sábado, junho 29, 2013

O efeito do populismo

Rodrigo Constantino

A nova pesquisa Datafolha mostra que a aprovação da presidente Dilma despencou 27 pontos em apenas 3 semanas. Resultado, evidentemente, das manifestações que tomaram as ruas do país, derrubando a imagem falsa de cenário fantástico que o governo tentava vender aos incautos e adormecidos.

Quando abrimos a pesquisa por região, renda e escolaridade, o efeito do populismo do governo petista salta aos olhos. Enquanto no Nordeste somente 16% consideram o governo ruim ou péssimo, essa proporção quase dobra no Sudeste, indo para 30%. Por outro lado, 40% dos nordestinos entrevistados avaliam o governo como ótimo ou bom, contra apenas 26% no Sudeste.

Sabemos que as esmolas estatais do programa Bolsa Família se concentraram mais no Nordeste, o que sem dúvida explica boa parte dessa diferença gritante. Mas qual partido vai ousar colocar o dedo nessa ferida? Qual político terá coragem de chamar as coisas pelos seus nomes verdadeiros, e condenar essa absurda compra de votos?

Quando analisamos as avaliações por renda familiar, também fica claro que o populismo do governo atrai os mais pobres, como ocorre na Venezuela bolivariana ou na Argentina de Kirchner. Se somente 23% daqueles que ganham até dois salários mínimos consideram o governo ruim ou péssimo, essa proporção chega a 33% na faixa superior a dez salários. Desses mais ricos, apenas 21% avaliam o governo como ótimo ou bom, contra 35% dos que ganham até dois salários. Esses dados corroboram com a análise acima.

Avaliando por escolaridade, 31% dos que possuem nível superior pensam que o governo Dilma é ruim ou péssimo, enquanto apenas 21% consideram que ele é ótimo ou bom. Já para aqueles com curso fundamental, a aprovação sobe para 38%, e a reprovação cai para 22%. Quanto mais estudo formal, menos empolgação com o governo Dilma.

Claro que os populistas do PT podem usar esses dados para, uma vez mais, vender a idéia de que seu governo é uma luta do "povo" contra as "elites", mas quem ainda cai nessa baboseira? O fato é que o PT, como todo partido demagógico, chafurda na miséria e na ignorância, vendendo promessas irreais, distribuindo benesses e comprando votos. Sua forma de governar, como todo populista, é segregar o povo, colocando uns contra os outros.

O resultado disso, na Venezuela, na Argentina, na Bolívia e no Equador, foi catastrófico. Vivemos em tempos onde o que vem dos guetos, das favelas, das "comunidades" deve ser celebrado. Acabou que a Venezuela, líder nesse processo, virou ela toda uma grande favela, com pequenas ilhas de prosperidade, quase sempre de gente ligada ao governo.

Hoje em dia, os mais ricos e educados é que parecem querer copiar os demais, e não o contrário. Vide o modismo com o funk. Uma pena, pois, como fica claro, os mais pobres e com menos estudos são também presas mais fáceis e vítimas dos populistas de plantão, que adoram perpetuar essa miséria e essa ignorância para se preservar no poder.  

sexta-feira, junho 28, 2013

Xenofobia corporativista

Rodrigo Constantino

Deu, nesta quarta-feira (26), no Valor: Carência de leitos demanda R$ 5 bi em cinco anos

O Brasil precisa investir R$ 5 bilhões nos próximos cinco anos para suprir a carência de 14 mil leitos hospitalares, segundo estimativa da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp). Se a legislação brasileira permitisse, grande parte desses recursos poderiam ser supridos por investimentos estrangeiros, já que não há disponibilidade interna de um volume de capital dessa magnitude. O projeto de lei 259/2009, do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), amplia as possibilidades do recebimento de investimentos estrangeiros na assistência à saúde, abrindo a perspectiva de melhoria do atendimento e de expansão do setor.

O projeto altera a artigo 23 da Lei 8080/90 para permitir a participação de empresa ou de capital estrangeiro na assistência à saúde como pessoa jurídica, sob a forma de sociedade anônima, com o máximo de 49% do capital votante.

O número de leitos é uma variável importante no segmento hospitalar para a obtenção de ganhos de produtividade e poder de barganha. No Brasil, a média é de 71 leitos por hospital, segundo a Anahp. Nos Estados Unidos, a média é de 162 leitos por hospital. De acordo com a entidade, enquanto o número de usuários de planos de saúde cresceu, em média, 4,1% ao ano desde 2007, foram fechados cerca de 11,2% dos leitos privados no mesmo período, um total de 18.322 leitos.

"Nossa expectativa é de que haja simetria entre os diversos atores do setor de saúde, ou seja, regras iguais para todos", diz Francisco Balestrin, presidente do conselho de administração da Anahp. Hoje, apenas os planos e seguros de saúde admitem a entrada de capital estrangeiro, inclusive na compra de hospitais.

Segundo Balestrin, o setor tem registrado o interesse de vários players internacionais em investir no país, tanto da parte de privaty equities, quanto de investidores institucionais e de empresas proprietárias de redes hospitalares. Não que esses investidores possam suprir toda a necessidade de investimentos, que é muito alta, mas seu ingresso também estimularia a entrada de outros players nacionais. "Quando você tem players internacionais, o mercado fica mais profissional e mais atraente inclusive para empresas locais. Abre-se um círculo virtuoso no mercado, que se torna mais profissional", diz Balestrin.

O projeto estabelece restrições parciais ao capital estrangeiro nas áreas de cirurgia cardiovascular, hemodinâmica, quimioterapia, radioterapia, hemodiálise, transplantes e bancos de órgãos ou tecidos, por considerá-las passíveis de controle por oligopólios. Também impede que o investidor estrangeiro opere apenas em nichos de grande rentabilidade, em detrimento da exploração de outros serviços. O objetivo dessa restrição é desestimular, com a limitação do número de leitos, qualquer investimento estrangeiro na saúde voltado exclusivamente para a alta complexidade, como um hospital especializado em cirurgia cardíaca.

O hospital até pode ser especialista, mas terá que atuar também na média complexidade e na atenção básica. Além disso, o investidor estrangeiro também será obrigado a se associar a um parceiro local, que deverá ser o sócio majoritário do empreendimento, com participação mínima de 51%.

O principal argumento do senador Flexa Ribeiro é o aumento da concorrência que a entrada do capital estrangeiro propiciaria no mercado de saúde, com a consequente redução de preços para os compradores de serviços. Segundo Balestrin, o projeto havia ficado parado por algum tempo mas o assunto voltou a ter destaque depois da audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, realizada no início de junho. "Temos que trabalhar com a preocupação de que a vinda desses recursos sirva principalmente para investimentos, para a construção de novos hospitais, laboratórios, enfim, para melhorar a qualidade do atendimento aos usuários desse setor de saúde suplementar", disse o senador Humberto Costa durante o debate. Para ele, a vinda de recursos externos pode favorecer a tendência de incorporar mais equipamentos, tratamentos sofisticados, muitas vezes desnecessários.

Já o diretor do Departamento de Regulamentação, Avaliação e controle de Sistemas do Ministério da Saúde, Fausto dos Santos, não considera que a vinda do capital estrangeiro seja a solução, "mas uma alternativa importante que permitirá a chegada de novos recursos". A seu ver, trata-se de investimento de maturação tardia, ou seja, com perspectiva de retorno do capital empregado a longo prazo.

