domingo, setembro 19, 2010

A Escalada Fascista



Rodrigo Constantino

Fruto de intensa propaganda, a imensa maioria das pessoas encara o fascismo como um regime de “direita” e, portanto, diametralmente oposto ao sindicalismo de esquerda. Não obstante, a verdade é que ambos, fascismo e sindicalismo, muitas vezes se confundem, apresentando enormes semelhanças e disputando o mesmo tipo de alma. O estudo histórico da ascensão de Mussolini ao poder pode elucidar melhor este paralelo.

Para começo de conversa, a chegada de Mussolini ao poder foi perfeitamente legal. Como explica Donald Sassoon em seu livro sobre o ditador, “Mussolini fora designado constitucionalmente, prestara juramento de fidelidade ao rei e à Constituição e apresentara seu programa de governo ao Parlamento, dele solicitando e obtendo plenos poderes”. O líder fascista controlava uma massa de militantes uniformizados que representava uma espécie de Estado dentro do Estado.

Mantendo-se nos limites da legalidade, mas permitindo investidas regulares fora dela, Mussolini seria capaz de obter o apoio estratégico de muitos grupos temerosos de um golpe comunista. Estes pensavam que Mussolini, apesar da própria retórica revolucionária, seria capaz de manter sob controle os camisas-negras mais exaltados ao seu redor. Talvez algo análogo ao que o presidente Lula sempre tentou “vender” ao eleitorado de classe média e alta, de que somente ele era capaz de “dialogar” com os radicais do MST, na verdade um braço revolucionário do próprio PT.

“Muitos camaradas, entretanto, logo seriam seduzidos pelos encantos do establishment político que haviam tentado destruir”, diz Sassoon. “Começaram a experimentar os prazeres do poder, o fato de serem temidos e invejados e a desfrutar do respeito daqueles que até então viam com admiração”, ele acrescenta. E mais: “As velhas elites, naturalmente, desprezavam Mussolini, filho de um ferreiro e de uma professora. Ficaram alarmadas com seu aspecto plebeu e sua linguagem rude e populista, mas reconheciam nele alguém disposto a se encarregar do trabalho sujo que não sabiam ou não queriam fazer. Certos intelectuais o admiravam abertamente ou não se dispunham a criticá-lo”.

A demagogia de Mussolini era escancarada: “Em 1931, exagerando absurdamente seus antecedentes de ‘homem do povo’, ele escreveu com certo orgulho que pertencia à classe dos que compartilhavam um quarto que também servia de cozinha, tendo como refeição noturna uma simples sopa de legumes”. A imagem de um homem tão humilde que se tornara primeiro-ministro era usada constantemente como material de propaganda política. Aos poucos, o poder foi sendo concentrado no “homem do povo”, e o que restava de freio constitucional foi sendo abolido. Os poucos jornais independentes que restavam foram amordaçados por uma série de restrições à imprensa. O caminho estava livre para a ditadura.

O fator nacionalista também foi crucial para a escalada fascista. O partido “imaculado” de Mussolini denunciava a incapacidade das velhas classes governantes em fazer frente às grandes potências e restabelecer a grandeza da Itália. “O nacionalismo italiano chafurdava num sentimento de inferioridade”, coloca o autor. O “orgulho nacional” seria resgatado pelos fascistas. Talvez algo parecido com o que os petistas tentam fazer com o governo Lula, alegando que nunca o Brasil fora tão respeitado lá fora, e abusando de uma retórica nacionalista. A declaração antiamericana sensacionalista do próprio presidente, falando que o “elefante” iria tremer diante do “rato”, demonstra como este nacionalismo ainda pesa por aqui.

As velhas oligarquias italianas pensaram que seria possível usar Mussolini para controlar os radicais vermelhos e continuar governando por baixo dos panos. O carismático líder fascista seria apenas uma figura decorativa, e o antigo establishment governaria na sombra, como sempre havia feito. A personalidade magnética de Mussolini irradiaria a energia do poder, enquanto quem daria as cartas de fato seriam os mesmos de sempre. Não contaram com a possibilidade de o dono da popularidade toda resolver assumir o controle do poder por conta própria.

