sábado, agosto 07, 2010

Intelectualismo como fuga da vida



Rodrigo Constantino

O homem mesmo se denominou homo sapiens, de forma um tanto arrogante. Sim, está claro que somente os humanos desfrutam da potente capacidade racional da mente, por meio de sua autoconsciência e raciocínio lógico-dedutivo. E que ferramenta fantástica! A razão é sem dúvida aquilo que mais nos diferencia dos demais animais. Mas, e quanto aquilo que nos aproxima deles? Por que evitar ou jogar no lixo? Por que achar que são menos humanos os “instintos” animais responsáveis por nossas paixões? Será que faz sentido cortar o homem em duas partes, mente e corpo, e ainda por cima alçar uma ao pedestal de deusa, atirando a outra no fogo?

Em seu magnífico livro Contraponto, Aldous Huxley fala, por meio do personagem Rampion, sobre esse assunto, de forma bastante apaixonada – como não poderia deixar de ser. Para Rampion, a “alma consciente quer mal às atividades da parte inconsciente, física e instintiva do ser total”. Ele continua: “A vida de uma é a morte de outra e vice-versa. Mas o homem são de espírito pelo menos procura guardar o equilíbrio. Os cristãos, que não eram sãos de espírito, disseram às gentes que elas deviam lançar uma metade de si mesmas na lata do lixo. E agora os cientistas e os homens de negócio vieram para nos dizer que devemos jogar fora a metade que os cristãos nos deixaram. Prefiro ficar vivo, inteiramente vivo. É tempo de fazer uma revolta a favor da vida e da plenitude”.

Escrito em 1928, o livro captura bem a essência das diferenças entre a vida de um Rampion e de um típico “intelectual puro”, Philip Quarles. O interessante é que o próprio Quarles tinha noção disso, e relata em seu caderno de notas: “A companhia de Rampion me deprime um pouco; porque ele me faz ver quão grande é o abismo cavado entre o conhecimento da evidência e o simples fato de vivê-la realmente. Ah! Que dificuldades há para transpor esse abismo! Percebo agora que o verdadeiro encanto da vida intelectual – da vida consagrada à erudição, à pesquisa científica, à filosofia, à estética, à crítica – é a sua facilidade. É a substituição de simples esquemas intelectuais em lugar das complicações da realidade; da morte silenciosa e rígida em lugar dos movimentos desconcertantes da vida”.

Quarles descobre então que o “intelectualismo” não passa de uma fuga também, como tantas outras que os homens inventam para o desespero de uma vida sem muito sentido lógico: “A corrida para os livros e para as universidades lembra a corrida para as tavernas. Essa gente necessita afogar a consciência das dificuldades que há em viver decentemente neste grotesco mundo contemporâneo; têm necessidade de esquecer a sua deplorável insuficiência como cultivadores da arte de viver. Uns afogam suas tristezas no álcool, mas outros, ainda mais numerosos, as afogam nos livros e no diletantismo artístico; uns procuram achar o esquecimento de si mesmos na libertinagem, na dança, no cinema, no rádio; outros nas conferências e nas ocupações científicas”. Ele passa a ver a “procura pela verdade” não mais como a tarefa nobre dos homens, mas simplesmente como um “divertimento, uma distração como todas as outras”.

As revelações pessoais vão além na mente de Quarles: “Percebi igualmente que a busca da verdade não passa de um nome polido para designar o passatempo favorito dos intelectuais, que consiste em substituir por abstrações simples, e por conseguinte falsas, as complexidades vivas da realidade”. E, para concluir sua descoberta, faz uma pergunta retórica, cuja resposta ele já sabe antes: “Terei algum dia bastante força de espírito para me livrar desses hábitos indolentes de intelectualismo e para consagrar minha energia à tarefa mais séria e mais difícil de viver integralmente?”

O personagem de Philip Quarles era desapegado de fortes emoções, um novelista frio, que analisava o mundo de forma sempre impessoal e abstrata, para o desespero de sua esposa, que desejava ardentemente uma prova de vida, de paixão do seu marido (ainda que fosse com outra!). Entretanto, o curioso era sua própria consciência disso tudo, inclusive da demanda de sua mulher, que ele não conseguia atender, sabendo da artificialidade que seria seu ato “apaixonado” consciente. Em suas reflexões, ele mesmo escreve: “Por esta supressão das relações emotivas e da piedade natural, parece-lhe (ao intelectualista) ter atingido a liberdade – a liberdade com relação à sentimentalidade, ao irracional, à paixão, ao impulso, à emotividade”. E dispara: “Sua razão permaneceu livre – mas para se ocupar somente com uma pequena fração dos fatos da experiência”. Essa vida simplesmente intelectual era mais fácil, pois evita os outros seres humanos.