Comento: Será que as pessoas pensam que os administradores estrangeiros de hospitais são todos como a bicha má da novela "Amor à vida", da Globo? Como explicou um amigo, analista do setor:

É muito visível a diferença entre o setor de laboratórios e seguradoras/operadoras e o de hospitais. Não deveria ser assim, pois apesar de algumas diferenças, todos eles estão expostos aos mesmos drivers (geração de emprego formal, aumento da renda, envelhecimento da população, etc...). A entrada de capital estrangeiro é a responsável por isso.

DASA e Fleury vieram a mercado, captaram e investiram bastante para expandir a rede de atendimento. Outros laboratórios como o Pardini e o Alliar receberam investimentos de private equity do Gávea e Pátria, respectivamente. Como sabemos que o mercado de PE (Private Equity) na maioria das vezes tem como estratégia de saída a bolsa, esses investimentos também estão indiretamente ligados a possibilidade de entrada de capital estrangeiro.

Para o setor de plano de saúde o exemplo é a Amil, que foi listada e "deslistada". Já rebatendo as potenciais críticas dos nacionalistas a respeito da venda de uma líder de mercado para um gringo, não faltam comentários de reguladores e políticos sobre os benefícios que a United vai trazer ao mercado brasileiro em termos de upgrade tecnológico com investimentos em sistemas de TI que façam uma melhor gestão de sinistro. Ela faz isso há décadas nos EUA.

Voltei: O Brasil é mestre nessas maluquices xenófobas. Sabemos, por exemplo, que a Azul existe, tendo pressionado a concorrência oligopolizada de TAM e Gol e capturado em pouco tempo quase 20% do mercado de aviação nacional, só porque seu dono, por acidente, nasceu no Brasil. Seus pais eram gringos e estavam de passagem por aqui. Caso contrário, o dono da JetBlue não poderia abrir sua empresa brasileira. O setor de educação sofre barreiras parecidas. E hospital idem. Faz sentido? Qual o nexo de o país abrir mão do capital e da expertise estrangeira nessas importantes áreas? Claro que as desculpas nacionalistas são apenas cortina de fumaça para proteger empresários locais. É uma xenofobia corporativista... 

Escravos contemporâneos


Rodrigo Constantino, para o Instituto Liberal

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou nesta quinta-feira por unanimidade a chamada PEC do Trabalho Escravo (PEC 57-A/1999). O texto, que há 14 anos tramita no Congresso, permite a expropriação de terras onde houver “exploração” de trabalhadores. Nesses casos, as terras seriam destinadas à reforma agrária ou a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário.

Claro que ninguém pode ser contra isso, certo? Falso. O leitor, quando escuta “escravo”, provavelmente pensa em trabalhadores acorrentados, levando chibatadas dos capazes, impedidos de sair em busca de alternativas de trabalho. Mas não é nada disso! Os “escravos” contemporâneos não guardam similaridade alguma com os escravos do passado.

Se não tiver carteira assinada (mais de um terço da mão de obra brasileira não possui carteira), se as condições do local de trabalho não forem "adequadas" de acordo com infindáveis normas arbitrárias (são mais de 250), se as autoridades, enfim, resolverem achar indícios de "trabalho escravo", então o proprietário poderá perder sua propriedade, sem mais nem menos.


Abre-se um precedente perigoso, um risco enorme ao nobre e fundamental pilar da sociedade moderna: a propriedade privada. Todos gostariam que as condições de trabalho fossem as melhores possíveis em todo lugar, óbvio. Mas não é por meio de canetadas milagrosas do governo que vamos obter melhorias. Essas regras vagas podem servir como instrumento para fins ideológicos da esquerda. Schopenhauer alertou: “Quem espera que o diabo ande pelo mundo com chifres será sempre sua presa”.  

quinta-feira, junho 27, 2013

Ativismo de rua é vantagem para a esquerda

Ou Profissão: Revolucionário

Rodrigo Constantino

Vou tentar explicar de forma bastante sucinta porque a tendência é o ativismo das ruas virar monopólio das bandeiras de esquerda, como sempre foram. Entender essa lógica é fundamental para aquele grupo de liberais ou libertários empolgado com as manifestações, pensando ser possível capturar as ruas para o lado de cá.

O liberal, por definição, possui visão antiestatizante e mais individualista, menos coletivista. Além disso, ele costuma defender a meritocracia e o livre mercado, premiando o esforço do indivíduo. Isso faz com que ele, normalmente, valorize bastante a educação, o trabalho, a preparação em nível individual para subir na vida.

Em meu tempo de PUC, a distinção não poderia ser mais clara: no mesmo pilotis, habitavam os futuros economistas e advogados, aproveitando o tempo vago entre aulas para estudar, e o pessoal de comunicação, que formava o grupo "Cambralha", uma turma que parecia ter tempo vago infindável para fumar maconha e "debater" sobre os males da humanidade.

É claro que estou generalizando e, portanto, sendo injusto com muitos casos individuais. Mas o grande quadro era esse mesmo. Lembro-me perfeitamente quando a lanchonete Subway anunciou que teria uma filial na faculdade. Os economistas e advogados agradeceram mais uma opção de lanche rápido, e os esquerdistas do "Cambralha" fizeram o que mais gostam: um teatrinho para protestar, com todos de mãos dadas lutando contra o "capitalismo". O slogan era "A PUC não é shopping center". Losers...

Mas eis o meu ponto principal: liberal quer ralar para ser alguém na vida, e para tanto precisa estudar e trabalhar. Já muito esquerdista, desde cedo, percebe que há uma alternativa para os vagabundos: pegar megafones, gritar slogans populistas, vestir camisa do assassino Che Guevara e pintar o rosto em passeatas. Eles aprenderam que alguns chegam até ao Senado com essa incrível trajetória! Os outros, como prêmio de consolação, ganham postos em sindicatos e estatais.

Logo, quanto mais tempo a "ocupação" das ruas demorar, mais os liberais terão que abandonar a farra e retornar para suas vidas cansativas, de dedicação aos estudos e ao trabalho. Já os esquerdistas verão nisso uma oportunidade para seu futuro na política, nos sindicatos, na UNE. A desvantagem é evidente para o lado liberal.

Para piorar, há a questão do financiamento. O liberal acredita na responsabilidade individual e condena o estado inchado; já o esquerdista adora mamar nas tetas estatais! Ele suga os impostos dos outros via ONGs, sindicatos, patrocínios estatais etc. Nenhum grupo com bandeiras liberais terá fôlego para manter um exército de ativistas nas ruas; os esquerdistas vivem disso!

As manifestações têm sido marcadas cada vez mais cedo, no meio da semana. Quanto mais tempo isso durar, menos adesões de liberais veremos, e maior será a parcela dos esquerdistas defensores do grande estado. Além disso, os liberais também vão acabar retirando seu apoio, pois manifestações no meio do dia são desastrosas para os negócios. Quem depende do lucro para sobreviver não pode se dar ao luxo de parar dia sim, dia não, de perder faturamento. Já quem vive de impostos pode passar o dia inteiro nas ruas, pregando um "mundo melhor".

Espero ter deixado bem claro porque os liberais deveriam condenar esse tipo de "democracia das ruas". Ela estimula a demagogia, o sensacionalismo e o populismo, e ainda por cima se torna território quase exclusivo, com o passar do tempo, da esquerda. Esse não é o nosso campo de batalha.

A voz das ruas

Só para dizer que eu escutei a "voz das ruas" e aumentei a fonte para facilitar a leitura pelo blog. Obrigado a todos pela colaboração.