O crescimento econômico serviu para anestesiar as massas também. “Grande parte do crescimento industrial, longe de ser uma vitória da competitividade de mercado, deveu-se ao maciço aumento das compras por parte do Estado”, explica Sassoon. E completa: “A indústria italiana mostrava-se como sempre dependente do governo”. O setor manufatureiro não estava insatisfeito com a situação, pois contava com o grande cliente certo. “O enriquecimento e a corrupção andavam de mãos dadas – tudo sob a bandeira do patriotismo”, conclui o autor. O petróleo é nosso! Viva o BNDES!

O sentimento geral era antiparlamentar, uma vez que o Parlamento era, de fato, um balcão de negociatas. “Da noite para o dia, adversários podiam ser ‘transformados’ em aliados mediante suborno direto ou indireto – razão da designação pejorativa transformismo ser aplicada ao sistema”, explica Sassoon. O “mensalão”, como se pode ver, não é tão original assim. Desenvolveu-se então um sistema de “clientelismo”, no qual “os políticos prometiam empregos aos eleitores e seguidores, proteção e um constante influxo de dinheiro público”. Todos acabaram seduzidos pelas enormes tetas estatais, inclusive os sindicatos. A Itália tinha um dos níveis mais altos de sindicalização da Europa.

Com o benefício do retrospecto, muitos tentam personalizar demais os regimes fascistas, colocando a culpa toda na figura do líder, e ignorando o amplo apoio popular que tiveram. A verdade é que havia simpatia pelos fascistas em muitos setores. A “principal fonte de apoio aos fascistas eram certamente os estudantes colegiais e universitários”, afirma Sassoon. Os industriais acabaram se convencendo de que era necessário entrar em acordo com os fascistas, pois “haviam se tornado a principal força anti-socialista do país”. Entre ter a propriedade confiscada ou ter uma ditadura que servia aos interesses do grande capital, a escolha parecia evidente.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo recente, fez um paralelo entre Lula e Mussolini, lembrando que o presidente precisa de freios constitucionais para seus abusos de poder. Logo depois, entretanto, fez questão de deixar claro que Lula não tem nada a ver com Mussolini. FHC é um típico tucano, sempre em cima do muro. Mas como podemos ver, há sim muitas “coincidências” entre os dois, e se os italianos, mais educados que os brasileiros, foram vítimas do fascismo de Mussolini, nada garante que nós seremos capazes de evitar o mesmo destino. Donald Sassoon conclui:

“Mussolini poderia ter sido contido, mas aqueles capazes de bloquear a sua trajetória – os liberais, a esquerda, a Igreja, a monarquia – não souberam ou não quiseram fazê-lo, caminhando para 20 anos de ditadura como se tivessem os olhos vendados”.

9 comentários:

Bernardo Quintão disse...

Chega a ser assustadora a quantidade de semelhanças. Minha esperança é que temos o Impeachment como arma assim que estourar o primeiro grande escândalo do governo Dilma. E a velocidade da informação hj, a facilidade de se reunir indícios e provas é muito grande. Temos que nos agarrar em alguma coisa né.

charles disse...

"Os nossos programas são decididamente revolucionários, nossas ideias pertencem àquelas que num regime democrático seriam chamadas “de esquerda”; nossas instituições são um resultado direto de nossos programas; e o nosso ideal é o Estado do Trabalho. Sobre isto não pode haver dúvida: somos a classe trabalhadora em luta, pela vida e pela morte, contra o capitalismo. Nós somos os revolucionários em busca de uma nova ordem. Se isto é verdade, dirigir-se à burguesia alegando o perigo vermelho é um absurdo. O espantalho verdadeiro, o autêntico perigo, a ameaça contra a qual lutamos incessantemente, vem da direita. Não estamos interessados portanto em ter como aliada, contra a ameaça de perigo vermelho, a burguesia capitalista: mesmo na melhor das hipóteses que não seria senão uma aliada infiel, que tentaria fazer-nos servir a seus fins, como já fez mais do uma vez, com algum sucesso. Desperdiçar palavras com isto é totalmente desnecessário. Portanto, é prejudicial, já que nos faz confundir, dos autênticos revolucionários de qualquer matiz, com os homens da reação de quem utilizamos ocasionalmente a linguagem."

