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segunda-feira, outubro 15, 2012

Entrevista para blog sobre economia e liberalismo


Entrevista para o blog Cenesine, de Marcelo Lourenço.

- Muitos defensores do governo petista usam a crise de 2008 para exemplificar o que para eles é o resultado das "boas políticas econômicas". Você costuma dizer, corrija-me se estiver errado, que a resistência brasileira quanto a crise só aconteceu porque o Brasil ganhou numa loteria chinesa. Por favor, explique brevemente o que isso significa.

O Brasil possui vastos recursos naturais de todos os tipos, e por extrema sorte, muitos deles são os mais demandados pela China, que vem experimentando uma fase longa de crescimento acelerado. Basta citar o caso do minério de ferro, que chegou a representar 17% de nossa pauta de exportação. Ou seja, o Brasil tornou-se um caso típico de "China play", uma aposta derivada do extraordinário boom chinês. Outros países com vastos recursos naturais pegaram carona semelhante, como a Austrália, a Nova Zelândia, o Canadá e o Chile. Com o preço das commodities nas alturas por conta da demanda chinesa, e o custo do capital baixo por conta das crises dos países desenvolvidos, países emergentes como o Brasil viveram o melhor dos mundos, atraindo capital do mundo todo. Isso permitiu a melhora dos dados macroeconômicos, que por sua vez possibilitou a expansão do crédito e do consumo no país. Mas tudo, insisto, bastante dependente destes dois pilares que não vão durar para sempre: crescimento chinês perto de 10% ao ano, e custo do capital perto de zero (ou negativo em termos reais) no mundo desenvolvido. 

- Qual sua visão sobre o incentivo de compra de carros com pagamento a longo prazo feito pelo governo Lula?

O modelo de incentivar consumo calcado em crédito se esgotou. As famílias estão muito endividadas. O foco do governo parece demasiadamente voltado ao curto prazo, para gerar crescimento de olho nas próximas eleições. A classe média agradece a boa fase com o carro novo na garagem, mas isso não é um modelo de crescimento sustentável. Além disso, já vemos sinais do regresso do protecionismo comercial no país, o que é péssimo. Os carros poderiam ser mais baratos se os impostos fossem reduzidos de vez. As medidas pontuais do governo produzem este outro problema: por ter caráter temporário e arbitrário, nenhum setor sabe ao certo qual será a próxima indústria beneficiada, e qual será a prejudicada. Isso gera um clima de insegurança péssimo para investimentos. As empresas descobriram que mais vale "investir" em lobby em Brasília do que em produtividade. 

- Há alguma previsão de crise para a economia brasileira? Se sim, em quanto tempo (aproximadamente) e quem seriam os mais afetados?

É difícil precisar isso, mas eu diria que as sementes para uma próxima crise já foram plantadas, e ela deve ocorrer dentro de uns 3 anos. Não tenho bola de cristal, porém, e isso depende muito do cenário externo. Se o crescimento chinês ganhar novo fôlego, e as economias desenvolvidas seguirem sem crescimento, em sua fase de "japanização" que impõe baixas taxas de juros, a "bolha" brasileira pode se estender por mais tempo ainda, mas com resultados ainda mais catastróficos à frente. Os mais prejudicados serão aqueles que apostaram em imóveis como porto seguro ou ativo que só sobe de preço. Vide Estados Unidos, Irlanda, Espanha e Grécia. Não digo que estamos perto dessa situação, pois há menos indícios de bolha especulativa desta magnitude no Brasil. Mas caminhamos nessa direção, e com o incentivo do próprio governo, que deveria estar justamente lutando para impedir este destino. 

- Alguns anarco-capitalistas usam o discurso anti-minarquia dizendo que é amarrar um leão com uma corda de linguiça. Na sua opinião, como seria possível impedir que o estado, a partir do controle e garantia dos direitos negativos da população, se expandisse e tomasse outros rumos não desejáveis?

Não há receita mágica. Este é o dilema de todos aqueles que lutam pela liberdade. É preciso descentralizar o poder, ter mecanismos eficientes de pesos e contrapesos, poderes independentes, ampla liberdade de imprensa, uma cultura da liberdade, o que não é nada fácil de criar, enfim, toda uma gama de instituições sólidas que ajudam a impedir o avanço do estado sobre nossas liberdades. O problema com a "alternativa" anarco-capitalista é que ela não passa de uma utopia. E utopias só funcionam nas Torres de Marfim, no mundo platônico das idéias. Cá no mundo real, é preciso reconhecer que jamais teremos esta liberdade plena, perfeita, e que o embate entre estado e mercado livre será eterno. O que mudam são os graus que alguns países alcançam de liberdades, e alguns anarco-capitalistas, em minha opinião, ignoram os caminhos tortuosos que possibilitaram estes avanços. Não se criam instituições sólidas e uma cultura da liberdade com revoluções mágicas. Este alerta precisa ser feito, especialmente para os mais jovens, ansiosos e idealistas por natureza. 

- Você acha que a minarquia é a única saída para aqueles que se identificam com o liberalismo, mas abominam a anarquia?

Acho que o estado mínimo deve ser uma meta de todos os liberais, mas entendo que o pluralismo e a tolerância fazem com que o diálogo de um legítimo liberal seja construtivo com aqueles outros grupos que anseiam pela liberdade, mas por meios distintos. Claro que há limites para esta tolerância. Os intolerantes não devem ser tolerados. Mas liberais devem manter diálogos construtivos com anarco-capitalistas menos dogmáticos e fanáticos, com social-democratas mais civilizados, e com conservadores de boa estirpe (os menos reacionários). Há espaço para muitas convergências importantes, lembrando sempre que o objetivo é conseguir resultados concretos no mundo real, e não o simples regozijo de posar como único defensor puro da "verdadeira" liberdade. 

- Em seu blog, após o primeiro debate entre os presidenciáveis dos EUA, você escreveu um texto dizendo que Romney defendia os EUA e Obama a França. Em alguns aspectos (principalmente na parte econômica) Romney me agrada, mas em contrapartida ele é contra o casamento gay, algo que Barack defende. Isso não vai contra a liberdade alheia?

Sim, algumas posturas dos Republicanos mais moralistas e religiosos me incomodam também, mas entendo que há mais em jogo no momento. Obama e os Democratas estão levando os EUA para uma direção muito ruim, adotando postura ideológica que ataca os mais ricos, os negócios, e que joga o país em passos largos rumo ao modelo francês de welfare state. No mais, para ser sincero, mesmo como liberal eu penso que o "progressismo" no campo moral da esquerda americana foi longe demais. Não é mais uma questão de defender as liberdades individuais, mas sim de impor uma agenda que subverte os valores tradicionais de forma corrosiva. Acho que os homossexuais devem ser deixados em paz, mas isso é diferente de uma agenda imposta pelo movimento gay que praticamente demanda que todos considerem o máximo ter um filho gay, ou que seja crime amanhã um pai expor publicamente sua preferência pela heterossexualidade de seu filho. A histeria com a "homofobia", para citar um exemplo, já foi longe demais. Alguma reação "conservadora" não faria nada mal ao mundo, pois me parece que o pêndulo foi exageradamente para o outro extremo. O movimento de Maio de 68 ainda exerce forte influência, e há pouco o que celebrar nele.