Racionalização: O país que não se conhece

Milton Simon Pires

Racionalização - Processo de justificar, pelo raciocínio, um comportamento qualquer depois de realizado, atribuindo-se-lhe outros motivos que não os reais.
Por não poder conceber os motivos reais por trás do comportamento de seu amado, a moça promove uma racionalização, ao afirmar veementemente: "Ele não ligou porque está trabalhando até tarde".
Comecei o texto assim, com um “copiar e colar” de um tal de dicionário informal da internet, para dizer que é exatamente isso que a imprensa brasileira começou a fazer agora com as manifestações. É impressionante ver que se criou um certo tipo de “narrador de manifestação” - alguém que começa com “como é bonito ver as pessoas exercendo seus direitos” e termina com “são uns poucos vândalos que estragam esse momento democrático atirando pedras nos policiais”..
Pelo amor de Deus, até quando vai esse tipo de comentário imbecil? Até quando esses “gênios” da Globo News, Band e outras “empresas de comunicação” vão continuar com a idéia de que estão transmitindo algo que tenha regras? Não é preciso ser um especialista para entender um mínimo daquilo que se chama de “psicologia de multidão” - uma ciência que para LBB, a Legião Brasileira de Bobalhões, deve ser nova. Entendessem um mínimo a respeito daquilo que falam e chegariam à conclusão de que um movimento assim não é um desfile de escola de samba, que ele não tem inicio, meio e fim, e que o comportamento de todas, isso mesmo seus idiotas, de todas as pessoas é imprevisível! Multidões não são times de futebol, não podem ser “analisadas” ao vivo pelo Galvão Bueno, e não existem “destaques” nelas para se analisar. A violência intrínseca de 120.000 pessoas nas ruas de São Paulo consiste  exatamente em 120.000 pessoas nas ruas de São Paulo! Não interessa o que elas vão fazer nem se a motivação é justa. Não interessa nem ao leitor saber aqui se sou contra ou não ao direito das pessoas se manifestarem. 120.000 pessoas caminhando pelo meio da rua numa cidade do tamanho de São Paulo ou qualquer outra grande capital brasileira é, em si, algo perigoso e violento por natureza. Qualquer um que já esteve em algo assim sabe que as pessoas mais corajosas e fortes tornam-se covardes e fogem da polícia ao mesmo tempo que mocinhas de colégio se transformam em demônios – fiz um cursinho de psicologia pela internet nesse final de semana e aprendi isso - legal, né?
Enquanto a “ficha não cair” e o próprio Brasil não apreender sequer a interpretar o que está sentindo não há mérito algum em “psicólogos de televisão” serem contra ou a favor daquilo que está acontecendo. Já disse em texto anterior o que penso estar ocorrendo, já disse que sou fanaticamente contra, apontei quem são os responsáveis,  e defini quais seus objetivos. Hoje a ideia foi outra – mostrar que a imprensa do “país tropical e abençoado por Deus” não sabe nem como narrar os fatos  e mistura um sentimento de “Festa da Democracia” + “desfile de escola de samba” + “catástrofe natural” numa prova evidente de racionalização e numa “manifestação”, se me permitem o trocadilho, mais do que clara de que o país não se conhece...

O alvo é o PMDB... e o PT adora isso!

Fonte: Estadão
Rodrigo Constantino

Quando há uma revolta generalizada "contra tudo isso que está aí", contra a política em si, o "sistema", pode estar certo de que o PMDB será o grande alvo. Não sem boa dose de razão!

Afinal, o PMDB representa justamente essa forma corrupta, fisiológica, clientelista de exercer o poder político no Brasil. Falou em patrimonialismo, pensa-se logo em Sarney e companhia.

O professor de filosofia Marcos Nobre acaba de lançar um curto livro sobre as revoltas nas ruas, defendendo exatamente a tese de que ela é uma revolta contra o PMDB. A Folha fez uma matéria sobre o livro. Ela diz:

As "revoltas de junho" representariam, para ele, um "aprendizado democrático fundamental" de como se manifestar. "Espero que delas surja uma frente 'antipemedebismo'", manifesta-se.

Tudo muito bem, não fosse um pequeno detalhe: o PMDB, se representa um enorme obstáculo aos avanços do país, também representa um entrave aos anseios bolivarianos do PT. Com seu enorme poder, pulverizado nos grotões desse imenso país, o PMDB cobra, e cobra caro, pela "governabilidade". 

O lado ruim disso nós todos já conhecemos; mas não podemos negar a utilidade de forma pragmática, ainda que o façamos baixinho e envergonhados: o partido também impede golpes autoritários lá da esquerda, como adorariam os petistas. 

Quando falam em "democracia direta", em "voz das ruas", em "plebiscito" ou "nova Constituinte", os petistas sonham com a possibilidade de não mais dependerem do PMDB. Hugo Chávez, na Venezuela, não dependia de nenhum PMDB por lá...

Sou totalmente a favor da ideia de que o PMDB precisa ser superado. Mas quero fazer isso dentro da própria democracia representativa. Vai ser mais lento, mais demorado, vai demandar mais concessões, mas é o único jeito de obter resultados sustentáveis e preservar a democracia. 

São os principais valores tortos que o Brasil abraçou que precisam ser mudados, pois deles depende o PMDB. O clientelismo e o patrimonialismo bebem de um estado inchado, intervencionista, locomotiva do progresso, paternalista, instrumento da "justiça social", dono do carimbo que seleciona os "campeões nacionais". Ou seja: mais estado = felicidade "pemedebista".

Devemos atacar o estado agigantado, interventor, messiânico. E isso não se faz detonando o sintoma, que é o PMDB, mas sim suas causas, direto nas raízes. Destruir o PMDB na marra, hoje, significa deixar o caminho livre para os petistas bolivarianos. Quem vocês acham que ganha poder se o Renan Calheiros for derrubado? Quem vai soltar fogos de artifício se Sérgio Cabral for destruído? Pois é...

Sinto muito, especialmente para a garotada mais eufórica nas ruas, mas política não é para amadores, tampouco para românticos. O PMDB é uma porcaria, não resta dúvida; mas o PT consegue ser muito pior!  

Corrupção: entrevista para o MCC

Com o tema da corrupção em alta, após medida do Senado que a transforma em crime hediondo, segue uma rápida entrevista que concedi ao Movimento Contra Corrupção sobre o assunto.

Entrevistamos Rodrigo Constantino, economista e intelectual brasileiro. Neste diálogo, comentamos algumas perspectivas e propostas no que tange ao tema "corrupção", com ênfase na situação brasileira.
Não se trata de um "bate-papo", isto é, não pretendemos apenas interligar algumas temáticas. Ainda que de modo superficial, tencionamos aventar a opinião de intelectuais sobre diversos problemas advindos, de modo isento, imparcial e apartidário.

Prezado Rodrigo, como você define “corrupção”?

Corrupção, em sentido mais abrangente, seria tudo aquilo que envolve fraude, desvio de conduta ética, roubo. Mas, em um sentido mais específico, corrupção precisa envolver o setor público, ou seja, é o desvio de recursos públicos. Para haver corrupção, nesse sentido, é preciso ter o governo envolvido no processo. Se uma empresa privada engana seus acionistas minoritários e desvia recursos, isso é roubo, fraude, mas não seria corrupção sob esse ponto de vista.

Que tipo de modelo estatal tende a acentuar os índices de corrupção?

Sempre que o estado concentra poder e recursos em demasia, temos um convite à corrupção. O motivo é evidente: como o dinheiro é da "viúva", falta o olhar atento do dono para fazer valer o seu dinheiro. 
Dessa forma, acabamos com um mecanismo de incentivos perversos, onde burocratas e políticos decidem sobre bilhões de outras pessoas, sem a devida prestação de conta, sem o devido escrutínio. É tentador demais cobrar um "pedágio" para a alocação desses vastos recursos, desviá-los para fins eleitoreiros, políticos, partidários ou mesmo pessoais. Como o dinheiro não é de "ninguém", pois é de todos, o político toma decisões sem critério econômico racional, privilegiando seus próprios interesses. É da natureza humana, e quando temos impunidade, essa tendência é exponencial.
Qual a diferença entre corrupção pública e privada? Qual causa mais danos à sociedade? Como evitá-las?

