governo.

Fazer compras em Miami é apenas algo racional. Encontra-se de tudo a um preço bem menor. Em certos casos, para quem pretende comprar muita coisa, talvez um enxoval de casamento ou para o bebê, consegue economizar bastante dinheiro mesmo incluindo a passagem. Não estamos falando de US$ 10, mas de centenas de dólares.

Essa quantidade enorme de gente que viaja para Miami para fazer compras pode ser perfeitamente um indício do sintoma que Pondé aponta no texto, mas pode muito bem ser evidência de outra doença, mais prosaica, mais trivial: os preços absurdos dos mesmos produtos no Brasil, basicamente devido aos impostos escorchantes. Como diz um amigo meu, compro em Miami porque sou pobre; se fosse rico, comprava no Brasil mesmo.

Por fim, é preciso ter cuidado com intelectuais e filósofos que pairam acima desses desejos materialistas. Não é o caso do próprio Pondé, que volta e meia expõe a hipocrisia dessa gente, que finge gostar de filmes chatos iranianos enquanto assiste escondido a novela da Globo. São esquerdistas que condenam o consumismo do capitalismo portando uma bolsa da Louis Vitton, pois ninguém é de ferro.

Claro que os excessos consumistas devem ser condenados. Como eu disse, é muito triste alguém ser "escravo" de uma marca de roupa ou celular, tudo pelas aparências, pelos outros. É muito vazia, muito superficial, uma vida assim. Mas é perfeitamente normal usufruir dos produtos modernos, sem se deixar cegar por isso. Usá-los, e não ser usado por eles. 

Para os que conseguem isso, nada melhor do que pagar um preço bem menor por eles, pois ninguém gosta de rasgar dinheiro, nem intelectuais. E para isso, nada melhor do que comprar em Miami, onde tudo é muito mais barato. De quebra, ainda há bons restaurantes. Convido Pondé para um bate-papo profundo no Nobu. Falaremos de Dostoievsky, Camus e Kafka, comeremos muito bem, e a conta será menor do que a de um restaurante mediano paulista. Que tal?

PS: Absurdo mesmo é o governo brasileiro insistir com um limite ridículo de US$ 500 por pessoa para trazer de fora, sendo que a polícia alfandegária está cada vez mais atenta, revirando até roupas das malas em busca de mais arrecadação com esses impostos indecentes. 

8 comentários:

Reuniao da Mafia disse...

Rodrigo acho que sua analise é muito boa, mas o texto do Ponde esconde um outro tipinho tão ridículo quanto esse escravo do consumismo.

O jovem rico metido a hippie que tem tempo e dinheiro pra ficar vagabundeando pelo mundo, do Peru ao Tibet, da Tailândia a Paris, lá vai ele viajando (com o dinheiro do pai) a procura do seu "EU".

Ai quando retorna ao Brasil cheio de experiências "ricas" (a maior parte obtida a base de consumo de entorpecentes) esse jovem vai pra Paulista pregar a renuncia aos bens materiais e o fim do capitalismo enquanto destrói bens públicos.

Esse elemento para mim é o pior cancer que a classe média já gerou.

GRANVILE ALENCAR disse...

Caro Rodrigo, além dos impostos, temos a regulação: No caso de suplementos alimentares (vitaminas, minerais, etc) nossa regulamentação é absurda, tratando como medicamentos, suplementos que são vendidos em supermercado nos EUA. E duvido que a nossa ANVISA seja mais competente que o FDA. Mas como tudo nesse país, regula-se para alguém levar vantagem.

rodrigo disse...

Enxoval? Se vc comprar 4 pares de tênis paga a passagem. O pondé fica falando essas coisas pq ele fica incomodado ao ver tanta gente com dinheiro e gastando. Isso se chama inveja. A água suja a q vc se refere no início do texto tbém existe, e se chama orgulho.

Anônimo disse...

Passei uma vista d’olhos num livro do Pondé, não me lembro o nome, mas achei uma coisa muito chá das cinco, papo-cabeça para dondocas da Casa do Saber, tipo assim Lya Luft. Também já vi algumas participações dele na TV, achei fraquinho, bem puquiano (from PUC). Embora se apresente e faça crer ser um intelectual de direita, carrega um indisfarçável ranço petista de que esse seu artigo é testemunha: aparência despojada nos modos e nas falas públicas, e um radical discurso contra a elite, mas que encobre uma essência absolutamente aristocrata. Tem gente mais elitista - e etnocêntrica - que um petista pregando contra a pobreza e salvando os pobres da miséria com bolsa-família, ele em cima e a patuleia là bas?

Anônimo disse...

Hoje mesmo procurei saber o preço de uma bateria reserva pra minha Nikon D5100, que, diga-se de passagem, um amigo fez o favor de trazer pra mim dos EUA. Na Amazon, a bateria custa US$ 40; na Zamax, uma loja brasileira especializada em fotografia, a mesma bateria custa R$ 240. Sorte minha que uma sobrinha tem viagem marcada pros EUA.

Anônimo disse...

Eu acho legal comprar no exterior é tudo mais barato. Não compro em outlets, mas em lojas normais. Prefiro artigos de boa qualidade como os blusões e meias de cashmere (sem qualquer logo de marca aparentes)recentemente adquiridos na Escócia.
Também comprei traje na Harrods.

José Oliveira/RS

Anônimo disse...

Livre arbítrio:
Cada um faz o que bem entender com o seu "EU". Que cada um tire liçoes de seus erros e acertos.
Em tempo: não sou apologista da anomia. Regras e leis existem desde que o homem começou a se organizar em sociedade, lá no início da agricultura, há pelo menos 10.000 anos

Anônimo disse...

Normalmente gosto de seus textos e principalmente de sua orientação política. Mas a mistura que está fazendo de Miami e das pessoas que vivem de marcas e consumo desfoca o tema.

Desde que eu era criança e usava kichute já tinha uma turma que não saía de casa sem uma calça da M-Officer, e não tinha Miami como alternativa viável. E eles não eram ricos, eu tinha 10 calças de bancada e eles uma de grife, era escolha.

Hoje quem vai pra Miami está buscando duas coisas até citadas em seu texto, comprar mais barato produtos de melhor qualidade, diminuir o dinheiro pago em impostos que é a gasolina da corrupção e além de tudo passear em um belo lugar conhecendo uma outra cultura.

Hoje me veria vestindo uma bermuda da Timberland, uma polo da US Polo e um tênis Puma, mas só porque estas roupas são melhores e custam a metade do preço de uma bermuda, uma polo e um tênis sem marca da Renner.

Pela primeira vez em minha vida eu uso roupa de marca, só porque descobri que quando não sou roubado por um governo pelo menos na ponta da compra (já que me roubam quando recebo meu salário), posso comprar coisas boas e bonitas.