Rampion, que não tinha papas na língua, jogava a realidade crua com violência na cara do amigo: “Nossa verdade, a verdade humana que nos interessa, é uma coisa que se descobre vivendo, vivendo completamente, com a totalidade do nosso ser. Os resultados dos divertimentos de vocês, Philip, todas essas famosas teorias sobre o cosmo e todas as suas aplicações práticas não têm absolutamente nada que ver com a única verdade que nos importa. E a verdade inumana não é meramente alheia a nós; é perigosa. Ela distrai a atenção de cada um da importante verdade humana. Ela os faz falsificar a sua própria experiência, a fim de que a realidade vivida possa ajustar-se à teoria abstrata”.

Na tentativa de criar algo mais que humano, acabamos menos que humanos, era a conclusão de Rampion. A cabeça até pode voar pelas nuvens, com a condição dos pés ficarem firmes no chão. É quando as pessoas se empenham em voar o tempo todo que vem a destruição. “Têm a ambição de ser anjos; mas o mais que conseguem ser são cucos e gansos, por um lado, ou então abutres repugnantes e corvos carniceiros, por outro”. Para Rampion, o homem não é anjo nem diabo, mas homem, um ser que “anda sobre uma corda esticada, que caminha sobre ela delicada, equilibradamente, tendo, numa das extremidades da vara que lhe dá estabilidade, o espírito, a consciência, a alma, e na outra extremidade o instinto e tudo o que é inconsciente, tudo o que é terreno e misterioso”.

Do ponto de vista puramente lógico, isso pode ser um contra-senso. Mas para Rampion, eis justamente o ponto fundamental: “a lógica é um simples contra-senso também à luz da verdade viva”. Para ele, pode-se escolher a que se quiser – a lógica ou a vida. “É questão de gosto. Algumas pessoas preferem ser cadáveres”. Entre bestas e anjos, o segredo estaria em buscar o equilíbrio. O intelectualismo puro seria apenas mais uma forma de fuga da vida humana.

11 comentários:

ntsr disse...

Esse povo fica nas universidades sendo sustentado pelo dinheiro do contribuinte pra falar besteira e procurar o sexo dos anjos.Eu tive uma professora que fazia uma monografia sobre novela.Putz

Anônimo disse...

Escritor Yves HUBLET morre em Brasília, de forma estranha, após ser preso
incomunicável.
Amigos,
Lembram do episódio do aposentado que deu uma bengalada em José Dirceu, no
tempo do “mensalão”? Pois o aposentado era um escritor de romances
infanto-juvenil, que após ser perseguido (pelo sistema repressivo do PT?),
teve que se mudar para a Bélgica.
Em maio deste ano, esteve no Brasil para assuntos particulares tendo,
inclusive, estado em Curitiba quando me telefonou para me cumprimentar.
Disse estar contratando a Editora Protexto, do escritor Airo Zamoner, para a
edição de mais uma obra.
Antes de retornar à Bélgica, passou por Brasília e, ao desembarcar, foi
preso, incomunicável, não tendo sequer o direito de contatar advogado ou
amigos.
Adoeceu no cárcere e foi levado a um hospital onde acabou falecendo.
Apenas esta semana, vazou a morte deste escritor paranaense, que ficou
revestida do mais absoluto silêncio dentro dos órgãos governamentais, ao
molde dos piores anos que esta Pátria teve. Será que estamos voltando aos
porões de uma ditadura?
Se a informação for verídica, tempos negros envolvem a capenga democracia e
os mais elementares direitos humanos.
“Pátria amada, salve, salve!”
Carlos Zatti – Escritor
Membro do IHGPR e do CTG Porteira Aberta

Anônimo disse...

Rodrigo Constantino, está na hora de dar passos mais largos, meu caro. Ficar somente no debate econômico, com todas as vantagens do liberalismo, não está nos levando a nada. Que a morte do escritor Yves Hublet nos sirva de motivação para ocuparmos espaços mais significativos na sociedade brasileira. Um pouco de proselitismo, tomada de posição – com decência, não vai fazer mais mal ao Brasil que a marcha cínica e assassina do partido dos trabalhadores! Vamos espalhar a notícia e cobrar do governo explicações, pois é responsável direto pelo fato !

Terêncio Xavier

Anônimo disse...