Conforme dito acima, prefiro chamar de corrupção aquilo que envolve o setor público, adotando outro nome para roubos no setor privado. Sem dúvida a corrupção é mais nefasta, pois envolve grandes somas e o desvio do nosso dinheiro. Quando uma empresa é fraudulenta, isso prejudica aqueles que voluntariamente negociaram com ela, e terão que buscar na justiça reparação. 
Quando temos corrupção, cada um dos "contribuintes" (pagadores de impostos) perde, sem que tenha voluntariamente participado de qualquer transação com a empresa ou entidade. Se há corrupção envolvendo a Petrobras, todos pagam o preço, pois todos somos, teoricamente, proprietários dela. A melhor forma de evitar a corrupção é reduzindo e descentralizando o poder estatal e a quantidade de recursos que passa pelo setor público, assim como adotando severa punição para quem foi condenado por corrupção.
A corrupção ocorrente no Brasil é mais agravada que em outros países? Por que?

Temos bastante corrupção sim, em termos relativos, como a Transparência Internacional mostra em suas pesquisas. É subjetivo muitas vezes, pois fala de "corrupção percebida". Mas sabemos que a magnitude é assombrosa, e qualquer empresário tem plena consciência do problema. Os motivos ficam claros após as respostas acima: temos muito poder concentrado no estado, e um poder arbitrário. 
Como a burocracia cria dificuldades legais para vender facilidades ilegais depois, ou seja, corrupção, claro que esta vai explodir em um país como o nosso, onde é proibitivo ter grandes negócios ou mesmo pequenos com tudo regularizado. 
Fora isso, o peso do estado na economia faz com que muitos queiram mamar em suas tetas, e optam pela via ilegal, ou seja, "investem" mais em lobby e corrupção do que em seus próprios negócios. 
Claro, quando uma canetada estatal sela o destino de todo um setor, isso passa a fazer sentido econômico. Por fim, temos um problema grave e conhecido de impunidade. Isso é um convite ao crime. Os corruptos não são punidos, logo, têm pouco a perder e a temer.
Como a privatização pode auxiliar no combate à corrupção? Ela pode auxiliar a corrupção?

Justamente reduzindo a concentração de poder e recursos no estado. A privatização, ao colocar em sócios privados o controle das empresas, aumenta muito o grau de preocupação desses com o caixa da empresa. Logo, haverá bem menos desvios, na média. E, quando houver desvio, não será do nosso dinheiro, mas do dinheiro desses proprietários particulares.
A corrupção no governo atual é maior que em tempos passados? Por que?

Difícil responder com dados objetivos, mas eu diria que a sensação é maior sim. Até porque tivemos o mensalão, que foi o auge em termos de corrupção com fins políticos: um partido desviando recursos públicos para se perpetuar no poder. Como o maior beneficiado pelo esquema acabou sendo reeleito, isso deu uma espécie de "salvo-conduto" para os corruptos, e criou a sensação de que o crime compensa. Espera-se que com o julgamento pelo STF e com as punições, ainda aguardando pela execução penal, ajude a melhorar o quadro. O corrupto tem que saber que, se for pego, vai pagar por isso. E caro!

O que cada um, como cidadão, pode fazer para ajudar no combate à corrupção?

Em primeiro lugar, procurar agir sempre de acordo com as leis, mesmo que discorde de algumas delas. Para mudá-las, devemos usar os mecanismos legais e democráticos. A desobediência civil me parece defensável apenas em casos extremos. Isso implica em não subornar policiais, não dar propina para burocratas etc. Claro que, na prática, muitas vezes isso será impossível. 
É que as regras são tão absurdas que tornam a viabilidade de alguns negócios, especialmente das pequenas empresas, impossível. O burocrata e o fiscal gozam de tantas regras arbitrárias que podem transformar a vida do pequeno empresário em um inferno, e a propina pode ser um grito de desespero pela sobrevivência. Entendo isso. Mas sempre que for possível, o ideal é jogar dentro das regras do jogo, respeitando as leis. O império das leis é fundamental para o avanço da sociedade. 
Por fim, os cidadãos devem fazer sua parte no campo das ideias, explicando para pessoas menos instruídas as causas da corrupção, dando sua cota de contribuição para a divulgação desses valores liberais que poderiam combater essa praga que é a corrupção.

Reação populista

Deu no GLOBO: Governo quer vetar reajuste de pedágio na Dutra e na Ponte

Em resposta aos protestos contra o alto custo dos serviços de transporte, o governo federal quer suspender o reajuste da tarifa do pedágio que ocorreria em agosto para as rodovias Presidente Dutra e Rio-Juiz de Fora, além da Ponte Rio-Niterói, como já fez o governo de São Paulo com os pedágios cobrados nas rodovias estaduais.

O Ministério dos Transportes negocia para preservar os usuários de estradas, porém, sem desrespeitar os contratos das empresas concessionárias. Por isso, está discutindo meios de ressarcir as empresas pelo aumento menor em suas receitas.

Segundo o cronograma dos contratos, tanto a Dutra quanto a Ponte Rio-Niterói, concedidas à CCR, poderiam corrigir seus pedágios no início de agosto e, no fim do mesmo mês, a Concer teria direito a elevar sua tarifa na Rio-Juiz de Fora. Nos últimos 12 meses, a inflação acumulada pelo IGP-M foi de 6,22%, o que tenderia a balizar os reajustes.

As concessionárias, segundo fontes, estão sensíveis ao apelo do governo federal e o anúncio do não reajuste depende apenas da definição sobre a forma de como serão compensadas.

[...]

Comento: Essa é uma reação previsível às manifestações, mas populista e perigosa. O governo está congelando tarifas, caminho que a Argentina seguiu de forma catastrófica. Para não quebrar contratos, o governo tenta dar um jeito de compensar a perda de receita das concessionárias. Isso significa abrir mão de receita tributária. Como o cobertor é curto, e o governo não vai reduzir suas despesas, ainda mais em véspera de eleição, isso quer dizer que o governo está sacrificando o último importante pilar da era FHC: a responsabilidade fiscal, com o superávit primário. Além disso, a medida faz com que todos os pagadores de impostos paguem pelo populismo de forma disfarçada, em vez de pagar quem efetivamente usa o serviço. Injusto e ineficiente. 

