Milton Pires
Em 1967 a Guerra do Vietnam
envolvia um contingente cada vez maior de soldados americanos. A necessidade de
atendimento aos feridos graves, entre eles as vítimas de queimadura e
intoxicação, demandavam recursos materiais e humanos cada vez mais complexos.
Os EUA construíram, na cidade litorânea de Da Nang, um hospital militar com o
objetivo de atender suas tropas. Nesta época não existia propriamente a
especialidade hoje conhecida como Terapia Intensiva. Foi com espanto que os
médicos militares começaram a atender um número cada vez maior de pacientes
vítimas de intoxicação em função do chamado “agente laranja” e outras
substâncias químicas utilizadas para desfolhamento de florestas e localização
dos esconderijos inimigos. As pessoas apresentavam como quadro clínico uma
síndrome que envolvia, entre outros sinais e sintomas, acúmulo de líquidos nos
pulmões e diminuição da capacidade de oxigenação do sangue.
Essa nova doença ficou conhecida
como “Pulmão de Da Nang” e hoje, nós intensivistas, a chamamos de SARA –
Síndrome de Angústia Respiratória do Adulto.
Fiz esta breve introdução para
dizer que é isto que pode acontecer com os sobreviventes do incêndio de Santa
Maria. Mais; gostaria que ficasse muito claro a todos que este tipo de “coisa”
não pode ser atendido (numa situação que envolve um número de pacientes tão
grandes) com segurança em nenhuma capital brasileira. Isto ocorre porque
simplesmente não há unidades de terapia intensiva em número suficiente nem
respiradores artificiais para atender tanta gente.
Em meio a tanto desespero não há
um só político ou autoridade da saúde com honestidade suficiente para dizer
aquilo que escrevi acima. Há pelo menos quatro décadas assistimos gerações e
mais gerações de secretários e ministros da saúde insistindo na ideia de
medicina comunitária e prevenção. Pois bem, pergunto agora: o que nós, médicos
intensivistas, devemos fazer com as pessoas que sobreviveram ao incêndio de
Santa Maria? Encaminhá-las para postos de saúde? Não se constrói um hospital público
em Porto Alegre desde 1970! Pelo contrário; vários foram à falência e fecharam!
Que o Brasil inteiro saiba que é
MENTIRA a afirmação das autoridades de que Porto Alegre tem leitos de UTI
suficientes para atender toda essa gente! A secretaria estadual da saúde pode,
se necessário, comprar leitos na rede privada mas mesmo assim é muita sorte
haver algum disponível. Com relação aos responsáveis por esta tragédia, deixo
aqui a minha opinião – foi o poder público corrupto, negligente e incompetente,
quem MATOU todos estes jovens!
É esse tipo de gente que quer
entupir o o Brasil com médicos de Cuba e
do Paraguai, que manda médicos para o Haiti e que insiste em saúde
“comunitária”, que agora aparece na televisão chorando e abraçando os pais das
pessoas que morreram.
Termino aqui; como em toda
situação de guerra, a primeira vítima de Santa Maria, assim como em Da Nang, foi
a verdade – jamais esqueçam isto !
Milton Pires
Médico Intensivista
Porto Alegre – RS.