segunda-feira, outubro 08, 2012

Uma vida para doentes mentais

Luiz Felipe Pondé, Folha de SP


Vivemos uma vida para doentes mentais. A Romênia já nos deu Cioran, Eliade, Ionesco. Agora nos dá Matéi Visniec, e a É Realizações traduziu várias de suas peças.
Entre elas, "A História do Comunismo Contada aos Doentes Mentais" nos dá a conhecer um medíocre escritor, convidado a contar a história do comunismo a doentes mentais dias antes da morte de Stálin.
Mas, para além do aspecto específico de uma reflexão sobre a conhecida praga do marxismo, chama atenção a reflexão sobre o mal que o autor faz em suas obras, principalmente na face contemporânea e histórica.
Os romenos são grandes "filósofos do mal". Tenho um profundo preconceito por quem acha que não existe o mal. Este tipo de antropólogo de boutique que confunde relativismo cultural com discussão moral séria.
Segundo o que nos dizia Cioran, na Romênia, ninguém se dava ao luxo de suspeitar da existência do mal, porque o fatalismo pessimista daquele povo era por demais "empírico": séculos de violência.
Segundo o autor, o mal em sistemas totalitários é fácil de ser identificado: a perda da liberdade, da privacidade, do horizonte, enfim, do tônus da vontade. Mas, na França em que vive desde seu exílio em 1987, o mal não é tão fácil de ser identificado. Para Visniec, aquilo que as ditaduras marxistas não conseguiram realizar plenamente, a formatação do homem para a condição de gado ou de doente mental, a "liberdade de consumo" das democracias ocidentais estão conseguindo. Este é o "nosso mal".
Como o leitor bem sabe, suspeito de toda crítica à sociedade de mercado quando feita por alguém que supõe conhecer uma melhor forma de vida e que afirma que esta melhor forma passa pelas ideias idiotas que alimenta em sua cabecinha intelectualmente provinciana e autoritária. Mas este não é o caso de Visniec.
Tendo vivido sob o regime totalitário marxista, ele carrega a marca de quem conheceu o mal na intimidade que só a forma banal do cotidiano traz.
Para as sociedade ocidentais funcionarem, temos que comprar. Para comprar no nível que a máquina econômica nos pede, temos que, mais do que comprar, consumir sempre e cada vez mais. Portanto, ao consumirmos "livremente" e com alegria, somos o gado pacificado que os regimes marxistas tentaram criar e não conseguiram. Um cidadão responsável neste mundo afirma sua integridade pagando a conta do Visa em dia.
Só alguém sem alma pode ver um shopping center no fim de semana e não ter vontade de vomitar. Um certo mal-estar com relação à sociedade de consumo é necessário se você quiser manter sua saúde mental em dia. A sociedade que consome sem um mínimo de mal-estar é uma sociedade de doentes mentais.
O problema é que não conhecemos nenhuma experiência histórica real na qual a liberdade política tenha sobrevivido ao extermínio da liberdade de iniciativa econômica.
Por outro lado, a vida humana é precária e tudo tem um custo real. Não conhecemos nenhuma forma de criar ciência, conforto, técnica, direitos humanos sem o uso de dinheiro. E assim voltamos ao consumo: o consumo garante a sobrevivência da economia no nível exigido pelo nosso desejo de conforto, ciência, técnica, direitos humanos.
Visniec se choca com uma Europa que tudo que parece querer é comprar. O Leste Europeu, quando ficou livre, gritou "Prada!". A liberdade conquistada foi para ir ao shopping no fim de semana e comprar toda essa gama de lixo que se compra, com a "boca cheia de dentes esperando a morte chegar...".
Nenhum intelectual parece entender que somos banais como doentes mentais.
Visniec pensa que temos que buscar novas utopias. O interessante é lembrar que a felicidade representada pelo "sou livre para comprar" também foi uma utopia na Europa. O euro é o nome dessa utopia.
Melhor abrirmos mão da ideia de utopia. Quanto mais rápido desistirmos de um mundo melhor, mais rápido perceberemos que a consciência, de fato, é um ônus.
E também, como dizia Yeats, "os melhores não têm convicções enquanto que os piores estão sempre cheios de intensidade passional". O desafio hoje é pensar sem utopias.

5 comentários:

Anônimo disse...

'Só alguém sem alma pode ver um shopping center no fim de semana e não ter vontade de vomitar. '

que diabo é isso??? aqui???

lgn disse...

Interessante contraponto entre duas vertentes que se digladiam buscando consumidores. Não é fácil fugir de ambas e a sociedade em que vivemos expressa perfeitamente essa crise existencial. To, or not to be? Como diria o poeta, viver é muito perigoso.

Anônimo disse...

Me pareceu que o Pondé abordou a necessidade de se existir com equilíbrio. Mostrou que na prática a humanidade encara a liberdade como liberdade para comprar, basicamente.
E, agora sou eu que acho , que pensar, refletir e confrontar a realidade sempre será tarefa para poucos. Não se pode querer que qualquer cidadão médio reflita como o Pondé, Olavo de Carvalho, Pereira Coutinho... Na essência os humanos são como gados e serão "livres" enquanto existirem "peões" do bem.

Anônimo disse...

Yeats?
Não conhecia.
Lembrarei para sempre!
Ganhei o dia. Talvez mais ...

Anônimo disse...

Normalmente gosto dos textos do Pondé, mas este foi ridículo,de um anticapitalismo infantil, afirmar que cidadãos livres em uma sociedade aberta e de mercado estariam no nível dos "zumbis" que habitam os países comunistas foi de amargar, de um relativismo primário. Fazendo uma comparação foi como comparar os que combatem o terrorismo islâmico com os próprios terroristas (somente um mentecapto acreditaria em tal comparação). Esse texto revela o caráter elitista de Pondé ao escrever com besteiras como: 'Só alguém sem alma pode ver um shopping center no fim de semana e não ter vontade de vomitar. '

Pondé do alto de sua torre de marfim deve sentir-se desagradado ao constatar que as massas "ignorantes" e "inferioes" a ele possam graças ao capitalismo terem acesso a um padrão de consumo impossível no passado.