O lado bom das manifestações

















Rodrigo Constantino

Tenho adotado uma postura bastante cética e critica em relação a essas manifestações no país. Isso se deve a vários motivos, entre eles:

1.     Não aprecio o clima revolucionário de que vamos mudar o mundo rapidamente, saindo às ruas contra o “sistema”, contra “tudo isso que está aí”, pretexto muitas vezes para anarquia e depois golpe autoritário;
2.     As manifestações partiram de movimentos organizados de esquerda com interesses obscuros, e por mais que agora essa turma seja minoria, a grande imprensa ainda dá espaço desproporcional a eles como interlocutores das ruas, ou seja, muitos servem como inocentes úteis para engrossar o quórum das demandas da esquerda, sempre mais tarimbada no assunto de manipulação das massas;
3.     Falta foco, a revolta é geral, as demandas são difusas, e não se governa um país sem líderes e partidos organizados, apenas escutando as “vozes das ruas” que repetem slogans simplistas;
4.     Justamente por isso, a reação do governo pode ser (e tem sido) oferecer como resposta a essa pressão toda mais governo, mais intervenção estatal;
5.     Não compro a tese de que o “gigante” acordou, e que agora todos estão conscientes da política e não vão mais tolerar coisas como o “mensalão”, deixando de lado o velho “Pão & Circo”;
6.     Receio que o tiro saia pela culatra, e que o maior prejudicado no curto prazo seja o fisiológico PMDB, que mal ou bem segura as pretensões bolivarianas do PT, abrindo espaço para um avanço ainda maior dos petiscas;
7.     Temo também que o clima de insatisfação geral criado pelas passeatas seja propício para aventureiros de plantão, para um messias salvador da Pátria que prometa ignorar as falhas instituições democráticas para resolver nossos males em uma “democracia direta”;
8.     Pelo mesmo motivo, desconfio de toda proposta que procura passar por cima do Congresso, apesar de este ser um balcão de negociatas, pois não acredito em saídas milagrosas fora da democracia representativa;
9.     O clima de baderna gerado pelas manifestações acaba dando guarida aos vândalos que, embora em minoria, conseguem fazer um estrago no tecido social da nação, estimulando a anomia, a sensação de terra sem lei, protegidos da policia justamente porque há uma maioria pacífica nas ruas e uma forte opinião pública contra as ações da força policial;
10.  Não acredito que seja possível sustentar por muito tempo essa forma de protesto, pois as pessoas precisam retornar ao trabalho, às suas vidas, com seu direito de ir e vir restabelecido, e nossos fins nobres não podem justificar meios condenáveis que prejudicam os inocentes ainda mais;

Essas são, basicamente, as razões pelas quais tenho feito ataques às manifestações, tentado trazer um pouco mais de serenidade e luz em meio a tanto calor difuso, jogado baldes de água fria em muita gente eufórica com essa situação nova no país.

Dito isso, é claro que não tenho apenas sentimentos negativos diante do quadro geral. Tenho sido o advogado do diabo, demandando mais cautela e cuidado, mostrando os enormes riscos disso tudo. Mas me parece inegável que há alguns pontos interessantes no que se passa. Para não ignorá-los e ficar parecendo que eu condeno tudo, vou listar algumas vantagens desse momento atual em que vive o Brasil:

1.     De fato, a letargia até então era algo irritante, e até chocava a postura de pacato cidadão do brasileiro, que apanha o ano inteiro do governo, com sua incrível incompetência, seu descaso total, sem nada fazer, e agora, ao menos, demonstra sua revolta, ainda que de forma desorientada;
2.     Ao obter alguma reação dos governos, essas pessoas descobrem o poder do grito, o que pode ser um perigo à frente, mas que também representa uma nova forma de evitar abusos, colocando os políticos contra a parede, temerosos até de sua integridade física daqui por diante (nunca é ruim o governante ter um pouco de medo da população);
3.     O fato de tudo isso ocorrer durante a gestão petista pode, naturalmente, fortalecer a idéia de que o governo do PT não tem absolutamente nada de fantástico como seus marqueteiros dizem e algumas pesquisas “comprovam”, deixando evidente que há um grau de insatisfação generalizada no país;
4.     Isso tudo, ainda muito caótico, pode servir para que alguns jovens, hoje encantados com soluções utópicas, descubram a importância de mergulhar mais a fundo nos problemas políticos e econômicos, de forma mais racional, o que os levará, sem dúvida, rumo ao liberalismo;
5.     Nosso patriotismo pode sair fortalecido, a sensação de que a Pátria tem salvação e de que cabe a nós, brasileiros, moldarmos nosso destino, sem termos de aceitar de forma resignada que sempre seremos uma porcaria, um país jogado às traças, aos bandidos que usam e abusam de nossos impostos sem a menor preocupação com a reação dos “bovinos” obedientes;

Portanto, como fica claro, nem tudo é desgraça. Para mim, o ideal seria que boa parte do povo tivesse realmente acordado, se dado conta de que precisamos pressionar por mudanças, e que isso resultasse em movimentos organizados dentro da democracia representativa, cujo foco no curto prazo fosse retirar o PT do governo.

Não é esse o caso, não há esse mesmo diagnóstico, os métodos adotados me incomodam e geram apreensão, pois receio que o resultado não seja do nosso agrado. Mas também não quero passar a impressão de que o melhor seria simplesmente voltar ao que era antes, colocando o “gigante” para dormir novamente, passivo diante de tantos abusos do governo.

Será possível canalizar tanta energia despertada para algo mais construtivo, respeitando-se as vias da democracia representativa? Espero que sim. E é esse o desafio homérico dos liberais.

quarta-feira, junho 26, 2013

Em defesa da privatização da Infraero

Rodrigo Constantino

No dia 24 desse mês, uma matéria do jornal Valor Econômico trouxe a reclamação do presidente da Infraero de que as privatizações ocorridas no setor causaram um rombo nas constas da estatal. Abaixo, farei um ping-pong colorido (eu em azul), rebatendo os pontos da reportagem e explicando as vantagens da privatização.

A privatização do Galeão e de Confins deverá abrir um rombo nos cofres da Infraero. O alerta é do próprio presidente da estatal, Gustavo do Vale, que definiu um arsenal de medidas para contornar os efeitos da perda de receitas provenientes dos dois aeroportos. Contratos com prestadores de serviços vão ser renegociados e um programa de demissões voluntárias tem a previsão de alcançar até 2,9 mil empregados.

Ao repassar o controle de alguns aeroportos importantes para a iniciativa privada, parece natural que a receita da estatal sofra um baque. A coisa mais normal do mundo seria justamente um ajuste no tamanho da empresa, e as demissões fazem parte desse processo. Até porque a estatal, como de praxe, tinha um quadro bastante inchado, apesar do serviço prestado ser muito aquém do desejado.

Vale ilustra a nova era de "vacas magras" da Infraero, como ele mesmo diz, com os últimos dados financeiros da estatal. Até abril de 2012, quando nenhum grande aeroporto da rede havia sido transferido à iniciativa privada, ela teve lucro operacional de R$ 375 milhões no ano. Já no primeiro quadrimestre de 2013, com três aeroportos - Guarulhos, Viracopos e Brasília - concedidos, o lucro caiu para R$ 65 milhões. Ele chama atenção para o número realmente impressionante: sem Galeão e Confins, o resultado teria se revertido em um prejuízo de R$ 60 milhões.

O que esses dados sugerem, logo de cara, é que a lucratividade da estatal, bastante reduzida para padrões internacionais inclusive, dependia absurdamente de poucos aeroportos. Traduzindo ainda mais a mensagem, a operação de apenas três aeroportos acabava subsidiando todo o restante das operações da estatal. Não faz sentido a empresa ter prejuízo em quase todos os aeroportos e compensar essa ineficiência apenas com cinco capitais. A privatização vai justamente impor uma mudança nesse sentido, fazendo com que cada aeroporto tenha que se sustentar por conta própria e, para tanto, operar de forma mais enxuta e eficiente.

O momento mais crítico, para as contas da Infraero, ocorrerá a partir do fim de 2014 ou do início de 2015. É que o leilão dos dois aeroportos está previsto para outubro, mas levam-se vários meses até a assinatura do contrato de concessão e a efetiva transferência total das operações para os grupos privados. Somente depois disso as receitas do Galeão e de Confins deixarão de ir para o caixa da estatal. Por outro lado, os três primeiros aeroportos privatizados ainda vão demorar mais algum tempo até render dividendos aos acionistas, incluindo a própria Infraero - que preserva uma fatia de 49% nas concessões.