Benito Mussolini

Leonardo disse...

BERNARDO!

Também torço por algo semelhante embora, depois do que vi no escândalo do mensalão, qq outra escândalo que surgir será facilmente debelado e sufocado na mídia, anestesiada que está por esta onda ufanista e eu diria até arrivista, típicos de emergentes que acham que desta vez o Brasil foi para algum lugar e foi graças ao Lula...
Realmente, ninguém segura este país...
São Roberto Campos, intercedei por nós!

Ronilson Sérgio disse...

O 'eleitor real'

Foi no Rio Grande do Norte que o repórter Silvio Navarro encontrou o "eleitor real" destas eleições.

Já passava das 19h de sexta-feira quando Roque Ramos, desempregado há meses e que hoje vive de "bicos", levou a mulher e o filho de colo para acompanhar um comício de Rosalba Ciarlini (DEM), candidata ao governo do Rio Grande do Norte, no município de Rui Barbosa, agreste potiguar.

Roque diz ser um "eleitor real". E tem uma característica peculiar aos 3.500 eleitores do povoado: sem emprego, vive do Bolsa Família que sua mulher recebe mensalmente.

Entre estalos de rojões e jingles que ensurdecem, ele acompanha atento o discurso no palanque móvel de Rosalba, que nesta eleição é Rosa na urna e pouco lembra o partido que faz oposição a Lula e Dilma Rousseff. Rosalba deve triunfar no primeiro turno ao governo do Estado.

"E qual é seu candidato a presidente?", pergunta a reportagem.

"A do Lula, ué", responde, um tanto desconfiado.

Por que Dilma se Lula não é candidato? "Pela promessa de segurar o Bolsa Família, né?"

A mulher, encabulada com a abordagem da reportagem, apenas concorda. É ela quem saca os R$ 112 do Bolsa Família.

O filho, de três anos, salta no colo.

Roque tem de cabeça o número do deputado estadual em que vai votar.

Diz que acompanha a TV Senado pela parabólica instalada no centro da praça e até torce por Rosalba. Até gosta de política, mas que "a cada quatro anos é sempre a mesma coisa".

E arremata: "Enfim, o importante é continuar o Bolsa Família".

ntsr disse...

Deve ser alguma doença mental, quem não é parasita e acha que isso se sustenta

Barbosa (Jundiaí / SP) disse...

Hitler também subiu ao poder por vias legais; o Nazi-Fascismo nada mais é do que um Socialismo. Para tanto, basta ler Fascismo de Esquerda, de Jonah Goldberg. Mas infelizmente os desavisados deste país não conseguem ver as coisas tais quais são na realidade.

José Carneiro da Cunha disse...

Já lancei minha tese. No primeiro grande escândalo o PMDB vira oposição e apóia o impeachment da Dilma. Sarney, Renan Calheiros e Temer, com apoio de Collor, farão um longo discurso de justificativa da ruptura, que será fundada na defesa pela da ética pública e da democracia. Afinal, não podem esses senhores compactuar com governo tão corrupto e de viés ditatorial.
Após a queda de Dilma, Temer assume a presidência e o PMDB volta ao poder “máximo”, de quebra afunda o PT e se consolida como o verdadeiro partido hegemônico.
Quando o PT cedeu à vice-presidência, jogou o PMDB para a oposição. O malandro do Dirceu percebeu, por isso já negocia uma maneira do PT levar a presidência da Câmara, cargo já dado como certo pelo PMDB.

Abs

José Carneiro

Rodrigo Constantino disse...

Já pensei nisso, mas acho que o PMDB não tem interesse em ter o presidente, exposto da frente da batalha. Sempre preferiram mandar pelos bastidores sem tanta exposição. Só se for o último caso, contra um golpe petista.

Ronilson Sérgio disse...

José Carneiro, concordo contigo, neste país quem quer entrar na política e não tem compromisso, nem quer prestar contas ao partido, quem é sem ideologia alguma e quer só se dar bem, já sabe para onde ir: PMDB.