A
morte do escritor curitibano que atacou Zé
Dirceu a bengaladas
29 jul 2010 – 15:35
O curitibano Yves Hublet ganhou destaque no Brasil no dia 29 de 2005 ao
atacar a bengaladas o então deputado José Dirceu, que estava sendo
processado por envolvimento no “mensalão”. Ele era escritor e morreu na
segunda-feira (26) na capital federal em circunstâncias estranhas, segundo
relato de seu editor e amigo Airo Zamoner, da editora Protexto. Hublet
completou 72 anos em abril passado. Segundo o editor, depois do episódio da
bengalada, o escritor enfrentou vários problemas no país e mudou-se para a
Bélgica, pois tinha dupla cidadania. “Voltou em maio último para Curitiba a
fim de tratar de um livro a ser publicado por minha Editora e para tratar de
papéis de um casamento anterior, pois pretendia se casar novamente na
Europa”, revela Zamoner. Segundo este, para retornar à Bélgica Yves Hublet
foi até Brasília. “Ao descer do avião foi preso em Brasília e ficou
incomunicável”, segundo o editor. No presídio teria adoecido e foi
hospitalizado, sob escolta. “Alegou-se que estava com câncer. Ele teria
falado com uma assistente social e passou o telefone de uma ex-namorada de
Curitiba de nome Solange. Foi ela quem recebeu telefonema de Brasília
comunicando o falecimento do Yves. O corpo dele foi cremado por lá”, informa
o editor Zamoner. Yves Hublet escreveu livros infantis como “A Grande Guerra
de Dona Baleia” e “Artes & Manhas do Mico-leão-dourado”, além de histórias
em quadrinhos para a Editora Abril.

Anônimo disse...

O Intelectualismo puro nada mais é que o resultado da crença platonico-cartesiana na "Razão Pura", que, por sua vez, seria o atributo básico da "alma" ou "espírito". É claro que, com o desenvolvimento atual da neurociência, não há mais lugar para essas tolices.

paulo roberto

fejuncor disse...

Rsrsrsr. Tipo assim....

Amor na razão ou a razão no Amor?

;-D é por ai. Reflito a respeito no alto duma montanha, sob o céu estrelado, na biblioteca pública, na banheira de hidromassagem de um motel, diante do descuidista, do mendigo, do prefeito, do sábio, da loira, da morena, da ruiva e, sobretudo, diante do meu trabalho e entes queridos.

E não sei te responder.

ntsr disse...

offtopic

Em outro post o Jorge Nogueira ficava falando que o motivo pro pt ficar amiguinho de quase ditaduras como Venezuela ou Irã era ajudar as empresas brasileiras, pois é, taí a última pá de cal nessa lorota, editorial do estadão:
EMPRESAS BRASILEIRAS PODEM PAGAR CARO POR TER ACREDITADO EM CHAVEZ E LULA
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100808/not_imp591967,0.php

Vergilio disse...

Álcool, drogas, shoppings centers de cursos que muitos chamam de universidade, cotas para as minorias e etc, são reais. Agora mestres e intelectuais parece que sumiram e se tornaram raridades e virtuais. Como podemos exigir alguma coisa ou culpar os discípulos se aqueles que estão seguindo a carreira universitária são exatamente os piores, ou seja, os parasitas, concurseiros que estão somente atrás de um emprego estável nas fileiras dos governos? Como quem nunca aprendeu e não sabe nada por ser um sem mérito pode querer ensinar alguém? Quantas universidades temos entre as classificadas entre as melhores do mundo? Esses MBAs que proliferam pelo Brasil são mesmo MBAs ou somente tem esse nome pomposo para enganar incautos? E depois não sabemos porque nos tornamos cada vez mais subdesenvolvidos e ruins de inovação. Culpa dos alunos ou da falta de mestres dignos desse nome e dessa corja de coletivistas e esotéricos (que se auto- intitulam intelectuais e mestres e doutores) que invadiram nossas universidades e fábricas de mestres e doutores de araque. Infelizmente isso é real.

Anônimo disse...