Um dos motivos para a privatização foi justamente a falta de capacidade da estatal de investir nas melhorias dos serviços. Claro que os dividendos vão demorar, pois essa é a fase dos investimentos para ajeitar a casa. O governo, controlador da Infraero, apropriou-se do valor da fatia vendida por meio do leilão. O que sobrou na estatal deve ser recalibrado para a nova realidade da empresa. O que a privatização até aqui fez, repito, foi expor a real situação da estatal, que tem vários aeroportos deficitários. É isso que deve mudar.

Guarulhos, Viracopos e Brasília correspondiam a 36% das receitas da Infraero. Agora, o Galeão e Confins significam 23% de toda a arrecadação que restou.

Sim, havia uma alta concentração em poucos aeroportos, uma dependência das grandes capitais. Mas ainda assim estamos falando de mais de 40% da receita original que deverão continuar sob os cuidados da Infraero. Será que não é possível ter lucro com isso? Óbvio que a dimensão da estatal deverá se ajustar para esse novo tamanho. O que o presidente queria? Vender o controle de aeroportos responsáveis por quase 60% do faturamento e manter o quadro de gastos atual?

"Sabíamos que viria um período de vacas magras pela frente", reconhece Vale. Segundo ele, é "possível" que a Infraero tenha prejuízo operacional já em 2013, mas lucros acumulados nos exercícios anteriores "dão sustentação" ao custeio da estatal nos próximos anos. A tendência da estatal é ficar mais dependente de aportes do Tesouro. O último aporte, no valor de R$ 300 milhões, saiu no dia 11 deste mês. Todo o dinheiro vai para a integralização do capital das sociedades de propósito específico (SPEs) que detêm as concessões dos aeroportos.

Um dos grandes problemas das estatais é justamente essa mordomia de contar sempre com o dinheiro da "viúva", ou seja, quando ela é incapaz de operar no azul, ela pede ajuda ao governo, que aporta mais capital nela. É por isso mesmo que as estatais tendem a ser ineficientes. Elas não sofrem a pressão do mercado, não necessitam lucrar para sobreviver. Esse argumento, de que será preciso mais injeção de capital do Tesouro, apenas reforça a ideia de que toda a Infraero deveria ser logo privatizada!

O Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC), de acordo com ele, financiará os investimentos nas instalações mantidas pela Infraero. Vale diz ter a garantia do Palácio do Planalto de que as obras nos aeroportos mantidos com a empresa ficarão livres de contingenciamento. "Não está faltando absolutamente nada. Não teremos mais recursos próprios para fazer investimentos, mas os recursos virão do FNAC."

Não seria melhor transferir tais operações para a iniciativa privada e deixar que grupos interessados no lucro invistam nas melhorias desses aeroportos? Além de não contar com as amarras da Lei 8.666, das licitações, o setor privado tem um escrutínio muito maior do dinheiro investido, pois sai do bolso dos próprios acionistas que dependem de uma boa alocação para ter retorno. No mais, o empresário foca mais na qualidade dos serviços prestados, exatamente porque disso seu lucro depende.

Até o primeiro semestre de 2014, a Infraero promete concluir obras de reforma e ampliação em dez aeroportos: Confins, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Florianópolis, Foz do Iguaçu, Galeão, Manaus, Porto Alegre e Salvador. Algumas intervenções só ficarão parcialmente prontas.
Para enfrentar o novo cenário, a Infraero já tem em mãos um trabalho da Falconi Consultoria, que identificou ações para aperfeiçoar a gestão da estatal. "A realização de investimentos só dependerá da nossa própria capacidade de executá-los", diz Vale.

A consultoria de Falconi é reconhecida como altamente capaz por todos, e não resta dúvida de que sua ajuda apresentará resultados. Porém, e isso é importante ressaltar sempre, ela não faz milagres. E isso se deve ao mecanismo de incentivos da estatal. Por mais que uma consultoria faça diversas recomendações importantes, e que o presidente da estatal tenha as melhores intenções, o fato incomodo de que falta às estatais essa pressão do mercado, que pune a incompetência e premia a excelência, segue inalterado. Há um limite até onde é possível melhorar uma gestão estatal.

Dos 31 mil funcionários que atuam nos aeroportos da Infraero, 13 mil são empregados diretos - o restante é terceirizado. A abertura de um programa de demissões voluntárias, em agosto de 2012, recebeu a adesão de 1.120 servidores até o dia 14 de junho. O número de referência do programa - a diretoria da estatal evita o uso do termo "meta" - é de 2,9 mil empregados.

Mais de 30 mil funcionários! Na era FHC, essa quantidade, se não me engano, era na faixa de 5 mil. Claro que o tráfego aéreo aumentou bastante desde então. Mas alguém realmente acredita que era necessário sextuplicar o quadro de pessoal? Alguém notou incrível melhora nos serviços dos aeroportos? Pelo contrário: o que ficou claro é que há enorme gargalo nesse setor, e os aeroportos parecem cada vez mais rodoviárias. 

Nos três primeiros aeroportos privatizados, um suculento pacote de benefícios foi oferecido para quem quisesse sair dos quadros da estatal para migrar às novas concessionárias, mas o volume de adesão foi baixo. O pacote incluía um bônus por ano trabalhado na Infraero e cinco anos de estabilidade nas empresas que assumiram a administração dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília. No entanto, apenas 695 saíram da estatal, o que corresponde a 27% dos funcionários aptos a fazer essa escolha.

Isso demonstra uma falha sistêmica em nosso país: o setor público oferece vantagens desproporcionais ao setor privado para os trabalhadores. Há regalias, estabilidade, salários muitas vezes mais altos e, talvez acima de tudo, uma falta de pressão de chefes preocupados com o lucro e a própria sobrevivência da empresa. Em suma, sabemos que nas estatais pululam funcionários acomodados, preguiçosos, com honrosas exceções. Ficar encostado em uma estatal é tarefa bem mais fácil do que fazer o mesmo em uma empresa privada.


Para aumentar receitas, outra iniciativa da Infraero é negociar com a Secretaria de Aviação Civil uma espécie de ressarcimento que cubra suas despesas com navegação aérea. O controle de tráfego aéreo é exercido principalmente pelo Comando da Aeronáutica, mas a estatal tem atuação complementar. Ela dispõe de 81 unidades de apoio de navegação, 13 centros de controle de aproximação e gerencia 22 torres de controle nos aeroportos. Essas são atividades deficitárias, segundo Vale, e não havia grande dificuldade em mantê-las enquanto a Infraero tinha mais receitas. Agora, convém negociar um repasse para remunerar esses serviços e reverter uma fonte de prejuízos, diz o executivo.

Nada como a privatização parcial para já colocar um pouco mais de pressão na estatal. Criar novas fontes de receita é uma preocupação constante de todos os empresários do setor privado. O aeroporto de Cancun, por exemplo, virou praticamente um shopping center, de olho no lucro. Explorar alternativas de receita é algo crucial no setor privado, parte do cotidiano de toda empresa. Como fica claro, a estatal pode dormir em potes de ouro e nunca perceber isso. Afinal, ela não precisa lucrar para sobreviver, e tampouco sua maior lucratividade se traduz em maiores benefícios para seus funcionários. Faltam os incentivos adequados...

terça-feira, junho 25, 2013

Indignai-vos nas urnas!

Meu artigo de hoje no GLOBO: De nada adianta rugir feito um leão nas ruas, e depois votar como um burro nas urnas.

sábado, junho 22, 2013

A voz das ruas e os toucas-ninja

Percival Puggina

Se as pessoas que estão saindo às ruas nestes dias, em todo o país, votaram na Dilma e há uma década estufam o próprio peito com as fanfarronadas de Lula, o Brasil está salvo. Se são outras pessoas, estamos perdidos. Se as pessoas que estão saindo às ruas são as mesmas que chamavam golpistas quem se dispusesse a escrutinar a péssima biografia dos governos petistas, estamos salvos. Se forem outras, estamos perdidos. Ou seja, se o petismo não estiver perdendo força como religião hegemônica no país, por conversão de antigos fiéis ao até agora minoritário reduto da sensatez, então nada está acontecendo. Os sensatos abriram as portas do clube e saíram à rua, apenas isso. O placar do jogo político permanecerá o mesmo. E Deus se apiede do Brasil. Dilma continuará percorrendo o país para operar prodigiosa multiplicação de inexistentes bilhões, em meio a muita festa e louvação.

Faço estas considerações com absoluto senso prático. A alma brasileira foi envenenada pela propaganda do governo. Milhares de comunicadores, diariamente, compram essa propaganda como coisa boa e reproduzem o ufanismo oficial. É de se ver e eu vi, é de se ouvir e eu ouvi, nestes últimos dias, eminentes formadores de opinião embasbacados ante as mobilizações populares, como que exclamando: "Mas estava tudo tão bem! O Brasil é uma de satisfações cercada pelo oceano das inconformidades! O próprio Lula disse, não disse?". Disse. E quanto e-mail desaforado recebemos, ao longo destes últimos anos, eu e alguns outros, enquanto brandíamos a verdade em nossas passeatas lítero-panfletárias de protesto! Faziam para conosco como os empedernidos cardeais fizeram com Galileu. Recusavam-se a esquadrinhar a realidade através da luneta da verdade: "Noi non vogliamo guardare perché se lo facciamo potremmo cambiare". Não olham porque mudar de opinião pode custar caro. A mentira paga melhor.

Todos os indicadores confirmavam o que dizíamos e os olhos viam: a educação pública é um desastre, vive-se ao completo desabrigo dos aparelhos de segurança pública, temos poltronas nos estádios de futebol e pacientes deitados sobre colchões no chão dos hospitais, a infraestrutura brasileira dá sinais de haver trombado contra um PAC acelerador da destruição, o Erário é rapinado em moto-contínuo pelo arrastão dos corruptos. Mas, como vai o Brasil? Ah, o Brasil é outra coisa. O Brasil vai às mil maravilhas. Foi bafejado pela fortuna. Saiu das mãos de um gênio prodigioso para as de uma testada e competente gestora. Meu Deus!

***
Por fim, três observações. Primeira: passe livre é marotagem; é querer andar de graça com os outros pagando a conta. A segunda é para lembrar que, em Porto Alegre, a mobilização inicial contra o preço das passagens foi empreendida por militantes de partidos de esquerda, notadamente do PSOL. Eles foram para a frente da Prefeitura armados de paus, pedras, latas de tinta, toucas ninja (bem como se tem visto, agora, em toda parte), enfrentaram a polícia e vandalizaram o prédio e seu entorno. Naquele ato não houve "infiltração" alguma! Os malfeitores eram alinhados com partidos que não rejeitam o emprego da violência para fins políticos. Terceira: não parece prudente adotar como coisa certa que os malfeitores "são uns poucos". Não, não são uns poucos, são muitos, muitíssimos, como as próprias imagens mostram à exaustão. "Se a maior violência neste país tiver que vir desses movimentos, que venha", disse num debate na TVCOM certo defensor desse vandalismo. Tampouco parece prudente, então, desconsiderar o risco de que a esplêndida massa de cidadãos retamente intencionados venha a ser apropriada pelo que de pior existe em todos esses movimentos. Saiba, no conjunto do espectro político há quem, com o mesmo e justo discurso que enfeita as ruas e nos traz júbilo ao coração, vista toucas ninja.

Qual é a pauta?

Rodrigo Constantino

Qual é a pauta? Qual é a demanda? Gritar contra "corrupção" ou contra "tudo isso que está aí" vai produzir exatamente o que, na cabeça dos manifestantes? Quais as exigências concretas, objetivas? É para retirar a Copa do país? Sim ou não? É pelo impeachment da presidente? Por incompetência? Ou por algo mais específico? É para antecipar as eleições e realizar mudanças democráticas? É por mais transparência nos gastos públicos? Ótimo, mas como exatamente? Há propostas? É para o governo vender as arenas e construir alguns hospitais? É para fazer um metrô novo?

Notem que ou isso tudo ganha uma direção mais clara, ou vira (já virou?) anomia, clima de anarquia, de revolução. E isso, meus caros, só interessa aos golpistas de plantão! Isso pode resultar até em mais estado e menos liberdade, transparência. O tiro pode sair pela culatra. Os protestos são apartidários e sem liderança? E quem vai canalizar isso para propostas concretas dentro do sistema democrático? Qual liderança, qual partido? Ou será que vocês pensam que é desejável abolir esse modelo (imperfeito) e partir para uma espécie de "democracia" direta das ruas? Sério? Onde foi que isso funcionou? Pois é...

Sem objetivos claros e bem definidos, que resultem em pressão legítima para mudanças específicas dentro da democracia representativa, sinto muito lhes dizer, mas o que será colhido dessas manifestações todas, que invariavelmente têm acabado em vandalismo e baderna, não será algo positivo como tantos esperam. Não será um "novo país" sem corrupção e mais próspero. De nada adiantará acordar o gigante se ele permanecer atordoado, confuso, errático, sem saber o que exatamente ele deseja. Pensem nisso...

Meu chute: 90% dos que protestam contra a PEC 37 não sabem o que é isso, e 99,9% não leram o projeto. Mas o gigante acordou! É só que ele é meio preguiçoso para estudar, preferindo partir logo de uma vez para a ação nas ruas. Depois ele entende melhor pelo que lutava...

Se você é um dos que está encantado com esse despertar do gigante e endossa as manifestações com a paixão de um adolescente sonhador, reflita diante do espelho sobre isso e faça uma análise crítica da situação. Qual é a pauta?

sexta-feira, junho 21, 2013

Alertas republicanos do sábio Tocqueville

Rodrigo Constantino

"A multidão sempre me incomodou e me emudeceu." (Alexis de Tocqueville)

Em clima crescente de anomia, caos, desordem e anarquia, com vândalos "revolucionários" atuando impunemente pelo país todo, tudo isso sob a blindagem de manifestações legítimas, porém difusas e contra "tudo isso que está aí", nada melhor do que manter a serenidade e buscar sabedoria nos antepassados. Eles já passaram por situações semelhantes, por revoluções, por convulsão social, quando a política em si passa a ser vista como o grande inimigo. 

Resolvi reler vários trechos de Edmund Burke, e publiquei alguns no meu artigo "Brincando de Revolução". Agora foi a vez de revisitar outro gigante, Alexis de Tocqueville. Com percepção extremamente acurada de quem viveu tensões revolucionárias de perto e de dentro do poder, Tocqueville fez o possível para preservar o bom senso e as liberdades básicas do povo.  Seu relato consta no imperdível livro Lembranças de 1848. Abaixo, alguns trechos que merecem destaque:

Falo aqui sem amargura; falo-vos, creio eu, até sem espírito de partido; ataco homens contra os quais não tenho cólera, mas, enfim, sou obrigado a dizer a meu país qual é minha convicção profunda e meditada. Pois bem: minha convicção profunda e meditada é que os costumes públicos estão se degradando; é que a degradação dos costumes públicos vos levará, em curto espaço de tempo, brevemente talvez, a novas revoluções. [...] Sim, o perigo é grande! Conjurai-o enquanto ainda é tempo; corrigi o mal por meios eficazes, não atacando seus sintomas mas o próprio mal.