PISANDO NA PORTA DO QUERUBIM…‏

Qualquer coisa é possível.
Não existe impossível.
O impossível é uma contingência do culto ao fixo...
É a idolatria dos sentidos...
Porém, para quem não se prendeu ao finito, tudo é possível.
É por isto que a cada dia vejo milhões de outros mundos...
Todos impossíveis...
Todos não verificáveis...
Todos, porém, reais...; ainda que sem constatação científica.
Enquanto escrevo há galáxias começando e acabando...
Estrelas morrendo...
Planetas nascendo...
E há muitos mundos paralelos acontecendo em outras dimensões...
Por tais percepções, sei...
Que mortos não morrem...
Que espíritos existem...
Que seres invisíveis andam à volta...
Que minha visão é pura cegueira...
Vou apenas sentindo que cada coisa largada é absorvida em outro lugar...
De fato tudo foi criado, nada se perde e tudo se transforma...
Este mundo que se vê é apenas feito das sombras do real...
E creia: não sou discípulo de Platão!...
Existimos fora do ambiente das essências...
Na realidade a expulsão do Jardim é a vida na escuridão da visão que nada vê.
Suspeito que até os seres mais básicos estejam mais conectados ao todo do que nós.
Nós nos tornamos apenas pedaços de sentidos...
Se nos atingir sensorialmente, dizemos: existe...
Se apenas nos arrepiar, dizemos: foi o vento...
Mas se não virmos, não tocarmos e não sentirmos, garantiremos que a coisa não existe...
Este é o tamanho do culto do homem à sua própria limitação.
Enquanto isto...
Ah!..., a existência está lotada de presenças e de realidades que nos transcendem em razão do nosso emburacamento deliberado em nossos próprios sentidos...
Ficamos presos no mundo das presunções...
Tornamo-nos nossa própria cadeia...
Somos como cegos que negam o sol, no máximo admitindo a existência do calor. Afinal, o calor o cego pode sentir...
O homem garante: o que existe é apenas o que o homem constata...
Agora, entretanto, pela primeira vez, sem o recurso da magia ou da fé, o homem pisou na Porta do Querubim.
Os últimos desenvolvimentos da Física Quântica estão pondo o homem nos umbrais entre o que se vê e o que se não vê...
Entretanto, nem assim se está ainda entrando o Real.
É ainda um ensaio de possibilidades infinitas...
Afinal, no ambiente quântico, tudo o que se garante é que tudo seja possível.
Assim, não pela via da fé se está chegando não a Deus ou ao encontro com a vida, mas ao encontro apenas da consciência de nossa própria imensa finitude...
No mundo quântico, assim como na fé, tudo é possível.
Paraíso, Ressurreição, portas dimensionais, mundos paralelos, seres multidimensionais, avessos do real, mundos impensáveis, alternativas infindas, existências dentro de mundos irracionais, ambientes existentes em não ambientes, leis universais desconhecidas, etc.
Entretanto, será por esta Porta Quântica que o mundo chamado espiritual se apresentará ao homem com cara de fenômeno.
Em breve a mediunidade humana acontecerá sob os auspícios da ciência mais evoluída...
Entretanto, nem ainda assim se abrirá o coração para a fé.
A fé não é fenômeno...
O homem, porém, no máximo aceita o impossível com a alcunha de fenômeno.
Quanto mais entro pelas portas da ciência mais sutil, mas vejo como a Bíblia é verdadeira.
Até agora nenhum achado humano no nível quântico é mais dramático em suas possibilidades do que a Bíblia propõe.
A Bíblia, na simplicidade de suas crenças, é tão loucamente mais avançada do que a ciência, que choca a quem apenas vê sem perceber que tudo seja possível.
O que se diz é que o homem será transformado, que a natureza será glorificada, que haverá novo céu e nova terra, que um ente social de amor se estabelecerá entre os humanos, a Nova Jerusalém; que a morte acabará; que o diabo será extinto com a morte e o inferno; que o universo inteiro será curado; que o amor será a Lei de toda a Existência.
Ora, tudo é possível.
Jesus mostrou como tudo é possível.
Jesus é o Amém.
Jesus é a Impossibilidade tornada viável ante os sentidos.
Escrevo isto sob o testemunho de homens e de anjos.

Anônimo disse...

Escrevo isto sob o testemunho de homens e de anjos.
Sei que cada palavra aqui dita é verdade.
Sei, apenas sei; e isto me vem da fé; e nada além da fé me teria trazido até aqui...
Afinal, que outro poder de percepção é maior do que a fé?
Um homem cheio de fé é infinitamente superior a qualquer que seja a maquina quântica.
Nós somos o milagre...
Em nós existe tudo...
Pena que vivamos de olhos fechados!...
Sim, de olhos bem fechados brincamos na Porta do Querubim...


Nele, que é e em Quem tudo é,

Caio

Anônimo disse...

Não dá para não se lembrar de Baudelaire...embriaga-te: de vinho, de poesia ou de virtude, mas embriaga-te...