Assim, os principais líderes do partido radical, que acreditavam que uma revolução seria prematura e que ainda não a desejavam em absoluto, sentiram-se obrigados a pronunciar nos banquetes discursos muito revolucionários e a insuflar o fogo das paixões insurrecionais, para se diferenciarem dos seus aliados da oposição dinástica. Por sua vez, a oposição dinástica, que não queria mais banquetes, viu-se forçada a perseverar no mau caminho, para não dar a idéia de que retrocedia diante dos desafios do poder; por fim, a massa dos conservadores, que acreditava na necessidade de grandes concessões e desejava fazê-las, foi forçada, pela violência de seus adversários e pelas paixões de alguns de seus líderes, a negar o direito de reunião em banquetes privados e a recusar ao país mesmo a esperança de uma reforma qualquer. É preciso ter vivido muito tempo em meio aos partidos e no turbilhão mesmo em que se movem para compreender até que ponto os homens impelem-se mutualmente para fora de seus próprios desígnios e como o destino do mundo caminha pelo efeito, mas com freqüência a contrapelo, dos desejos de todos que o produzem, tal como a pipa que se eleva pela ação do vento e da linha.

São os moleques de Paris que costumam empreender insurreições, e em geral alegremente, como escolares que saem em férias.

A verdade, deplorável verdade, é que o gosto pelas funções públicas e o desejo de viver à custa dos impostos não são, entre nós, uma doença particular de um partido; é a grande e permanente enfermidade democrática de nossa sociedade civil e da centralização excessiva de nosso governo; é esse mal secreto que corroeu todos os antigos poderes e corroerá todos os novos.

Se Paris for entregue à anarquia, e todo o reino à confusão, pensam que só o rei sofrerá com isso? Nada consegui e outra coisa não obtive, além desta surpreendente tolice: o governo era o culpado, ele que arcasse com o perigo; não queriam ser mortos defendendo pessoas que haviam conduzido tão mal as coisas. No entanto, lá estava a classe média, cujas cobiças havia dezoito anos eram acariciadas: a corrente da opinião pública tinha acabado por arrastá-la e lançava-a contra os que a haviam lisonjeado até corrompê-la.

[...] é sobretudo em tempos de revoluções que as menores instituições do direito - e mais: os próprios objetos exteriores - adquirem a máxima importância, ao recordar ao espírito do povo a idéia da lei; pois é principalmente em meio à anarquia e ao abalo universais que se sente a necessidade de apego, por um momento, ao menor simulacro de tradição ou aos laivos de autoridade, para salvar o que resta de uma Constituição semidestruída ou para acabar de fazê-la desaparecer completamente.

Embora percebesse que o desenlace da peça seria terrível, nunca pude levar os atores muito a sério; tudo me parecia uma desprezível tragédia representada por histriões de província.

A inquietude natural do espírito do povo, a agitação inevitável de seus desejos e pensamentos, as necessidades, os instintos da multidão formaram, de alguma maneira, o tecido sobre o qual os inovadores desenharam tantas figuras monstruosas e grotescas.

[...] mesmo nos mais sangrentos de nossos motins encontra-se sempre uma multidão de gente meio velhaca e meio basbaque, que se leva a sério no espetáculo.

Como sempre acontece nos motins, o ridículo e o terrível misturavam-se.

Opus-me ao parágrafo que declarara Paris em estado de sírio - mais por instinto que por reflexão. Sinto, por natureza, um tal desprezo e um horror tão grande pela tirania militar que, ao ouvir falar do estado de sítio, esses sentimentos sublevaram-se tumultuosamente em meu coração, e dominaram inclusive os sentimentos que o perigo fazia nascer. Com isso, cometi um erro que, afortunadamente, teve bem poucos imitadores.

[...] as grandes massas humanas movem-se em virtude de causas quase tão desconhecidas à humanidade quanto as que regem os movimentos do mar; nos dois casos, as razões do fenômeno ocultam-se e perdem-se, de alguma maneira, em sua imensidão.

São alertas importantes no momento atual. Precisamos de muita calma nessa hora, não de paixões revolucionárias atiçadas por agitadores. Vejamos o que diz nossa Constituição:

Art. 137 da CF de 1988: "O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de: I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa". 

Estão criando, com boas intenções na maioria dos casos, um ambiente que pode justificar uma ditadura militar sob um governo de esquerda! E o pior: vai contar com o apoio de muita gente da classe média, cansada da baderna toda, da insegurança, da impossibilidade de ir e vir. Não queremos isso! Escutemos as palavras de Tocqueville, e reflitamos com calma sobre tudo isso.

Como Transformar um Movimento Apartidário em Mudança

  Rodrigo Adão *

Nos últimos dias tem ganhado força entre os cientistas políticos de Esquerda uma tese de que o movimento popular se aproxima do Fascismo simplesmente por se mostrar apartidário. Não permitir que partidos políticos e seus braços em movimentos sociais participem das manifestações não é Fascismo! Falar isso é perder o principal ponto das manifestações: quem saiu à rua mostrou sua indignação com a incapacidade do Estado em exercer seus diversos papéis constitucionais e esse Estado se encontra personificado nos partidos políticos que o geriram nos últimos 25 anos. Parece-me que todos são bem-vindos para compartilhar esta indignação nas manifestações, seja qual for a sua orientação política. Entretanto, a própria natureza da manifestação não permite que se tente mostrar apoio aos partidos que controlam o Estado – justamente o principal alvo de indignação. Apartidarismo era sim uma característica do Fascismo, mas está longe de ser uma condição suficiente.

Dito isso, compartilho de algumas das opiniões divulgadas por diversos cientistas políticos. Acho que sou tradicional nesse ponto, mas considero que a indignação com o Estado só vai se tornar mudança efetiva caso uma liderança seja capaz de transformar as reivindicações em uma agenda de reformas do Estado. Mais, esta agenda de reformas tem que considerar os custos e benefícios de cada medida. Não adianta clamar por educação, saúde e redução da corrupção sem propor medidas específicas. Por exemplo, mais recursos para educação básica poderiam ser obtidos com uma redução dos gastos em universidades federais, atingindo, em cheio, um benefício da classe média urbana. Ou ainda, poderiam ser obtidos com uma redução dos incentivos ao cinema e à música nacionais, atingindo a classe artística nacional que adora um lobby. Outro exemplo, melhor saúde passaria por reformar o sistema médico que permite que profissionais faltem plantões e suspendam consultas sem sofrer nenhuma punição efetiva. Só para completar, acabar com os benefícios esdrúxulos de diversas carreiras do judiciário não só ajudaria a tornar a justiça mais ágil (reduzindo corrupção), como liberaria recursos pra gastos sociais. Quero ver algum concurseiro de plantão concordar com essa última medida. A multidão nas ruas mostra sua insatisfação, uma liderança de qualidade concretiza suas demandas.

Para terminar me permito mandar dois recados. Aos manifestantes, eu digo: não existe almoço grátis. Qualquer mudança efetiva vai afetar benefícios de grupos específicos, sendo que alguns destes grupos estavam na rua nos últimos dias. Aos partidos atuais, eu digo: entendam a manifestação nas ruas e se conformem que não existe espaço para políticos tradicionais capturarem a sua liderança. Caso alguma liderança política seja capaz de emergir desde movimento, ela não vai sair dos partidos que estão no poder desde a democratização. Apesar disso, uma liderança que atue dentro do sistema politico atual será necessária para que o movimento não se perca no ar.

Mestre em Economia pela PUC-Rio e estudante de PhD em Economia no MIT. As opiniões são do autor, não dessas instituições.